Após quase atropelar famílias em protesto, motorista tenta extorquir liderança

Homem avançou na contramão sobre sem-tetos que se manifestavam em São José dos Campos (SP), quando foi agredido e teve carro avariado; ele exigiu R$ 10 mil de líder comunitário “ou prejuízo será bem maior”

Reprodução da troca de mensagens entre Renato Leandro e o motorista após o protesto, em 23 de agosto

O líder comunitário Renato Leandro Vieira, 33 anos, conta que foi surpreendido ao receber uma ameaça de extorsão em seu WhatsApp, no dia 23 de agosto, com a foto dele, um trecho de um vídeo e a cobrança: “Paga 10k [R$ 10 mil] até amanhã as 10hs ou o seu prejuízo será bem maior”.

As mensagens, apagadas depois, foram enviadas por um homem após um protesto de moradores da comunidade Jardim Nova Esperança, mais conhecida como comunidade do Banhado, em São José dos Campos, no Vale do Paraíba, no estado de São Paulo.

Os moradores ocuparam as ruas contra as demolições de ao menos três casas feitas pela Prefeitura, apesar de o Tribunal de Justiça de São Paulo ter proibido remoções enquanto tramita o processo de regularização fundiária da área. “Chegaram derrubando sem explicar nada, sem mandado judicial”, conta Renato, que mora há 25 anos no local e é membro da Sociedade Amigos de Bairro do Jardim Nova Esperança.

Os moradores do Banhado, com cartazes contra as demolições, bloquearam as faixas de rolamento da Ponte Estaiada. Renato afirma que um dos motoristas tentou furar o bloqueio de forma truculenta. “Ele tentou passar na contramão e quase atropelou as pessoas umas três vezes”, afirma. “O pessoal ficou revoltado porque tinha grávida, tinha criança”.

Um vídeo gravado pelo site Life Informa mostra o momento em que um carro preto surge em alta velocidade e quase atropela os manifestantes na rotatória das Colinas, na Ponte Estaiada. Havia crianças pequenas e bebês no grupo. O motorista sai do veículo e começa uma confusão. Ele troca empurrões e tapas com algumas das pessoas do ato.

“Eu não sei se alguém jogou alguma coisa no carro dele, ele desceu e começou uma briga”, prossegue Renato. No vídeo, é possível ver um dos manifestantes jogar um objeto em direção ao carro. O líder comunitário afirma que tentou apaziguar os ânimos e não agrediu o motorista. “Logo quando eu chego em casa, eu recebo as mensagens porque ele pegou meu número nas redes sociais, sendo que eu tentei apartar a situação”, diz.

No dia seguinte, Renato registrou um boletim de ocorrência eletrônico sobre a tentativa de extorsão. O TJSP concedeu uma liminar (pedido de urgência) feito pela Defensoria Pública cobrando ao governo municipal explicações sobre a derrubada de casas. A Promotoria de Justiça de Direitos Humanos do Ministério Público Estadual também abriu um procedimento administrativo e pediu respostas da Prefeitura e da Polícia Militar.

A alegação do governo municipal à imprensa para a demolição das casas é de que os imóveis estariam abandonados e que poderiam “auxiliar na prática de crimes”, mesmo não explicando como chegaram a essa informação. Renato denuncia que nenhuma casa estava vazia e que os moradores saíram para trabalhar. A derrubada contou com apoio da Guarda Civil Municipal e da Polícia Militar.

Em julho, a Ponte reportou denúncias de violência policial por moradores da comunidade após uma ocupação das forças de segurança na área, que tem a Prefeitura como proprietária da maior parte do terreno, sem qualquer justificativa para permanecer no local.

A Ponte procurou o homem que mandou as mensagens à Renato. Ele não quis se identificar, negou a tentativa de extorsão, disse que foi agredido e que gastou R$ 13 mil para fazer reparos no veículo. “Eu não ameacei ninguém, não, só disse que eles destruíram meu carro inteiro, tomei uma surra do tamanho do mundo de mais de 20 pessoas e por pouco eu não fui morto”, declarou.

“Não é porque a pessoa é humilde, que não tem dinheiro, que a pessoa tem que ser vítima, tá? Às vezes uma pessoa sem dinheiro que tenta contra a vida de outra é tarjada por mim, e pela maioria da sociedade, como bandido. Então o ato deles lá foi um ato de vandalismo, foi um ato de bandido, uma tentativa de assassinato”, completou.

Ele afirma que “não machucou ninguém” nem fez nada contra as pessoas que estavam no protesto. “Se esse Renato, que é o coordenador de lá, não tem controle sobre os marginais que andam com ele, que foram inclusive mais de 20 pessoas, defenda ele, é isso aí, é assim que o Brasil vai para frente, e é por causa de pessoas como essas aí, defendida pela imprensa, que o Brasil anda para trás”, prosseguiu.

O motorista disse que fez um boletim de ocorrência e que o exame de corpo de delito teria constatado essas lesões de agressão. A Ponte solicitou os documentos, mas não ele não quis encaminhar. Pedimos, então, o nome para que pudéssemos questionar a Secretaria da Segurança Pública sobre o possível registro, mas também negou, e ainda ameaçou fazer uma queixa-crime contra a reportagem.

“Você tá querendo meu nome para passar para eles [moradores do Banhado], para eles pegarem meu endereço e terminarem de fazer o serviço? Tentaram me matar naquele dia, não conseguiram e agora vão tentar de novo. Então tá bom, fica tranquila, porque eu tô levando a nossa conversa para a delegacia de polícia também, tá? É mais uma prova de que a perseguição é grande”, disse.

Ajude a Ponte!

A Rede de Proteção e Resistência Contra o Genocídio repudiou as mensagens recebidas pelo líder comunitário. “Exigimos a punição dessas pessoas e a proteção de Renato do Banhado, que não pode vir a ser mais uma vítima da perseguição aos que lutam por direitos nesse país. O governo municipal atual é incapaz de proteger a população centenária do Banhado, não demonstra qualquer sinal de sensatez ou respeito com os moradores. Muito pelo contrário, derruba de forma criminosa casas de famílias sem qualquer ordem judicial”, diz em trecho da nota.

O que diz a polícia

A Ponte ligou para o 1º DP de São José dos Campos, mas ninguém atendeu. Também procuramos a Secretaria da Segurança Pública cuja assessoria informou que não responde no final de semana demandas que não sejam referentes ao plantão e pediu para reencaminhar a solicitação na segunda-feira (5/9).

A reportagem reencaminhou os questionamentos e aguarda retorno.

O que diz a Prefeitura

A Ponte também procurou a assessoria a respeito das demolições e aguarda resposta.

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