Após reportagem da Ponte, governo de SP é condenado a indenizar carregador preso injustamente por dois anos

Flavio Silva Santos foi condenado por roubo, em 2019, com base no reconhecimento de uma vítima que nunca viu o rosto dos ladrões; advogada entrou na defesa do jovem após conhecer o caso pela Ponte

Flavio Silva Santos passou dois anos e seis meses preso injustamente | Foto: Arquivo pessoal

Em fevereiro de 2022, a repórter Elisa Fontes, da Ponte Jornalismo, investigou a história do carregador Flavio Silva Santos, hoje com 31 anos, que na época completava dois anos preso na prisão, condenado por causa de um roubo que não havia cometido. Entre os entrevistados, estava a criminalista Débora Nachmanowicz. Apresentado ao caso pela Ponte, Débora apontou diversas falhas no processo, em que Flavio foi preso temporariamente apenas com base apenas em uma foto do Facebook e depois condenado por causa de um reconhecimento irregular de uma vítima que nem chegou a ver o rosto dos assaltantes.

As injustiças da condenação de Flávio impressionaram tanto a advogada que, após a publicação, Débora se colocou à disposição para defendê-lo. Resultado: Flavio foi solto três meses depois e, nesta semana, obteve na Justiça, em segunda instância, o direito a receber uma indenização do governo do Estado de São Paulo, no valor de R$ 100 mil, por conta dos danos morais provocados pela prisão injusta.

A decisão foi expedida na terça-feira (1º/8) pela 1ª Câmara de Direito Público do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo. Os desembargadores Marcos Pimentel Tamassia, relator da ação, Luís Francisco Aguilar Cortez e Rubens Rihl reconheceram que houve erro judiciário e que o Estado deveria ser responsabilizado pelos danos causados ao carregador. 

“É cristalino que as decisões tomadas no curso da ação penal que implicaram na permanência de Flavio na prisão foram destituídas de fundamentação adequada e simplesmente ignoraram os diversos alertas feitos de que se tratava de pessoa sem qualquer vínculo com o fato delituoso”, escreveu Tamassia.

A vitória foi celebrada pela família de Flavio. O irmão dele, Tarcísio Silva Santos, 34 anos, disse que a prisão causou diversos danos e que a indenização pode dar um novo rumo à vida do carregador, que atualmente vive de bicos. “Estamos aliviados. Apesar dele já ter sido absolvido e ter toda a condenação anulada, agora é que vemos o reconhecimento da Justiça perante ele, porque com a indenização o judiciário mostra que realmente errou”, afirma Tarcísio. 

A advogada Débora Nachmanowicz também comemorou a decisão, que modificou uma decisão desfavorável na primeira instância, o que não é comum em casos assim. “A gente ficou muito feliz com essa vitória. Foi uma reversão que nos surpreendeu, porque é muito difícil ter entendimentos de erro judiciário indenizável na 1º Câmara [do TJSP]. Foi com muita alegria que nós recebemos essa decisão. É uma nova chance para o Flavio”, comentou a advogada.  

Uma história de injustiça

Flavio foi condenado por causa de um roubo ocorrido em 26 de outubro de 2019 na cidade de Itapecerica da Serra (Grande SP). Oito homens, todos encapuzados, invadiram um sítio localizado na Rodovia Régis Bittencourt e levaram uma grande quantia em dinheiro vivo de reais, dólares, euros e ienes. 

Dois dias depois do roubo, uma das vítimas declarou que desconfiava que os assaltantes poderiam ser da região do Parque Santa Amélia, na mesma cidade, e por isso procurou por eles nas redes sociais. A vítima foi até a delegacia da Polícia Civil e apresentou uma foto, tirada do Facebook, de um homem que acreditava ser um dos ladrões — era Flávio. Mesmo sem nunca ter visto o rosto de qualquer um dos assaltantes, a vítima disse que conseguiu identificá-lo e foi levada a sério pela Polícia Civil.

Após saber que a polícia estava procurando por ele, Flavio apresentou-se espontaneamente na delegacia. A pedido da Polícia Civil, o Tribunal de Justiça decretou a sua prisão temporária, com base apenas no reconhecimento da foto do Facebook, em novembro de 2019. Já na fase do processo judicial, o carregador foi submetido a um reconhecimento presencial, colocado sozinho diante da vítima. O reconhecimento desobedeceu às determinações do artigo 226 do Código de Processo Penal, que afirma que a testemunha deve primeiro fazer uma descrição do suspeito e posteriormente ser apresentada a indivíduos com características semelhantes entre si.

Apesar da falta de provas, Flavio foi denunciado pelo promotor Alexandre Acerbi e acabou condenado pelo juiz Bruno Cortina Campopiano a 13 anos, 6 meses e 7 dias de prisão em regime fechado.

Em maio do ano passado, após a Ponte ter denunciado o caso e a advogada Débora Nachmanowicz ter assumido a defesa de Flavio, ele teve a liberdade concedida pelo Superior Tribunal Federal (STJ), que anulou a condenação. Em sua decisão, o ministro Ribeiro Dantas afirma que o reconhecimento por meio apenas de uma imagem não poderia ser a única prova que justificasse a prisão dele durante todo esse período.

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No acordão (decisão colegiada, proferida por mais de um magistrado), o desembargador Tamassia reconhece que “o que se tem nos autos é apenas um reconhecimento fotográfico e um reconhecimento pessoal feitos em dissonância com o art. 226 do CPP que não denotam certeza a respeito da identidade do autor do delito”.

O que diz o governo

A Ponte procurou a Procuradoria-Geral de São Paulo questionando sobre um possível pedido de recurso. Em nota, a PGE afirmou que ainda não foi intimada.

O que diz a polícia

Procurada, a assessoria de imprensa da Secretaria da Segurança Pública não se manifestou sobre a investigação que levou à prisão injusta de Flavio.

O que diz o Ministério Público

A Ponte procurou a assessoria de imprensa do Ministério Público do Estado de São Paulo pedindo um posicionamento do promotor de justiça Alexandre Acerbi, autor da denúncia contra Flavio. O MPSP não respondeu.

O que diz o Tribunal de Justiça

A Ponte procurou a assessoria de imprensa do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo pedindo um posicionamento do juiz Bruno Cortina Campopiano, que condenou Flavio sem provas conclusivas. O TJ-SP respondeu que não se manifesta sobre questões jurisdicionais.

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