A mesma polícia que cometeu a Chacina do Jacarezinho quer apagar até os rastros da memória dos que se foram
Na tarde do dia 11 de maio de 2022, policiais da Core (Coordenadoria de Recursos Especiais) derrubaram o memorial construído há menos de uma semana no Jacarezinho, favela localizada na zona norte do Rio de Janeiro, em homenagem às vítimas da Chacina do Jacarezinho. O monumento foi erguido uma semana antes, no ato de um ano da chacina. Uma ação feita pelas mãos dos familiares que há um ano perderam seus filhos e parentes numa das maiores chacinas ocorridas na história da cidade.
Derrubar um memorial que dava nome e sobrenome às vítimas daquele massacre é extremamente violento. Os nomes e sobrenomes de cada um foram arrancados por policiais mostrando mais uma vez suas práticas racistas e de ódio ao povo que habita o território favelado. Após a retirada dos nomes, eles amarraram a parte de concreto com uma corda e o restante do memorial foi derrubado por um caveirão (carro blindado da polícia). Ou seja, os mesmos que matam a vida negra e favelada, querem matar e apagar também a memória.
Diante desse desrespeito e violento fato militarizado, perguntamos quem pode dar nomes às ruas e placas tendo suas memórias louvadas, homenageados, expostas e ter bustos erguidos espalhados pela cidade? Quem dita nossas histórias, memórias, narrativas de vida ou mesmo de morte? As vítimas fatais da chacina do Jacarezinho foram violadas e marginalizadas duas vezes numa tentativa de apagamento de seus nomes e sobrenomes. O próprio memorial que foi derrubado, dizia: “Nenhuma morte pode ser esquecida e que nenhuma chacina pode ser normalizada”.
Não, por acaso, a luta por memória, justiça, verdade e reparação é contínua. Ela não começou hoje em nosso país. Nossas histórias, por exemplo, não estão e nunca estiveram nos livros didáticos, não estão e nunca estiveram nas telenovelas e telejornais sem qualquer tipo de estereótipo. Por isso, lutamos hoje e sempre pela vida e pela memória, para que um dia tenhamos as ruas com nomes não de generais, mas de povo que foi e ainda é vítimas do Estado assassino, das polícias e destes generais ainda homenageados nesta dita democracia. Já passou da hora da história e da memória desse país mudar. Nós existimos e nossas memórias não serão apagadas, jamais!
* Gizele Martins é jornalista e comunicadora comunitária da Maré, integrante dos movimentos de favelas e autora do livro “Militarização e Censura”, além de doutoranda na Escola de Comunicação da Universidade Federal do Rio de Janeiro (ECO/UFRJ).