Artigo | Disputa eleitoral em São Paulo: militarização e populismo

Participação de ex-comandantes da Rota nas campanhas de Guilherme Boulos e Ricardo Nunes mostra que direita e esquerda preservam fetiche por militares como solução de todos os problemas

Ilustração: Junião / Ponte Jornalismo

No Brasil, infelizmente, persiste uma atração, até mesmo um fetiche, por militares. Em todas as esferas do poder, eles são considerados a solução dos problemas, quaisquer que sejam. Há uma profusão de candidatos, em todas as eleições, que fazem questão de ostentar a condição de militar e que apregoam, por essa condição, ter a solução para as questões que afligem o eleitorado. Há um problema de difícil solução? A mensagem transmitida ao público é a de que basta chamar um militar que tudo será resolvido. Apenas para ficar com exemplos recentes, no governo Bolsonaro vimos, à exaustão, que não é bem isso o que acontece.

Há fundamentação para isto. Segundo a Doutrina de Segurança Nacional, que — nunca é demais lembrar — embasou o golpe e a ditadura que assolou o nosso país, os militares são considerados membros de uma casta superior, os únicos aptos para salvar a sociedade de todos os seus males. Eles são considerados a reserva moral da nação. Nós convivemos, em virtude de um processo de redemocratização mal conduzido, com estruturas e valores típicos da ditadura militar. O papel atribuído aos militares é um deles.

Realidade que não é diferente na campanha eleitoral à prefeitura de São Paulo. Um coronel da Rondas Ostensivas Tobias de Aguiar (Rota), após imposição de Jair Bolsonaro, foi selecionado para ser candidato a vice-prefeito na chapa do candidato à reeleição, Ricardo Nunes (MDB). Esse senhor, em 2021, em uma manifestação nitidamente antidemocrática, convocou os policiais militares para uma guerra contra o comunismo (sic), contra o STF e tudo aquilo que cansamos de ver durante o governo do ex-presidente Jair Bolsonaro. Não houve qualquer tipo de punição. Mesmo assim, está ele na cena política para ser eleito.

A segurança da população é um tema central na campanha política e, por ser policial militar, com um viés ultraconservador, bolsonarista, armamentista e de uma política de segurança pública mais letal, ganhou destaque. A ideia a ser passada aos eleitores é a da guerra contra a criminalidade.

Do outro lado da disputa se apresenta uma candidatura situada no campo da esquerda, a de Guilherme Boulos (PSOL), que também recorre ao imaginário militar e anuncia, de maneira igual, a presença de um coronel da PM, que também foi comandante da Rota, na campanha para auxiliar na elaboração do programa de segurança. Em ambos os casos, mereceu destaque o fato de terem pertencidos à Rota, unidade de elite da polícia militar, o que evidencia a força política que os policiais adquiriram e a busca pelo forte apelo popular que isso representa. Estamos revivendo a solução, utilizada por candidatos no passado, de “botar a Rota na rua”? Fico pensando se não teria sido o momento de propor algo diferente do que recorrer ao imaginário e à representação do militar como solução.

O fato de ambas as campanhas recorrerem à presença de um militar em posição de destaque parece evidenciar uma convergência para a posição de que o modelo militar é o ideal na busca da segurança. No Brasil, a política de segurança pública baseada na militarização, no confronto e na letalidade, embora apregoada como eficiente, nunca deu certo. A insegurança e o medo grassam na nossa sociedade.

Creio que ideias concebidas, debatidas e compartilhadas no passado e que apontavam para uma direção diferente, rumo à desmilitarização, foram deixadas de lado. Me parece que o que importa agora é amealhar a maior quantidade de votos dos eleitores.

Políticos, que considero inescrupulosos, sabem usar o fator “medo” das pessoas, para apregoar soluções simplistas para questões complexas. Para mim, a lógica é bem simples: quanto maior o medo, maior a possiblidade de manipulação das pessoas e de aquisição de votos. Populismo nocivo.

Quando que o novo se fará presente nas campanhas políticas? É triste perceber que posições defendidas no passado, que, com certeza, atraíram a atenção de eleitores, foram abandonadas. Há um clima de decepção.

Naturalizou-se o absurdo, sejamos francos. Há um caminho percorrido. O PT e o PSOL fizeram um acordo com a bancada da bala para a aprovação da Lei Orgânica da PM, por votação simbólica e em regime de urgência. Com ela, a militarização da PM é exacerbada. A atuação da PM foi expandida para outros órgãos da administração pública. Houve, com o abandono de posições historicamente defendidas, um reforço no imaginário de que militarizar é sinônimo de obter solução para a segurança dos cidadãos.

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Triste constatar a mudança que opera nas pessoas que, ao ingressar na vida política partidária, apresentam uma corrosão de valores e de posturas. O que era para ser diferente, e com certeza atraiu a atenção e os votos de muita gente, uma vez eleito, não é mais importante. Limites éticos? Esqueça. O que importa é a obtenção de determinados resultados. Vale tudo, inclusive trair convicções e eleitores.

Candidatos a prefeito de São Paulo mergulharam no populismo eleitoral, recorrendo à militarização, explorando o medo e a insegurança das pessoas. Quem ganha com isso? Além das forças que corroem a democracia e a cidadania, o próprio político, se eleito.

Adilson Paes de Souza é doutor em psicologia escolar e do desenvolvimento humano pelo Instituto de Psicologia da Universidade de São Paulo e membro da Comissão Justiça e Paz da Arquidiocese de São Paulo

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Adilson Barbosa
Apoiador
3 meses atrás

Parabéns pelo texto professor pois o tema é importante e gostei da abordagem mais imparcial. Eu realmente gostaria muito de ver os partidos conclamarem a sociedade para um Plano de Estado que discutisse investimentos em Pesquisa, em Ciência e Tecnologia, com valorização dos professores, em parceria com Empresas, para o crescimento e desenvolvimento econômico e social, para gerar emprego e renda, com base na realização do potencial das pessoas, nossa gente, indistintamente. A segurança pública e os direitos humanos são ambos importantes, mas penso, com todo o respeito, que precisamos de um planejamento estratégico que volte a focar no progresso do nosso país.

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