Artigo | Em retrospectiva, dez anos de luta e teimosia

    Em 2024 a Ponte completou uma década de existência. Foi um ano desafiador, mas também aquele em que nosso prognóstico sobre a política de segurança de Tarcísio e Derrite se confirmou — e ganhou as manchetes da grande imprensa

    No dia 2 de dezembro, familiares e amigos dos jovens mortos pela PM em ação durante um baile funk em 2019 homenagearam os nove mortos do Massacre de Paraisópolis em SP | Foto: Daniel Arroyo/Ponte Jornalismo

    2024 foi o 10º ano de vida da Ponte Jornalismo. Ao longo desta década, aprendemos que jornalismo se faz a muitas mãos e isso inclui as pessoas que apoiam financeiramente iniciativas como a nossa. Com a queda de arrecadação tanto de pessoas físicas quanto de organizações do terceiro setor ocorrida nos últimos anos, fazer essa travessia com a colaboração de nossos leitores foi um grande alívio. 

    O ano passado foi desafiador para a Ponte e que será celebrado em 2025 — mas essa década de jornalismo que completamos não poderia passar sem lembrarmos aqueles que fizeram parte da caminhada conosco. 

    Tivemos trocas importantes na equipe. Saiu Amauri Gonzo do cargo de editor e entrou Ivan Marsiglia. Em audiências e redes sociais, nos despedimos de Elisa Fontes e recebemos a soteropolitana Thaís Santos. Fausto Salvadori deixou o hoje extinto cargo de diretor de redação para se dedicar a projetos pessoais. Por fim, deixamos de contar com o trabalho da repórter Jeniffer Mendonça e passaremos a contar com o reforço do jornalista Paulo Batistella. Todas essas trocas aconteceram uma perto da outra, deixando nosso segundo semestre cheio de adaptações. A Ponte começa diferente este 2025, essa é a real. 

    Em termos de conteúdo, tivemos um ano intenso de violência policial “dentro de casa”, ou seja, aqui em São Paulo — onde a Ponte nasceu e está baseada. A letalidade da PM do governo Tarcísio de Freitas cresceu de forma contínua ao longo dos meses, como mostramos mensalmente com os dados oficiais, publicados pela própria Secretaria da Segurança Pública de São Paulo. E, como dissemos e lembramos ao longo do ano, este era um prognóstico que tínhamos em 2022, logo depois da eleição de Tarcísio e o anúncio de seu secretário de segurança, o ex-capitão da Rota Guilherme Derrite. 

    Ainda assim, apesar de nossa pouca surpresa, a desinibição dos crimes cometidos pela PM na baixada santista e no interior do Estado foi algo sem precedentes. Desde janeiro, assistimos a invasões de residências e de funerais, ameaças a moradores de comunidades, assassinatos de crianças, adolescentes, pessoas desarmadas, moradores de rua, pessoas com deficiência, agressões a mulheres e idosos. A maioria diante das câmeras, não dos policiais, mas da população — que foi quem exerceu o controle externo da polícia quando nem o Ministério Público conseguia fazê-lo.

    Até culminar na história de Marcelo Amaral, homem jogado de uma ponte por policiais em São Paulo, que desencadeou uma onda até então inédita de críticas a Tarcísio e Derrite em quase toda a imprensa brasileira. O secretário da segurança balançou, mas não caiu. E a Ponte buscou registrar de forma incansável tanto como registro de mais uma página da história sangrenta da PM quanto como ferramenta de pressão, provocação e denúncia. 

    Denúncia de prisões injustas e reportagens especiais

    Correndo paralelamente, seguimos denunciando pessoas presas de forma injusta e, pelo menos três delas, Caio Vinicius Gonçalves de Souza, Denilson Lucas Ferreira da SilvaLuiz Maurício do Nascimento Rosa França, vimos serem absolvidas. O Vinicius Silva Villas Boas teve garantido seu direito a indenização pela Justiça, que tem lá seus bons dias. Os impactos também vieram com o cancelamento de uma rifa que ajudaria Policiais Rodoviários Federais indiciados pela Chacina de Varginha/MG. Nosso trabalho serviu de base para que Eduardo Suplicy, Ediane Maria e Paula Nunes, deputados estaduais, cobrassem ação do PM com relação a participação violenta da PM no enterro do garoto Ryan, de 4 anos, morto pela mesma polícia. Após reportagem da Ponte, a Defensoria do Estado de São Paulo pediu na Justiça o desarquivamento da investigação sobre um homem morto durante ação policial na região conhecida como Cracolândia.

    Para além desse trabalho incessante de atender e apurar denúncias, buscamos produzir reportagens especiais para entender o crescimento da letalidade entre a GCM e como o tema da segurança pública estava pautando a eleição municipal em São Paulo.

    Voltamos no passado, e trouxemos denúncias da participação ativa e direta da Folha de São Paulo na ditadura militar, série de reportagens escrita pelo jornalista Léo Rodrigues para a Ponte e que ganhou menção honrosa no Prêmio de Direitos Humanos de Jornalismo 2024. Acompanhamos pela primeira uma pessoa  encarcerada durante sua saída temporária. A história de Fernando Oliveira foi registrada em texto e vídeo. Baseada nas dúvidas dos leitores e do público em geral, produzidos a reportagem “Tudo o que você precisa saber sobre maconha após a decisão do STF”, que busca dirimir as principais dúvidas sobre o assunto 

    Além do reconhecimento da série sobre a Folha, tivemos outros. Em abril, a reportagem “Em 17 anos a PM de SP enquadrou o equivalente a toda a população brasileira”, de Jeniffer Mendonça, venceu o 1º Prêmio Nacional de Jornalismo do Judiciário na categoria  jornalismo escrito. Em novembro, a Ponte e sua editora de relacionamento, Jéssica Santos, foram reconhecidas entre os 50 profissionais negros e os 5 veículos jornalísticos liderados por pessoas negras mais admirados do Brasil

    Além disso, ficamos felizes em saber que, em Florianopolis, um grupo de jornalistas lançou o Desterro, veículo inspirado na Ponte. Não existe nada mais incrível do que ver aparecer mais colegas engajados em usar o jornalismo como ferramenta de defesa dos direitos humanos. Vida longa ao Desterro

    Eventos, iniciativas e apoios

    Sempre que possível, estivemos presentes em eventos nacionais e internacionais para discutir o jornalismo tanto no que tange seu fazer quanto sua sustentabilidade. Dois desses eventos foram cofundados pela Ponte, o Festival 3i — Jornalismo Inovador, Inspirador e Independente, hoje organizado anualmente no Rio de Janeiro pela Ajor (Associação de Jornalismo Digital), e o Festival Fala (Festival de Comunicação, Culturas e Jornalismo de Causas), cuja sede de 2024 foi Belém do Pará. Também fomos convidados para acompanhar e cobrir debates no 18º Encontro do Fórum Brasileiro de Segurança Pública, em Recife. Além disso, estivemos no Digital News — Latam que aconteceu no Panamá, para acompanhar tendências e reforçar laços com uma rede de mulheres jornalistas de toda América Latina,  WIN (Women in News) LATAM da qual nossa editora de relacionamento participa. 

    Buscando aumentar nossos conhecimentos para fazer nosso conteúdo chegar mais longe, fomos selecionados para participar do Laboratório de Desenvolvimento de Audiências, promovido pela Ajor e pela Blue Engine Colaborative. Durante os meses de exercícios e testes, conseguimos aumentar em 30% os leitores que retornam em nosso site e também a recirculação do nosso conteúdo. Ou seja, tem mais gente chegando e mais gente voltando ao nosso site. 

    Ao longo do ano, participamos do programa Google News Initiative — Fundamentos Básicos e o HIT (Horas de Implementação Técnica) para melhorar a entrega de conteúdo nos mecanismos de busca. Um dos resultados desse programa foi o aumento de 10% das visualizações por parte dos leitores mais fiéis. 

    Por duas vezes, convidamos o público a doar livremente nas duas edições do Dia do Pix: uma em março e outra em dezembro. A primeira rendeu R$ 7.557,89 vindos de 89 pessoas e a segunda 3.256,50 doados por 78 pessoas. Esses R$ 10.814,39 serviram para ajudar a fechar o caixa no azul. 

    Ao longo do ano, nosso setor de relacionamento promoveu campanhas de pendência para corrigir dados de pagamentos de alguns membros que, por conta disso, estavam sem contribuir há algum tempo. Infelizmente, nesse processo, tivemos que cancelar em definitivo mais de 80 pessoas que estavam de 6 meses a 3 anos sem contribuir. Esse tipo de campanha é feita manualmente quando nossa editora entra em contato com cada pessoa para informar a situação e buscar uma solução.  É um trabalho de formiguinha. 

    É também assim a nossa busca por ouvir a opinião de nossos leitores. Recentemente, no grupo de whatsapp dos membros, foi levantada uma discussão sobre a permanência ou não da Ponte no Twitter. Debate que queremos discutir com calma neste 2025 e tomar a melhor decisão em diferentes aspectos. Nada melhor que ouvir os conselhos de quem está junto conosco há tanto tempo.

    Se a Ponte se transformou bastante em 2024, esse movimento continuará em 2025. Como manter nosso propósito concebido em 2014 no jornalismo do mundo das redes sociais em 2025? Como manter a relevância quando tem mais gente falando sobre os mesmos temas que nós e com mais orçamento? Qual é a Ponte que queremos construir para os próximos cinco, dez anos?

    São perguntas que queremos responder ouvindo as opiniões da equipe, dos movimentos sociais e do público. Que venha um novo ano de luta.

    Já que Tamo junto até aqui…

    Que tal entrar de vez para o time da Ponte? Você sabe que o nosso trabalho incomoda muita gente. Não por acaso, somos vítimas constantes de ataques, que já até colocaram o nosso site fora do ar. Justamente por isso nunca fez tanto sentido pedir ajuda para quem tá junto, pra quem defende a Ponte e a luta por justiça: você.

    Com o Tamo Junto, você ajuda a manter a Ponte de pé com uma contribuição mensal ou anual. Também passa a participar ativamente do dia a dia do jornal, com acesso aos bastidores da nossa redação e matérias como a que você acabou de ler. Acesse: ponte.colabore.com/tamojunto.

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