Artigo | Vidas negras estão longe de importar na política nacional

Que Rui Costa (PT) tenha sido reeleito no primeiro turno mesmo com o aumento expressivo de letalidade da PM baiana é a prova de como matar preto pobre no Brasil compensa, diz o diretor de redação da Ponte

Silvana Santos, mãe de Alexandre, em protesto após a morte do filho na Chacina da Gamboa | Imagem: Felipe Iruatã

Por que a polícia segue exterminando tantas pessoas negras e pobres? Porque pode. E porque ninguém — tirando as vítimas, seus parentes e as comunidades onde vivem — se importa.

As vidas negras valem tão pouco que nem chegam a pesar no mundo polarizado do debate político nacional. Se à direita temos os defensores entusiasmados do extermínio da população negra por meio da letalidade policial e do encarceramento em massa, não dá para dizer que à esquerda exista um contraponto real nisso, ao menos quando se pensa na principal força política desse campo, que é o Partido dos Trabalhadores. Embora o PT se coloque como o principal contraponto civilizatório à barbárie bolsonarista, é certo que tem falhado, e muito, quando se trata de ações para preservar a juventude negra da violência de Estado. É como se as vidas negras não importassem para a direita e tampouco para uma parte importante da esquerda.

Não há lugar onde isso seja mais evidente do que na Bahia. O panorama levantado nesta semana pela repórter Jeniffer Mendonça mostra que o número de mortos pelas polícias mais do que triplicou entre 2015, primeiro ano de atuação do governador Rui Costa (PT), e 2020, segundo o Fórum de Segurança Pública. Chega a ser triste, desanimador mesmo, constatar que a Ponte Jornalismo seja um dos poucos a dar importância a essa explosão no número de vidas pobres e negras destruídas por ação do Estado. E que nada disso tenha produzido qualquer embaraço para a carreira política do governador.

Que Rui Costa tenha conseguido ser reeleito em 2018, ainda no primeiro turno, com 75% dos votos válidos, e que continue a ser uma das vozes mais importantes dentro do seu partido, é a prova de como matar preto pobre no Brasil compensa. Não atrapalha a sua carreira política e nem obriga você a abrir mão de sua carteirinha de progressista. E nem vou mencionar o fato de o PT ter escolhido para vice na chapa de Lula o nome de Geraldo Alckmin, corresponsável por um dos maiores massacres da história do Brasil democrático, porque parece que é chover no molhado.

Nessas horas, sempre aparece alguém para dizer que a violência policial é algo que tem raízes muito profundas e que independe das ações dos governadores. Tem dois problemas aí. O primeiro é constatar que Rui Costa nem ao menos tentou lutar contra a violência policial, muito pelo contrário: apoiou publicamente chacinas cometidas pela polícia e expandiu as estruturas das polícias, dando-lhe mais poder de fogo para matar mais gente, como mostra a reportagem. A segunda falha no argumento é que há, sim, exemplos de governos que conseguiram reduções significativos na letalidade policial quando tentaram de verdade — um exemplo surpreendente é a gestão do tucano João Doria em São Paulo. E, sim, é uma vergonha que um governo próximo à extrema-direita como o de Doria tenha feito mais para reduzir as mortes de jovens negros pelo Estado do que governos tidos como progressistas.

Não é um problema só do Brasil. Nos EUA, o presidente Joe Biden, tido como progressista, anunciou em seu discurso do Estado da União o rompimento com qualquer proposta de “desfinanciar a polícia”, bandeira levantada pelo Black Lives Matter nos protestos pela morte de George Floyd, “A resposta não é desfinanciar a polícia. É financiá-la. Financiá-la. Financiá-la”, disseo presidente. Para Alex Vitale, professor do Brooklyn College e autor do livro O Fim do Policiamento, a declaração é “um ataque direto ao maior movimento por justiça racial a surgir em uma geração”.

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* Fausto Salvadori é diretor de redação da Ponte Jornalismo

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