Em 23 anos, 18 jornalistas foram assassinados no Paraguai

    Profissionais explicam que assassinatos acontecem onde crime organizado e política se relacionam; Lourenço Veras foi o 6º jornalista morto em Pedro Juan Caballero

    Lourenço Veras escrevia no portal Porã News | Foto: Reprodução/TV Record

    O assassinato do jornalista Lourenço Veras, em Pedro Juan Caballero, aumentou para 18 o número de jornalistas mortos no Paraguai desde 1997. Léo, como era conhecido, morreu atacado a tiros em sua casa na noite de quarta-feira (12/2). Ele era dono do site de notícias Porã News.

    Ao longo destes 23 anos, um jornalista é morto no país em média a cada um ano e três meses. Há um caso ocorreu antes da série histórica contabilizada pelo Sindicato dos Jornalistas do Paraguai, que aconteceu pouco depois da redemocratização do Paraguai, ocorrida em 1989. Em 1991, o jornalista Santiago Leguizamon foi morto em Pedro Juan Caballero.

    Segundo dados do Sindicato, os crimes costumam seguir uma lógica e até o local, já que algumas cidades se repetem. Em 23 anos, por exemplo, 6 assassinatos aconteceram em Pedro Juan Caballero.

    Entre 1997 e 2000, dois locutores de rádio, Calixto Mendoza e Benito Román Jara, foram mortos na cidade de Yby Yaú, que fica aproximadamente 100 quilômetros da fronteira com o Brasil. Outros dois, Angela Acosta e Tito Palma, morreram em um intervalo de oito meses, entre o fim de 2006 e agosto de 2007, no distrito de Itapúa.

    Em 2019, a Organização Não Governamental Repórteres Sem Fronteiras comparou a América latina como local de risco tão letal para jornalistas quanto é o Oriente Médio, onde há países em guerra. Foram 14 mortes registradas de janeiro a dezembro do ano passado.

    Em entrevista para a Abraji (Associação Brasileira de Jornalistas Investigativos) feita em 2017, Léo Veras comentou sobre as ameaças de morte que sofria. “A gente tem que morrer um dia, né?”, comentou.

    “Eu sempre peço que não seja tão violenta a minha morte, com tantos disparos de fuzil. Aqui, se um pistoleiro quer te matar ele vem à sua porta, manda você abrir e ele vai te dar um disparo”, disse ao jornalista Bob Fernandes, antes de brincar que esperava “somente um disparo para não estragar tanto”.

    A esposa de Léo Veras disse que ele “praticamente havia se despedido” da família nos últimos dias, segundo declarou o promotor Marco Amarilla à rádio ABC Cardinal.

    “Uns dias antes, ele estava muito tenso, calado e nervoso”, explicou à rádio, dizendo que Léo foi atingido por todos os disparos quando ele estava de costas. “O último disparo que ele recebeu foi na cabeça”.

    Fronteira é principal área de risco

    Seis dos 19 jornalistas mortos no Paraguai nestes 23 anos foram executados na cidade de Pedro Juan Caballero, que faz fronteira direta com Ponta Porã, no Mato Grosso do Sul, segundo estado mais importante para o PCC (Primeiro Comando da Capital).

    Reportagem da Ponte publicada em outubro passado apontava que na região há cerca de 6 mil filiados da facção paulista. Para os profissionais paraguaios, as mortes acontecerem com mais frequência na fronteira não é coincidência.

    “Trabalhando na fronteira, em Pedro Juan, não tem muita coisa para pensar fora do tráfico de drogas, de armas, os próprios políticos”, definiu a jornalista Flávia Borja, que deixou a cobertura do maior veículo local, ABC Color, e atua como jornalista freelancer.

    Segundo ela, a relação crime e política é próxima na região, mas as autoridades nacionais não agem para impedir essa conexão. Há, inclusive, casos documentados em reportagens e nada ocorreu. “Todo mundo conhece e está tão naturalizado. Ninguém se surpreende”, disse.

    Pedro Juan Caballero é uma cidade com características muito particulares. Ali, não só jornalistas precisam fazer vistas grossas para certos acontecimentos. Borja comenta que existe uma espécie de “código de cidadão”.

    “Você sabe que não vê, não escuta, não sabe. Finge que não sabe nada e está tudo certo. É só não se meter”, afirmou, contando que isso ocorre porque a pessoa sabe que, sozinha, não pode fazer nada se “a maioria da polícia e dos juízes estão comprometidos com os traficantes”.

    A situação do crime organizado na cidade piorou em junho de 2016 com o assassinato de Jorge Rafaat, traficante conhecido como “rei da fronteira”. Dali por diante, o PCC (Primeiro Comando da Capital) domina a área.

    Uma das mudanças, para além dos constantes conflitos pelo domínio da região, é nas leis impostas pelo crime. “Por exemplo: ninguém entrava no meio da sua casa para te matar, te matavam na rua. Era uma regra, algo que não acontecia e que aconteceu com o Léo Veras”, exemplificou.

    Impunidade quase certa

    Lourenço Veras jantava com sua família em casa quando três homens, por volta das 21h da quarta-feira (12/2), desceram de uma caminhonete branca e invadiram o local. Veras tentou fugir, mas foi morto no quintal.

    O Sindicato dos Jornalistas Paraguaios cobra que haja uma investigação séria do caso, além da proteção para os jornalistas que atuam na área. O Ministério do Interior recebeu a demanda em reunião nesta quinta-feira (13/2).

    De acordo com Santiago Ortiz, secretário-adjunto do sindicato, o poder público prometeu o envio de uma equipe especializada para esclarecer a morte de Léo Veras.

    Também ficou definida reunião na semana que vem com a Mesa Institucional para Segurança dos Jornalistas, composta por instituições públicas e com participação do sindicato.

    O maior temor da classe é de que a execução de Lourenço termine como 15 dos 18 casos ocorridos até então, quando nenhuma pessoa foi identificada e, consequentemente, punida pelas mortes.

    “A impunidade é muito grande e normalmente as autoridades deixam que isso passe depois da comoção do momento. É a regra que temos tido”, criticou o jornalista.

    Ortiz detalha que apenas os casos de Pablo Medina e Antonia Almada, mortos em outubro de 2014, ambos do ABC Color, e de Salvador Medina, em janeiro de 2001, tiveram conclusão, com identificação dos culpados e punição.

    A explicação pode estar, segundo ele, dentro dos próprios meios de comunicação, já que parte dos que estão situados em cidades pequenas e na fronteira têm políticos como proprietários.

    “Há grupos políticos, muito provavelmente vinculados a esses grupos criminosos, que têm meios de comunicação. Nos deixam em situação de vulnerabilidade e de exposição muito grande”, justificou.

    O secretário explica que Pedro Juan Caballero é, de fato, uma cidade com risco elevado para o trabalho jornalístico. “As condições são de exposição permanente, é algo do dia a dia, como nos contam. Este nível de violência e impunidade é permanente”, afirmou.

    Questionada sobre a repercussão da morte de Lourenço Veras, Flavia Borja lamentou não haver certa indignação dos jornalistas paraguaios. “Tem uma certa frieza dos jornalistas em geral. Não tem aquela mobilização”, disse, explicando que isso ocorre porque as mortes são no interior e não na capital, Assunção.

    “Não é a mesma coisa trabalhar para um jornal grande de Assunção, ter uma trajetória sendo correspondente deles, e você ser um jornalista que trabalha em uma rádio do interior e que talvez ninguém te conheça na capital”, justificou, dizendo que não “deveria ser desse jeito”.

    Lista de jornalistas mortos no Paraguai desde 1989

    1 – Santiago Leguizamon – 26/4/1991 – jornalista da Rádio y Diário de Pedro Juan Caballero
    2 – Calixto Mendoza – 2/3/1997 – locutor de rádio em Yby Yaú
    3 – Benito ROmán Jara – 5/1/2000 – locutor de rádio em Yby Yaú
    4 – Salvador Medina – 5/1/2001 – jornalista de rádio e jornal em São Pedro
    5 – Yamila Cantro – 6/7/2002 – jornalista de rádio e jornal em Santa María
    6 – Samuel Román – 20/4/2004 – locutor de rádio em Amambay
    7 – Angela Acosta – 15/12/2006 – locutora e rádio em Itapúa
    8 – Tito Palma – 22/8/2007 – jornalista de rádio em Itapúa
    9 – Martín Ocampos – 14/1/2009 – locutor de rádio em Huga Ñandu
    10 – Merardo Romero – 3/3/2011 – jornalista de rádio em Huga Ñandu
    11 – Carlos Artaza – 24/4/2013 – fotojornalista em Pedro Juan Caballero
    12 – Marcelino Vázquez – 6/2/2013 – jornalista de rádio em Pedro Juan Caballero
    13 – Fausto Gabriel Alcaraz – 16/5/2014 – jornalista de rádio em Pedro Juan Caballero
    14 – Edgar Paulo Fernández – 16/10/2014 – jornalista da Rádio Belén em Concepción
    15 – Pedro Medina – 16/10/2014 – correspondente do Diário ABC em Curuguaty
    16 – Antonia Maribel Almada – 16/10/2014 – correspondente do Diário ABC em Curuguaty
    17 – Gerardo Servián – 5/3/2015 – jornalista da Rádio Zanja Pyta em Pedro Juan Caballero
    18 – Eduardo González – 13/3/2017 – jornalista na rádio El Trigal FM em Itapúa
    19 – Lourenço Veras – 12/2/2020 – jornalista do portal Porã News em Pedro Juan Caballero

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