Movimentos negros se reuniram em frente à superintendência da corporação na capital paulista com faixas ‘PRF mata’ e ‘não consigo respirar’; Coalizão Negra por Direitos denunciou casos a órgãos internacionais
Um ato realizado pela Coalizão Negra por Direitos, que reúne 250 entidades, e outros movimentos sociais na manhã desta sexta-feira (27/5) em São Paulo cobrou justiça pela atuação da Polícia Rodoviária Federal na chacina da Vila Cruzeiro, que deixou 26 mortos no Complexo da Penha, na cidade do Rio de Janeiro na terça-feira (24/5), e pela morte de Genivaldo de Jesus Santos, 38, asfixiado em uma viatura improvisada como câmara de gás nesta quarta-feira (25/5) em Umbaúba, no Sergipe.
A manifestação ocorreu em frente à Superintendência da Polícia Rodoviária Federal, na Vila Guilherme, zona norte da capital paulista. Os presentes estenderam faixas nas grades da sede com dizeres “PRF mata” e “não consigo respirar”.
Integrante da Coalizão, o historiador Douglas Belchior disse que os dois casos foram denunciados à Comissão Interamericana de Direitos Humanos (CIDH) e à Organização dos Estados Americanos (OEA). “A sociedade não pode naturalizar o assassinato de pessoas negras, o assassinato brutal, a permanência do genocídio, o aprofundamento da violência estatal e, sobretudo, da orientação do Estado, do atual governo federal, de que as suas polícias matem, que suas polícias ajam com violência, cumpram o papel radical de assassinar pessoas negras todos os dias”, discursou.
Ele também destacou que se tem visto “uma atuação não habitual da Polícia Rodoviária Federal”. “Nos últimos anos, [a PRF] tem sido colocada pelo presidente Bolsonaro como a sua polícia preferida, aquela em que ele investe mais, que ele referencia publicamente, aquela que o acompanha em atos públicos, em motociatas. A Polícia Rodoviária Federal ocupa e cumpre hoje o papel de uma SS do Bolsonaro [abreviação para Schutzstaffel, grupo paramilitar ligado ao partido nazista de Hitler], é como uma polícia nazista: que acompanha a orientação direta do presidente e que, nessa semana, teve um papel aterrorizante em duas situações absolutamente desumanas. A PRF participou da operação que eles chamaram de ‘especial’ na Vila Cruzeiro, que terminou com ais de 30 pessoas negras assassinadas brutalmente, como se no Brasil existisse pena de morte”, prosseguiu.
“Genivaldo morreu no mesmo dia que George Floyd e também sem respirar”, lembrou Simone Nascimento, integrante da coordenação nacional do Movimento Negro Unificado (MNU), em referência ao assassinato que foi registrado por testemunhas de um policial branco ajoelhado no pescoço de um homem negro por nove minutos enquanto ele dizia que não conseguia respirar em Minneapolis (EUA), em 2020, e que gerou revolta da população estadunidense.
A co-vereadora da Bancada Feminista do PSOL da Câmara Municipal de São Paulo Carolina Iara criticou a posição da PRF em tratar o caso de Genivaldo como “fatalidade desvinculada da ação policial legítima”, que foi a descrição usada no boletim interno de ocorrência da corporação e por ter um irmão que é autista. “Quando eu vi as imagens, eu chorei, porque eu vi meu irmão sendo asfixiado dentro de um camburão. E vem me dizer que não é crime? Esconder os policiais que fizeram isso? E também não é afastar os caras que fizeram isso que a gente quer. Isso é a ponta do iceberg. Vocês têm que mudar o jeito de lidar com a população negra. O meu sonho é a extinção desses aparelhos repressivos do Estado”, declarou.
A todo o momento, um grupo de policiais rodoviários federais ficaram observando a movimentação do lado de dentro da superintendência, atrás da porta da recepção, num vidro fumê. Apenas uma viatura saiu do prédio. Um viatura da Guarda Civil Metropolitana e outra da Polícia Militar também estiveram no local. Um guarda e um policial registraram o protesto por celular.
Não só a parlamentar como outros presentes também questionaram a ausência de militantes e movimentos não-negros no protesto. “Quando eu cheguei aqui, eu cumprimentei todo mundo porque eu já conhecia todo mundo. Só vi rosto preto. Onde estão nossos aliados?”, perguntou ao microfone Maria José Menezes, integrante da Marcha das Mulheres Negras de São Paulo.
Ela também apontou o mês como uma fatídica “abolição inconclusa”, em referência ao dia seguinte da abolição da escravatura no Brasil, em 13 de maio de 1888, e fez um paralelo com as mortes que ocorreram neste mês e os crimes de maio de 2006, quando 505 pessoas foram assassinadas e outras quatro desaparecidas durante ações de policiais e grupos de extermínio entre os dias 12 e 21 de maio de 2006, em uma reação de vingança contra os ataques da facção criminosa Primeiro Comando do Capital (PCC), que mataram 59 agentes públicos, entre policiais, guardas civis e policiais penais. Até hoje, não houve punição. “Nunca saímos do 14 de maio. Agora, nós temos mais mães de maio porque não podemos esquecer os crimes de 2006. Foram mais de 400 pessoas”, disse, às lágrimas. “Estamos tombando, imagine uma mãe que perde a família dessa forma.”
“Não nos perguntem o que fazer porque os movimentos negros já deram o caminho do que deve ser feito”, complementou o ativista Seimour Souza, que integra a Coalizão e é morador da favela do Jacarezinho (RJ), apontando que as entidades e as favelas sempre estão se mobilizando nas ruas e por todos os caminhos possíveis para cobrar responsabilização. Ele também lembrou que a maior chacina do Rio aconteceu há pouco mais de um ano, com 28 vítimas, na comunidade. “Desde que foi criada em 1809, a polícia do Rio de Janeiro foi feita para proteger o patrimônio dos brancos e caçar os negros. É um projeto de genocídio do Estado desde que ele se formou”.
O protesto se encerrou com uma saudação e um orin, que é um canto para orixás, iniciado pelo babalorixá e co-deputado da Mandata Quilombo Periférico do PSOL Julio César de Andrade, que foi entoado pelos presentes. Também recitaram o poema de José Carlos Limeira: “por menos que conte a história / não te esqueço meu povo / se Palmares não vive mais / faremos Palmares de novo”.