Bolsonaro altera decretos novamente e libera ainda mais armas no país

    Às vésperas do Carnaval, presidente assinou quatro novos decretos de posse e porte de arma; para Adilson Paes de Souza, especialista em segurança pública, as flexibilizações de armas mostram “um típico golpe de Estado”

    O presidente Jair Bolsonaro em setembro de 2019 | Foto: José Cruz/Agência Brasil

    O presidente Jair Bolsonaro (sem partido) alterou, mais uma vez, decretos sobre uso de armas em território nacional. Para o governo federal, a medida “desburocratiza os procedimentos, aumenta a clareza sobre a regulamentação do armamento, reduz a discricionariedade de autoridades e dá garantia de contraditório e ampla defesa”.

    O pacote de alterações, como chamou o governo federal, atualizou os decretos n.º 9.8459.8469.847 e 10.030, de 2019, que regulamentam a Lei n.º 10.826, de 22 de dezembro de 2003, também conhecida como Estatuto do Desarmamento.

    Com isso, a aquisição de armas fica mais fácil e um cidadão pode comprar seis armas de fogo — anteriormente o limite era de quatro. Policiais, magistrados, membros do Ministério Público e agentes prisionais ganham autorização para compra de duas armas de uso restrito.

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    Para Felippe Angeli, gerente do Sou da Paz, organização não governamental que atua há 20 anos para reduzir a violência no Brasil e preservar vidas, as medidas fazem parte de um “pacote de armas”. 

    “A gente analisa esses quatro decretos com uma perspectiva mais ampla, de uma ação concentrada. Já são 14 decretos editados em pouco mais de dois anos de governo, em uma ação direcionada para expandir e facilitar o acesso à arma de fogo no Brasil”.

    Angeli completa que as modificações são um ataque sistemático do governo federal. “Cada vez mais focando nas instituições privadas, que começam a ver como articuladores de grandes arsenais e possibilidades de registro e oferecer o acesso e certificações para as pessoas interessadas em armas. Os decretos, inclusive, trazem mais flexibilidade para o porte de arma”.

    A maior circulação de armas de fogo, avalia Felippe Angeli, leva ao aumento da violência, principalmente da violência letal. “Houve uma queda de homicídios em 2018, em 2019 permaneceu, mas em 2020, mesmo com o distanciamento social, começamos a sentir os efeitos dessas políticas armamentistas de Jair Bolsonaro e houve um aumento de 5% no número de homicídios”.

    Com isso, aponta o especialista, o governo federal atua com uma “política de morte“. “Sexta-feira de Carnaval, uma festa característica do Brasil, as pessoas chorando seus mortos pelo coronavírus, e, à noite, o presidente da república publica quatro decretos buscando ampliar o acesso à arma de fogo em meio a essa catástrofe nacional que vivemos”.

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    “Isso demonstra o interesse do governo em ser autoritário e não discutir com a sociedade. Não era uma urgência, nada em relação às vacinas, aos materiais de proteção que vão salvar vidas, estamos falando justamente de morte”, completa.

    Para Adilson Paes de Souza, tenente-coronel da reserva da PM paulista, doutor em psicologia, mestre em direitos humanos e autor do livro “O Guardião da Cidade – Reflexões sobre Casos de Violência Praticados por Policiais Militares”, Bolsonaro está mais preocupado em “atender os interesses de um público fiel a ele e não está preocupado, em muitos outros aspectos, com o que é melhor para o Brasil e para o brasileiro”.

    Adilson também aponta que, cada vez mais, Bolsonaro mostra que “já foi plantada a semente de um golpe armado, quando muito, em 2022”. “Isso tem que ser dito: Bolsonaro está criando com essa flexibilização, com essa facilidade, com esse maior franqueamento de pessoas com mais armas e equipamentos, está sedimentando a existência de várias milícias ou grupos paramilitares no território brasileiro para defendê-lo em seu arroubo autoritário e ditatorial”. 

    Caso perca as eleições de 2022, aponta Adilson, Bolsonaro fará um apelo para essas pessoas, a quem chama de “cidadãos de bem”, para intervir de maneira armada e forçar a permanência dele no poder. “É um golpe, um típico golpe de Estado, como aconteceu na Venezuela com o Hugo Chávez, na Alemanha nazista com a ascensão do [Adolf] Hitler e nos EUA com a invasão do Capitólio”, aponta.

    “A retórica do Bolsonaro é trumpista, com um culto personalíssimo do exercício do poder, destruição das instituições, sucateamento das universidades e demérito à ciência, à pesquisa e ao pensamento crítico. Esse tipo de golpe já está em andamento e notinhas de repúdio não vão resolver mais”.

    “Estamos pagando o preço por um processo de redemocratização incompleto. Mais do que insegurança pública, é uma ruptura institucional. Grupos paramilitares para defender o senhor Jair Bolsonaro e seu projeto ditatorial de poder”, finaliza Adilson.

    Fórum Brasileiro de Segurança Pública se posicionou por meio de uma nota, enviada à imprensa. Para a organização, “não há qualquer argumento válido em favor da liberação da compra de até 60 armas por um único colecionador, 30 armas por caçadores ou até 6 armas para cidadãos comuns”.

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    “Também é inaceitável o desmonte dos mecanismos de fiscalização, sobretudo do trabalho do Exército brasileiro, seja pela liberação de produtos controlados ou mesmo pelo rastreamento de munição e concessão do porte”, continua o FBSP em nota.

    Para o FBSP, o Brasil não necessita de mais armas nas mãos da população e sim “de políticas públicas eficientes e críveis, que possam reduzir os vergonhosos índices de violência que seguem crescendo de norte a sul do país”.

    “Que as autoridades e os demais Poderes se manifestem fortemente contra essas decisões autoritárias, que aos poucos desmontam todo o arcabouço legal criado pelo Estatuto do Desarmamento”.

    Pelo Twitter, a diretora executiva do FBSP, Samira Bueno, disse que o governo está “criando milícias privadas no país com o maior número de homicídios do planeta” liberando “6 armas para cidadãos comuns, 60 armas para atiradores, 30 armas para caçadores, 2 mil recargas de cartucho restrito”.

    “Imaginem para um policial que recebe um chamado para atender ocorrência de violência doméstica ou briga de trânsito e terá que lidar com a expectativa cada vez maior de que os envolvidos estarão armados. Ou para mulheres que vivem em situação de violência e que terão desfechos como o feminicídio antecipados porque os agressores têm meios mais letais a disposição para matá-las. Sem falar do provável crescimento dos suicídios num país que convive com índices crescentes de depressão”, completou.

    Procurados, Ministério da Defesa, Ministério da Justiça e Segurança Pública ainda não se posicionaram.

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