Brasil tem a pior política de drogas do mundo, aponta relatório internacional

País ficou no último lugar no Índice Global de Políticas de Drogas, da Harm Reduction Consortium. Estudo aponta que, quanto mais desigual um país, pior sua política de drogas

Operação “contra o tráfico de drogas” na favela da Rocinha, no Rio de Janeiro, durante intervenção militar de 2018 | Foto: Fernando Frazão/Agência Brasil

O Brasil é, comprovadamente, o país que tem a pior política de drogas do mundo. A afirmação pode ser feita após a publicação do Índice Global de Políticas de Drogas, documento realizado pela Harm Reduction Consortium, entidade internacional especializada em redução de danos (estratégia focada em reduzir os danos de quem usa drogas psicoativas, e prevenir o seu uso). Entre 30 países estudados, o Brasil aparece na última colocação, abaixo de nações como Uganda, Indonésia, Quênia e México.

O levantamento pontuou cada país avaliando temas como combate repressivo às drogas, sistema criminal de justiça, redução de danos e acesso a medicamentos. Dos 100 pontos possíveis, o Brasil atingiu apenas 26. “No Brasil e no México o combate repressivo às drogas é uma questão endêmica com o uso das forças armadas”, afirmou o Matt Wall, chefe do Departamento de Política, Filosofia e Relações Internacionais da Universidade de Swansea, na Grã-Bretanha, e membro do Observatório Global das Políticas de Drogas.

O relatório mostra que as políticas de drogas são mais avançadas em países onde a desigualdade é menor. Encabeçam a lista do estudo Noruega, Nova Zelândia, Portugal, Reino Unido e Austrália. “Nenhum dos países avaliados deve se sentir bem com sua pontuação nas políticas de drogas, porque nenhum país atingiu uma pontuação perfeita ou algo perto disso. Esse Índice destaca o enorme espaço para melhorias em todas as áreas”, afirmou Ann Fordham, diretora executiva do Consórcio Internacional de Políticas de Drogas.

Para especialistas que acompanham há tempos as políticas de drogas implementadas no Brasil, não causa surpresa ocupar a última posição no mundo sobre o tema. Enquanto o país continuar priorizando a repressão no combate ao uso ao invés de se preocupar com a saúde do indivíduo e seu bem estar, ainda vai demorar muito tempo para que a imagem brasileira sobre a questão melhore diante da comunidade internacional, segundo os especialistas.

“É muito preocupante que o Brasil esteja nessa situação, mas não causa surpresa alguma. De um lado a gente tem uma polícia que usa de uma violência extrema para implementar a atual política de drogas que nós temos, e por lado a gente não legaliza a maconha medicinal, nenhum programa decente de redução de danos. O governo Bolsonaro tem canalizado recursos para comunidades terapêuticas, que a gente sabe, que por mais boa vontade que tenha, não há nenhum tipo de atendimento psicológico ou de reinserção da pessoa na sociedade”, comenta Julita Lemgruber, coordenadora do Cesec (Centro de Estudos de Segurança Pública e Cidadania do Rio de Janeiro).

Abandono das políticas de redução de danos

A principal conclusão extraída pelo levantamento é que as políticas de drogas baseadas na repressão e punição não levam a nenhum resultado. Na maioria dos países estudados os planos estatais para o tema estão desalinhados com as obrigações dos governos em promover saúde, direitos humanos e o desenvolvimento. 

O estudo também afirma que continuar com a criminalização, interdição, erradicação forçada e intervenções policiais como forma de controle de drogas é um erro. O resultado de ações pouco eficazes é o dificultamento do acesso à redução de danos e medicamentos controlados para quem precisa, e muitas vezes resulta em casos de abusos.

“A maioria dos governos continua a empregar uma abordagem repressiva para o controle de drogas com base em dados distorcidos, o que por sua vez significa que eles não podem ser responsabilizados pelos danos que suas políticas infligem às vidas de tantas pessoas”, analisa Ann Fordham.

A escolha do Brasil por ações repressivas em detrimento de práticas de controle e redução de danos é um dos pontos que levam o país ao último lugar da lista. A atuação do governo federal retrocede mais quando põe no centro da discussão as chamadas comunidades terapêuticas, gerenciadas por igrejas evangélicas, como fez o então ministro da Cidadania, Osmar Terra, em 2019, ao adotar uma política que reforça o papel dessas organizações que têm na abstinência o principal método no tratamento da dependência química.

Para o ex-consultor da ONU e cofundador da Escola Livre de Redução de Danos Rafael West, o método utilizado pelo governo Bolsonaro só reforça o que diz o levantamento do Índice Global de Políticas de Drogas. “Alguns avanços que tivemos sobre o tema nos últimos anos foram deixados para trás. Se antes a gente já tinha um modelo bélico de guerra às drogas, agora temos a chegada do extremismo religioso. Se a pessoa tem algum problema com o uso de drogas tem à sua disposição a Bíblia ou a cadeia.”

Trabalhando há quase dez anos na região central da cidade de São Paulo junto a usuários de crack que vivem em situação de rua, Flávio Falcone, idealizador do Projeto Teto, Trampo e Tratamento, conhece de perto as reais necessidades de quem sofre com a dependência química. “Essa política de drogas não serve em nada naquilo em que ela se propõe que é diminuir o consumo e combater o tráfico. O que acontece é absolutamente o contrário. O consumo só aumenta e o tráfico se fortalece”. 

Segundo dados do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) existem hoje mais de 1.800 comunidades terapêuticas no Brasil, 300 delas com parcerias com o governo federal.

Política pública que mata jovens negros pobres

O estudo do IGPD afirma que todos os países avaliados têm um ponto em comum. O impacto desproporcional do controle de drogas sobre as pessoas marginalizadas com base em gênero, etnia e status socioeconômico foi relatado, em diferentes níveis, em todas as dimensões e de todos os locais. Desta forma, é possível afirmar que tanto na Noruega, Afeganistão, Uganda ou Brasil, quem sofre com as drogas as políticas adotadas a elas são os mais pobres.

A diferença, segundo o relatório, é que a Noruega precisa melhorar a forma como distribui um remédio específico para inibição do uso de heroína entre os usuários do país. No Brasil, o ponto central é o extermínio feito pelas forças policiais nas periferias, dizimando os jovens que vivem nesses locais.

“A gente tem uma sociedade que já considera normal a polícia matar qualquer pessoa com a justificativa dela estar envolvida com drogas. Quando o debate vai para programas de redução de danos, essa mesma sociedade nem cogita pensar sobre isso”, frisa Athos Vieira, coordenador do projeto Drogas Quanto Custa Proibir.

De acordo com o Anuário Brasileiro de Segurança Pública, do Fórum Brasileiro de Segurança Pública, o número de pessoas presas por delitos ligados às drogas aumentou em 156%. Se até 2005 as pessoas presas por crimes ligados às drogas eram 9%, hoje o número chega a 29%.

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“Temos uma segurança pública totalmente militarizada e um processo de encarceramento em massa absurdo, com quase um milhão de pessoas presas. E uma verdadeira criminalização da pobreza. Muitas vezes essas pessoas são presas pelas condições e por onde vivem, e não pela quantidade de uma determinada substância que ela esteja portando”, define Rafael West.

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