Câmera de segurança registrou Claiton Marciano dos Santos disparando contra Nadson Miranda na zona leste da cidade de São Paulo, em julho de 2020; policial será levado a júri popular em 2023
O Comando-Geral da Polícia Militar do Estado de São Paulo expulsou da corporação o cabo Claiton Marciano dos Santos, 48. Em julho de 2020, imagens de uma câmera de segurança registraram o policial atirando pelas costas do motociclista Nadson Igor Rodrigues de Miranda, 23, em frente à 2ª Companhia do 29º Batalhão da PM Metropolitana (BPM/M), na Vila Americana, em São Miguel Paulista, zona leste da cidade de São Paulo.
No procedimento administrativo, a PM entendeu que Claiton cometeu a transgressão disciplinar grave de “disparar arma por imprudência, negligência, imperícia, ou desnecessariamente” e praticou “ato atentatório às Instituições, ao Estado e aos direitos humanos fundamentais”. A decisão do comando foi publicada na edição desta quarta-feira (7/12) do Diário Oficial do Estado.
O agora ex-cabo também responde em liberdade a processo no Tribunal de Justiça de São Paulo (TJSP), onde é acusado por homicídio qualificado com recurso que dificultou a defesa da vítima e será julgado por um júri popular em 1º de junho de 2023.
De acordo com a família, Nadson saiu para uma festa com alguns amigos na madrugada de 25 de julho de 2020 e nunca mais voltou para casa. O pai dele, Nedson Rodrigues de Miranda, disse à Polícia Civil que ficou sabendo da morte do filho por conhecidos, que disseram que o jovem pediu para dar uma volta em uma moto de um rapaz na festa, que a emprestou. O veículo, contudo, era roubado.
Os policiais militares Washington César Pereira e Pedro Candelária Junior disseram que estavam fazendo o acompanhamento de uma viatura quando suspeitaram de um jovem que estava sem capacete em uma moto saindo de uma comunidade próxima à Estrada Dom João Nery. Relataram que deram ordem de parada, mas não foram obedecidos e que, ao pesquisarem a placa, viram que o veículo tinha sido roubado horas antes.
A dupla tentou perseguí-lo, mas acabou perdendo a motocicleta de vista quando Nadson furou um bloqueio de viaturas. Depois, quando chegaram na Avenida Nordestina, em frente à sede da 2ª Companhia do 29º BPM/M, viram o jovem e a motocicleta caídos no chão na presença do cabo Claiton Marciano. Outras viaturas chegaram ao local, foi acionado o resgate, mas Nadson não resistiu.
Claiton disse na delegacia que estava a serviço dentro da 2ª Companhia e ficou acompanhando por rádio sobre a perseguição a uma moto roubada pelos colegas do mesmo batalhão, mas da 1ª Companhia, e que, em determinado momento, ouviu a informação de que o veículo havia entrado na via que dava acesso ao 22º DP (São Miguel Paulista) e também à lateral da companhia do batalhão que trabalhava.
Com isso, declarou que “sentiu-se no dever de intervir e auxiliar na abordagem” e saiu para a Avenida Nordestina. Ao ouvir o barulho da moto, subiu na rua da delegacia com pistola em punho e viu o veículo na sua direção, informando que disse várias vezes “para, polícia”, mas não foi atendido.
O cabo relatou que a motocicleta passou muito próximo a ele, quase o atingindo, e que deu um pulo para trás. Em seguida, afirmou que o motociclista virou o veículo e passou a fugir, momento em que Claiton disse que fez “dois ou três disparos em direção à parte de baixo da motocicleta, visando atingir as pernas do indivíduo ou os pneus ou carenagem da motocicleta, com o intuito de encerrar aquela perseguição”.
Nadson parou e Claiton disse que se aproximou e mandou o jovem deitar no chão, momento em que teria ouvido “um estampido aparentando tratar-se de disparo de arma de fogo, motivo pelo qual, visando resguardar sua integridade física, efetuou um disparo contra o indivíduo, que caiu ao chão”. O PM disse que não conseguiu enxergar com clareza a mão direita de Nadson, acreditou que ele estava armado e disse que não tinha intenção de matar.
No entanto, não foi encontrada arma de fogo com a vítima. Ao localizar as imagens de uma câmera de segurança que registrou a ação, a Polícia Civil entendeu que a dinâmica aconteceu de maneira diferente, já que Nadson não aparece jogando a motocicleta em direção ao cabo nem fazendo “movimento que pudesse aparentar o uso de arma de fogo” contra ele, já que a gravação mostra o rapaz saindo da moto e não tira as mãos do guidão do veículo. O delegado Ivan Moyses Elian, do Departamento Estadual de Homicídios e de Proteção à Pessoa (DHPP), indiciou Claiton em flagrante por homicídio doloso (com intenção de matar).
O PM foi preso, mas liberado dois dias depois após audiência de custódia, já que a juíza Michelle Porto de Medeiros Cunha Carreiro, da 4º Vara do Júri do TJSP, entendeu que Claiton tinha bons antecedentes, era réu primário, tinha boa conduta na PM, possuía residência fixa e fazia parte do grupo de risco do coronavírus por ter bronquite. Ele tinha 24 anos de trabalho na corporação.
O Ministério Público Estadual (MPSP) seguiu o entendimento da Polícia Civil e acusou o cabo por homicídio qualificado com recurso que dificultou a defesa da vítima, e a denúncia foi aceita pelo tribunal paulista. “A vítima foi atingida quando desembarcava da motocicleta e ainda estava com as mãos no guidão, ou seja, utilizou-se o denunciado de recurso que dificultou a defesa do ofendido, que naquele momento não esperava os disparos e não tinha meios de se defender”, argumentou o promotor Ricardo Brites de Figueiredo.
O laudo do corpo de Nadson também indicou que ele recebeu dois disparos: um tiro no peito e outro perto da axila. O perito indicou o direcionamento do disparo com flechas, mostrando que o segundo tiro foi de trás para frente, de baixo para cima.
Pouco mais de um ano do crime, em janeiro de 2022, a juíza Giovanna Christina Colares acatou a solicitação do MPSP e determinou que Claiton seja pronunciado, ou seja, levado a um júri popular. A Constituição Federal prevê que os crimes dolosos contra a vida (com intenção de matar) sejam julgados por um Conselho de Sentença, que é formado por sete pessoas da sociedade civil.
A magistrada sustentou que existem indícios suficientes para que o caso seja decidido pelo júri e aplicou o entendimento in dubio pro societate, que significa “na dúvida, a favor da sociedade”. A defesa do policial tentou recorrer da sentença de pronúncia, mas não conseguiu reverter o resultado.
À Ponte, Mauro Ribas, um dos advogados de Claiton, disse que a determinação do comando de expulsá-lo da corporação antes de uma decisão do júri é “vergonhosa”, “prematura” e “abusiva” e que os praças, categoria mais baixa da corporação, sofrem “os maiores abusos” no âmbito administrativo.
Ele disse que ainda não teve acesso às argumentações do comando e que teve conhecimento da expulsão apenas pelo Diário Oficial. “Quem vai poder decidir se foi um homicídio ou não é o tribunal do júri, a PM não tem que usurpar essa competência que é do tribunal do júri para decidir se o Claiton agiu certo ou errado”, declarou.
Ribas também chamou de “contraditório” o argumento de disparo de arma “por imprudência, negligência, imperícia, ou desnecessariamente”, que é uma transgressão do Regulamento Disciplinar da PM pela qual Claiton foi imputado para ser expulso.
“Essa transgressão é aplicada para policial que dá tiro pro alto — hoje acabou, não existe mais disparo de advertência — ou o cara que dá disparo acidental, mas nunca em direção a uma pessoa, isso é homicídio. Se eles alegam que foi imprudência, negligência, imperícia, teoricamente estaria se falando de um homicídio culposo. Não, o Marciano teve intenção de atirar, ele não nega isso.”
O defensor sustenta que o PM atuou em legítima defesa putativa, ou seja, quando a pessoa acredita que está em uma situação de risco e atua para se defender. “O indivíduo tentou atropelar diversos policiais, ele estava fugindo com a moto, colocando a população inteira em risco. Quando tentou atropelar, passou pelo Claiton e, quando se aproximou, o indivíduo baixou a mão do guidão e a levou à cintura quando ele [cabo] estava dando voz para ele parar e foi quando houve os disparos”, declarou Mauro Ribas.
No âmbito do procedimento administrativo disciplinar, uma decisão do Comando-Geral não cabe recurso. Por isso, o advogado disse que vai trabalhar para provar a inocência de Claiton no tribunal do júri e posteriormente ingressar com uma ação judicial para que ele seja reintegrado à corporação.
A Ponte procurou a assessoria da PM e da Secretaria da Segurança Pública e aguarda retorno.