Casas de acolhida LGBT+ diminuem atendimentos, mas mantém portas abertas

    Rede de apoio tem ajudado LGBTs a enfrentar os desafios contra a Covid-19; uma dessas casas reduziu número de moradores, mas ainda aceita pessoas em situação de violência

    Indianare Siqueira (à dir.) conta como a Casa Nem, centro de acolhida para pessoas LGBTs no Rio de Janeiro, tem enfrentado a pandemia | Foto: reprodução/Instagram

    Solidariedade e união têm sido as palavras de ordem para três das casas de acolhimento para pessoas LGBTs durante a pandemia do coronavírus. Expulsos de casa ou sem local para morar por diversa questões, LGBTs encontram um novo lar nesses espaços de acolhimento. Apesar das dificuldades serem diferentes, Casa 1, Casa Nem e Casa Florescer contam que, mesmo com a distância, elas estão mais juntas do que nunca.

    A rotina na Casa Nem, centro de acolhimento em Copacabana, zona sul da cidade do Rio de Janeiro, mudou ainda em março. “Interrompemos as atividades no dia 13 de março, quando lançamos a primeira nota cancelando os cursos de idiomas e todas as atividades externas que a casa participa”, conta a profissional do sexo Indianare Siqueira, 49 anos, fundadora da Casa Nem.

    Leia também: Responda à pesquisa Jornalismo e coronavírus

    Três dias depois, os moradores decidiram fechar o prédio e manter apenas algumas atividades internas. O quarto andar da casa foi modificado para concentrar um espaço de quarentena, para novos moradores e para possíveis infectados.

    Indianare conta que todo mundo que entra no local precisa fazer higienização nos calçados e trocar de roupa, inclusive moradores e funcionários responsáveis por serviços essenciais, como os psicólogos, que não tiveram interrupção na rotina de trabalho. O cuidado redobrado foi essencial para manter a casa de acolhida livre de confirmações de Covid-19 até o momento.

    A Casa Nem, que atualmente tem 60 residentes, não interrompeu o acolhimento de novos moradores por entender que, nesse momento, mais LGBTs podem precisar de abrigo. A cada dois dias, os moradores fazem uma reunião para entender a realidade da pandemia. Quem precisa sair, só sai se estiver com máscara e luva, para não contaminar ninguém.

    Leia também: Avanço de coronavírus na periferia de SP expõe desigualdade e racismo

    “Além de não haver redução no número de moradores, tivemos um aumento nos atendimentos externos. Atualmente estamos com 700 atendimentos externos, com distribuição de cestas básicas, máscaras, kits de limpeza e kits de higiene pessoal”, explica Indianare, que conta que a Casa Nem tem ajudado pessoas em situação de rua vulneráveis além da população LGBT+.

    Indianare traz a experiência contra doenças graves das décadas de 1980 e 1990, quando a população LGBT+ enfrentou a epidemia o HIV/Aids. “Essa organização serviu de experiência. Criamos uma rede de casas de acolhimento de todo o Brasil para atender a comunidade LGBT+, com campanhas de arrecadação e doação. Estamos trabalhando em rede para ajudar as populações vulneráveis”, pontua.

    Casa de acolhimento em SP enfrenta dificuldade para acessar auxílio do governo

    Já a Casa 1, república de acolhida localizada no bairro do Bixiga, na zona central da cidade de São Paulo, precisou suspender o acolhimento e as atividades culturais no começo de março por tempo indeterminado.

    A decisão, conta o jornalista Iran Giusti, 31 anos, idealizador do local, partiu da necessidade de manter o distanciamento seguro entre as camas. Assim como a Casa Nem, a Casa 1 tem recolhido doações para população em situação de rua da região central, oeste e leste da capital paulista.

    Atualmente, 11 pessoas vivem na república de acolhimento da Casa 1. Antes da pandemia, 20 pessoas residiam no espaço. Contudo, casos emergenciais, como jovens vítimas de violência em casa, continuam sendo aceitos no local, tomando todos os cuidados necessários para esses novos ingressantes. “Estamos estudando se essa pessoa fica em isolamento e depois vem para a casa”, pontua Iran.

    Leia também: ‘Escolha de muitas é entre se contaminar ou passar fome’, diz ativista pelo direito das prostitutas

    “Um grande desafio, em especial, é pelo nosso recorte etário, já que acolhemos jovens de 18 a 25 anos. A maior dificuldade, hoje, tem sido mantê-los em quarentena, já que as informações são muito desencontradas. O governo federal diz uma coisa, o Ministério da Saúde outra e o governo estadual outra diferente”, pondera o jornalista.

    A clínica de atendimentos psicológicos para população LGBT+ continua, mas agora online. O espaço físico da clínica foi transformado em um espaço de isolamento para moradores e moradoras que apresentarem sintomas da Covid-19.

    “A gente também criou um plantão de escuta online para pessoas LGBTs, em que divulgamos as inscrições toda segunda-feira às 14h em nossas redes sociais”, explica Iran.

    A Casa 1 fica no bairro do Bixiga, em SP, e atualmente acolhe 11 pessoas | Foto: Divulgação/Casa 1

    O maior desafio enfrentado por Iran tem sido a garantia os direitos para a população trans que mora na Casa 1. Segundo o jornalista, muitas pessoas não estão conseguindo se inscrever no programa de auxílio emergencial, criado pelo governo federal, que destina R$ 600 para pessoas em situação de vulnerabilidade: elas não conseguiram solicitar o benefício porque os processos de retificação dos documentos não foram concluídos.

    “Fizemos um mutirão de retificação de nome para 60 mulheres trans e esse documento saiu em menos de 15 dias da declaração de pandemia, mas essas meninas não tiveram tempo de mudar outros documentos, como o CPF, e o aplicado não está autorizando porque não bate o nome delas com o CPF”, lamenta.

    A empregabilidade é uma das demandas mais importantes para a população trans, que muitas vezes precisa recorrer a empregos informais para sobreviver. “Se fala muito da pauta da prostituição, mas, ao mesmo tempo, temos uma série de outras profissionais que trabalham no setor de serviço, de beleza, de atendimento em supermercados e redes de fast-food e estão desamparadas nesse momento”, lembra Iran.

    Centro de acolhida para pessoas trans dá palestras de conscientização durante pandemia

    A Casa Florescer, primeiro centro de acolhida exclusivo para pessoas trans na cidade de São Paulo, localizado no Bom Retiro, região central de SP, não tem enfrentado problemas durante a pandemia. Isso porque o repasse destinado pela prefeitura, responsável pela manutenção do espaço, tem ocorrido normalmente.

    “Não houve redução no número de moradoras, continuamos com 30 meninas acolhidas. O que mudamos foi a escala de trabalho com os profissionais externos [psicólogos e assistentes sociais] que trabalham na casa, para manter o bom andamento do projeto como um todo”, conta o administrador Alberto Silva, 46 anos, que dirige a Florescer.

    Para auxiliar as moradores com as questões psicológicas durante o isolamento, além dos atendimentos de sempre, a Florescer tem ministrado bate-papos internos para sensibilizar todas as pessoas da importância do isolamento e da higienização como combate ao coronavírus.

    Conversa feita com as moradoras e assistentes sociais sobre a pandemia | Foto: reprodução/Instagram

    “A vida das meninas tem se mantido tranquila. Todas elas estavam inscritas em cursos profissionalizantes. Com toda a questão da pandemia, elas encerraram as atividades e estão em casa. Todas estão inscritas no auxílio do governo, mas ainda aguardam a confirmação para receber o benefício”, conta Alberto.

    Quer ajudar?

    As organizações estão aceitando doações para continuar o combate ao coronavírus. Para ajudar a Casa Nem, basta acessar aqui. Doações para a Casa 1 podem ser feitas por aqui. Já quem quer contribuir com a Casa Florescer, deve enviar um e-mail para: [email protected].

    Já que Tamo junto até aqui…

    Que tal entrar de vez para o time da Ponte? Você sabe que o nosso trabalho incomoda muita gente. Não por acaso, somos vítimas constantes de ataques, que já até colocaram o nosso site fora do ar. Justamente por isso nunca fez tanto sentido pedir ajuda para quem tá junto, pra quem defende a Ponte e a luta por justiça: você.

    Com o Tamo Junto, você ajuda a manter a Ponte de pé com uma contribuição mensal ou anual. Também passa a participar ativamente do dia a dia do jornal, com acesso aos bastidores da nossa redação e matérias como a que você acabou de ler. Acesse: ponte.colabore.com/tamojunto.

    Todo jornalismo tem um lado. Ajude quem está do seu.

    Ajude
    2 Comentários
    Mais antigo
    Mais recente Mais votado
    Inline Feedbacks
    Ver todos os comentários
    trackback

    […] Fonte: Casas de acolhida LGBT+ diminuem atendimentos, mas mantém portas abertas – Ponte Jornalismo […]

    trackback

    […] que também é LGBT+, conta que Chiara não morava com a família, mas residia na Casa Florescer 2, centro de acolhida para pessoas trans e travestis, localizada Vila Nivi, na região do Tucuruvi, […]

    mais lidas