Chacina de Osasco: ‘Para não esquecer’, mães e ativistas protestam

Familiares, amigos e ativistas lembraram 9 anos de ataques que deixaram 27 mortos e 8 sobreviventes em 2015

Zilda Maria: “A gente não quer deixar esquecer” | Foto: Daniel Arroyo/Ponte Jornalismo

Os nove anos da maior chacina ocorrida nas ruas do estado de São Paulo foram marcados, mais uma vez, pelas lágrimas e pela luta do Movimento de Mães de Osasco e Barueri, na tarde deste sábado (17/8), na região metropolitana de São Paulo.

Leia a cobertura da Ponte sobre a Chacina de Osasco

Os manifestantes saíram numa caminhada em silêncio que percorreu as ruas do bairro Jardim Mutinga, em Osasco. Com faixas estampando os rostos dos inocentes que tiveram as vidas arrancadas pela violência do Estado, o protesto se encerrou no local conhecido como Praça da Alagoinha, na divisa dos dois municípios.

A praça era onde Fernando Luiz de Paula, único filho de Zilda Maria de Paula, 71 anos, jogava futebol e basquete. Durante o protesto, Zilda olhou para uma das árvores da praça, naquele momento ocupada por crianças que jogavam bola, e contou que era ali que o filho, morto aos 34 anos, costumava descansar após o treino.

Há nove anos lutando por justiça, Zilda lamenta pelo pouco que conquistou, mas diz que vai seguir na luta. “Parece ser em vão porque não temos resposta de nada. Mas a gente não quer deixar esquecer. As mães, uma ajudando a outra, a gente se fortalece”, disse, visivelmente abalada.

Não se passaram nem dez minutos do início do ato e dona Zilda começou a se sentir mal. Como em todo protesto, ela costuma fazer um almoço para os que se unem à sua luta e acabou se esquecendo, ela própria, de comer. Com o calor e o estômago vazio, a pressão caiu e dali foi levada por amigos direto ao pronto-socorro para tomar soro.

Faixa do Movimento Mães de Maio com a frase “contra o terrorismo de estado”, amarrada às grades de uma quadra da praça em que crianças brincavam | Foto: Daniel Arroyo/Ponte Jornalismo

Quem ficou deu continuidade ao ato para fortalecer a importância da data. “Eu mesma não me sinto bem, mas vim porque a Zilda faz tudo por nós”, disse Maria José de Lima Silva, 56, que é empregada doméstica e mãe de Rodrigo Lima da Silva, morto na chacina aos 16 anos. “Cada vez que toco no assunto, minha ferida arrebenta mais. O estado que eu vi meu filho eu não desejo para ninguém”, lamenta.

Com ela, estava a professora Aparecida Gomes da Silva Assunção, 62, mãe do mecânico Leandro Pereira Assunção, 36, mais uma vítima da matança quando resolveu tomar uma cerveja num bar depois de um dia cansativo de trabalho. “Com aquela cerveja na mão, meu filho levou seis tiros”, lembrou ela, com os olhos marejados. “Eles deveriam proteger, mas que proteção é essa?”, questionou.

A professora Aparecida Assunção e a empregada doméstica Maria José Silva (ao microfone) | Foto: Daniel Arroyo/Ponte Jornalismo

A professora também criticou a violência do Estado. “Eles tiram a vida de inocentes porque não tem punição. Não pensam na vida dos filhos, dos pais, da família. A barbárie que fizeram na Baixada Santista não tem limites”, lembrou ela sobre as operações Escudo e Verão, que deixaram, respectivamente, 28 e 56 mortos no litoral paulista após assassinatos de policiais militares.

Outros movimentos sociais, como Mães de Maio, Rede de Proteção e Resistência Contra o Genocídio e Mães em Luto da Zona Leste, além de pesquisadores da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp), também se somaram. “Estamos aqui para denunciar o que o Estado está fazendo com nossos filhos e com as nossas famílias. Estamos aqui para resistir”, discursou Maria Sônia Lins, 65, que perdeu o filho, o pizzaiolo Wagner Lins dos Santos, 22, nos Crimes de Maio de 2006.

Ao final, os manifestantes fizeram um círculo, deram-se as mãos e rezaram um Pai Nosso em memória às vítimas.

Como foi a maior chacina nas ruas de São Paulo

A Chacina de Osasco e Barueri deixou 27 mortos e 8 feridos entre os dias 8 e 13 de agosto de 2015, nas cidades de Osasco, Barueri, Carapicuíba e Itapevi, segundo estudos da Unifesp. Uma das ações, em um bar de Osasco, foi flagrada por câmeras de segurança.

Segundo a denúncia do Ministério Público do Estado de São Paulo (MPSP), a chacina atingiu aleatoriamente moradores da periferia para vingar os assassinatos do policial militar Ademilson Pereira, 42, que foi morto em um assalto em Osasco, e do guarda civil municipal Jefferson Luiz da Silva, 40, que morreu em Barueri da mesma forma. 

Manifestantes estenderam cartazes e fizeram discursos na Praça da Alagoinha, em Barueri | Foto: Daniel Arroyo/Ponte Jornalismo

Em dezembro de 2015, o MPSP denunciou quatro policiais e um GCM pelas mortes. Os ex-PMs Fabrício Eleutério e Thiago Henklain foram condenados em 2017 a 255 e 247 anos de reclusão em regime fechado, respectivamente. Eles foram considerados responsáveis pela morte de 17 pessoas e por deixarem outras sete feridas. 

Pelas mesmas mortes, o GCM Sérgio Manhanhã foi condenado em 2017 a 110 anos de prisão. No ano seguinte, Victor Cristilder Silva dos Santos recebeu pena de 119 anos. 

Cristilder e Manhanhã foram absolvidos em fevereiro de 2021 em um júri popular que durou cinco dias. O novo julgamento ocorreu após a 7ª Câmara de Direito Criminal do Tribunal de Justiça de São Paulo ter anulado as condenações da dupla por entender que a decisão foi contrária à prova dos autos. 

Ajude a Ponte!

Em 2019, os três PMs envolvidos na chacina foram expulsos da corporação. Contudo, em 2023, Victor Cristilder Silva dos Santos foi reintegrado à Polícia Militar por decisão do governador Tarcísio de Freitas (Republicanos)

Dos 10 pedidos de indenização feitos por familiares das vítimas, em apenas três o Tribunal de Justiça de São Paulo reconheceu a responsabilidade do Estado.

Em março deste ano, dona Zilda foi homenageada com a primeira edição do Prêmio Marielle Franco de Direitos Humanos, concedida pela Câmara Municipal de São Paulo, pela sua luta por justiça.

De todas as chacinas da história de SP, a única maior do que a de Osasco e Barueri foi o Massacre do Carandiru, com 111 mortos. O Massacre do Carandiru também caminha para a impunidade, seja porque o Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo abriu a possibilidade de validar um perdão aos condenados concedido por Jair Bolsonaro, seja porque a demora do Judiciário pode levar à prescrição dos crimes.

Já que Tamo junto até aqui…

Que tal entrar de vez para o time da Ponte? Você sabe que o nosso trabalho incomoda muita gente. Não por acaso, somos vítimas constantes de ataques, que já até colocaram o nosso site fora do ar. Justamente por isso nunca fez tanto sentido pedir ajuda para quem tá junto, pra quem defende a Ponte e a luta por justiça: você.

Com o Tamo Junto, você ajuda a manter a Ponte de pé com uma contribuição mensal ou anual. Também passa a participar ativamente do dia a dia do jornal, com acesso aos bastidores da nossa redação e matérias como a que você acabou de ler. Acesse: ponte.colabore.com/tamojunto.

Todo jornalismo tem um lado. Ajude quem está do seu.

Ajude
Inscrever-se
Notifique me de
0 Comentários
Mais antigo
Mais recente Mais votado
Inline Feedbacks
Ver todos os comentários

mais lidas

0
Deixe seu comentáriox