Chacina no Complexo do Alemão deixa 17 mortos, diz Defensoria do Rio de Janeiro

Operação conjunta das polícias Militar e Civil na zona norte da capital fluminense começou às 5h da manhã desta quinta (21). PM confirmou 18 mortes no fim da tarde

Corpos chegando à UPA do Alemão | Foto: Sema Souza/Voz das Comunidades

Por volta das 5h da madrugada desta quinta-feira (21/7), moradores do Complexo do Alemão, na zona norte da cidade do Rio de Janeiro, começaram a relatar tiros em vários pontos da comunidade, em uma ação envolvendo policiais do Bope (Batalhão de Operações Especiais) da Polícia Militar e da Core (Coordenadoria de Operações e Recursos Especiais) da Polícia Civil. Segundo um informe da Defensoria Pública do estado do Rio de Janeiro, 17 pessoas foram mortas na operação (antes havia confirmado 20 mortes), uma das mais letais do ano. A PM, por sua vez, confirmou 18 mortos no final da tarde desta quinta.

O número de corpos chegando à UPA do Alemão durante a tarde não parou de crescer. A Polícia Militar, por sua vez, confirmava cinco mortos até às 15h – entre eles um agente e uma mulher – durante a incursão policial que se iniciou no Complexo do Alemão, na madrugada desta quinta-feira (21), mas moradores relatam que os números devem ser maiores. A mulher morta se chamava Letícia Marinho do Sales, tinha 50 anos e não resistiu ao tiro que recebeu no peito.

De acordo com a PM, a operação contolu com a participação de cerca de 400 policiais, quatro aeronaves e 10 veículos blindados. Até o meio da tarde, o resultado da mobilização no Complexo do Alemão foi a apreensão de dois fuzis, duas pistolas e uma metralhadora.

Rajadas de tiros seguiram sendo ouvidas durante a tarde em várias partes do Complexo. Devido à situação, a secretaria municipal de Saúde afirmou que as clínicas Rodrigo Roig e Zilda Arns acionaram o protocolo de segurança. Logo, não prestaram atendimento. Já a Secretaria Municipal de Educação disse que as escolas estão fechadas devido às férias escolares.

Um morador filmou três caveirões (veículos blindados usados pelas polícias do Rio de Janeiro) subindo em um dos acessos da localidade, no fim da madrugada, e testemunhas afirmam que os policiais já entraram atirando. Em outro vídeo uma moradora se desespera, pois fica em um beco sem conseguir sair, com seu irmão e seu filho. Nas imagens, ela relata que “os PMS passaram atirando”. Em vídeos, moradores registraram policiais forçando portas para invadir casas e residências reviradas depois da saída deles.

Um morador que teve a casa invadida pela PM relatou a situação. “Eles entraram lá em casa e levaram meus pertences, mexeram na geladeira e bateram na cara do meu sogro e a minha sogra foi xingada por eles. E eu tenho criança pequena em casa, que assistiu tudo.”

Vídeos mostram marcas de tiros em paredes de casas. Os moradores também relataram agressões e pertences roubados de suas casas durante as invasões.

O Voz das Comunidades ressalta que não publica vídeos que podem expor moradores por segurança dos mesmos. 

A Estrada do Itararé, principal via do Complexo do Alemão, seguiu fechada durante a tarde desta quinta (21). A polícia utilizou bombas de gás lacrimogêneo para dispersar os motociclistas que estavam na pista.

Mulher morta na frente do namorado

Letícia Marinho do Sales, de 50 anos, moradora do Recreio dos Bandeirantes,  estava na casa do namorado, morador do Complexo do Alemão. Segundo informações, o casal estava parado no sinal de trânsito, na Estrada do Itararé, quando o carro foi alvejado por policiais. Letícia foi baleada no peito. De acordo com moradores, não estava acontecendo troca de tiros no momento em que Letícia foi baleada. Ela deixa três filhos e um neto.

“Um carro estava emparelhando com a gente e tivemos que parar para respeitar o sinal. Tinha um policial militar em uma Blazer e a policial militar que estava em outro carro levantou a pistola, com o brasão da corporação deles aparecendo. Mesmo assim, deram tiro numa mulher trabalhadora, que está lá morta por despreparo policial”, relata o motorista que acompanhava o casal.

O Voz das das Comunidades faria uma ação social de distribuição de alimentos no Complexo do Alemão. A ação foi cancelada devido a operação policial na região.

Em nota, a Federação de Associações das Favelas do Rio de Janeiro (FAFERJ) se pronunciou sobre a operação no Complexo do Alemão.

Mais uma manhã de terror. Cláudio Castro, o Governador das Chacinas, autorizou mais uma Operação Eleitoreira em favela. Na guerra da Ucrânia e em vários outros conflitos é proibido utilizar helicóptero como plataforma de tiro em área civil, é crime internacional. Mas nas favelas isso acontece cotidianamente, inclusive hoje no Alemão, com o Águia (helicóptero blindado) aterrorizando moradores. Essa lógica de guerra é um enxuga gelo que não resolve o problema da violência, ao contrário, apenas piora. Nós da FAFERJ repudiamos essa operação eleitoreira autorizada pelo Governador das Chacinas, Cláudio Castro.

Também externo minha solidariedade aos moradores do Complexo do Alemão. As favelas pedem paz, e também direitos iguais!

Virgínia Berriel, conselheira do Conselho Nacional dos Direitos Humanos, também falou sobre a operação no Complexo do Alemão.

“É lamentável a situação dentro do Complexo do Alemão. Estivemos lá na segunda-feira (18) e ouvimos iniciativas de comunicação comunitária. Não aceitamos esse tipo de invasão nas comunidades. Vemos isso com muita preocupação e o CNDH está atento a essa situação que atinge favelas do Rio de Janeiro. Estivemos no Ministério Público cobrando e exigindo respostas sobre como agem os departamentos responsáveis por estas incursões policiais. O Rio de Janeiro não tem planejamento de políticas públicas voltado para pessoa que moram na favela, pessoas tão vulneráveis em situações como esta de hoje.”

Em nota enviada à Ponte, a Defensoria afirmou que acompanha a situação com atenção, e que a operação ainda tem a possibilidade de ser confirmada como a mais letal da história do Rio:

“A Defensoria Pública do Rio está acompanhando com preocupação as informações sobre a operação policial no Complexo do Alemão, zona norte da cidade. A DPRJ está presente no local através de sua Ouvidoria, juntamente com as Comissões de Direitos Humanos da Alerj e da OAB, o Conselho Estadual da Direitos Humanos, além de lideranças locais.

Há indícios de situações de grave violação de direitos, com possibilidade desta ser uma das operações com maior índice de mortos no Rio de Janeiro.”

Com base em publicações do Voz das Comunidades

Correções

Reportagem atualizada às 19h26 do dia 21/7/2022 para retificar o número de mortos informados pela Defensoria Pública do Rio de Janeiro.

Já que Tamo junto até aqui…

Que tal entrar de vez para o time da Ponte? Você sabe que o nosso trabalho incomoda muita gente. Não por acaso, somos vítimas constantes de ataques, que já até colocaram o nosso site fora do ar. Justamente por isso nunca fez tanto sentido pedir ajuda para quem tá junto, pra quem defende a Ponte e a luta por justiça: você.

Com o Tamo Junto, você ajuda a manter a Ponte de pé com uma contribuição mensal ou anual. Também passa a participar ativamente do dia a dia do jornal, com acesso aos bastidores da nossa redação e matérias como a que você acabou de ler. Acesse: ponte.colabore.com/tamojunto.

Todo jornalismo tem um lado. Ajude quem está do seu.

Ajude

mais lidas