CNJ pede que Justiça de SP instale centro de atenção a vítimas de violência

Recomendação do presidente do conselho, ministro Luiz Fux, foi feita nesta terça-feira (7/6) após Mães de Maio, Conectas e Defensoria Pública enviarem carta a autoridades cobrando elucidação dos Crimes de 2006 e reparação às famílias e vítimas

Durante protesto em 13 de maio de 2022, Débora Silva colocou uma caixa de papelão o nome de “biqueira” com papéis com os nomes das vítimas ao criticar vídeo em que promotora criminaliza movimento Mães de Maio | Foto: Jeniffer Mendonça/Ponte Jornalismo

O presidente do Conselho Nacional de Justiça (CNJ) ministro Luiz Fux pediu, nesta terça-feira (7/6), que o Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo (TJ-SP) priorize a instalação de um Centro Especializado de Atenção às Vítimas. A recomendação se deu após o Movimento Independente Mães de Maio, a Defensoria Pública e a ONG Conectas Direitos Humanos terem encaminhado uma carta conjunta a autoridades dos poderes Executivo, Legislativo e Judiciário cobrando elucidação dos Crimes de maio de 2006, a responsabilização do Estado brasileiro, a reparação às vítimas do massacre e medidas para cessar a letalidade e violência policiais.

No despacho, o ministro considerou que a instalação desse centro é “um canal importante de interlocução entre vítimas de crimes violentos e seus familiares para obter informações e respostas do Estado acerca de suas angústias e procedimentos nos quais tenham interesse”, já que, em 2018, o conselho também emitiu a resolução 253, que define uma política institucional do Poder Judiciário de atenção e apoio às vítimas de crimes e atos infracionais. Essa normativa prevê a criação de um canal de atendimento e acolhimento.

Fux também pediu que os responsáveis pelos procedimentos instaurados no Ministério Público do Estado de São Paulo, no Poder Judiciário e na Comissão Interamericana de Direitos Humanos fossem oficiados para prestar informações sobre o andamento e conclusão deles em até 30 dias. A carta conjunta, que foi divulgada pela Ponte em 12 de maio, quando movimentos negros entraram com uma ação no Supremo Tribunal Federal contra o genocídio negro, cita inquéritos policiais, pedido de federalização da investigação do caso, ação civil pública, denúncias às instâncias internacionais sobre assassinato e desaparecimento das vítimas, e também o pedido de responsabilização de uma promotora que caluniou o movimento o associando ao crime organizado cujo vídeo chegou a ser usado pela defesa de um dos acusados da Chacina de Osasco.

Para Débora Maria da Silva, fundadora do Movimento Mães de Maio, o pedido do presidente do CNJ é “uma meia vitória” de uma luta antiga em que tentaram pleitear a criação desses centros inclusive por meio de projetos de lei em casas legislativas. “É muito gratificante porque a gente abriu caminhos para as mães de agora, porque a gente obteve o que deveria ter sido instalado, se fosse um Estado transparente no combate à violência policial, no massacre de maio [para que] os familiares tivessem o centro e ter um atendimento humanizado, porque as famílias ficam sem rumo, ficam fragilizadas”, aponta. “Esse centro vai precisar de investimento e tem que estar presente em todas as comarcas.”

O filho dela, o gari Edson Rogério, foi encontrado morto, aos 29 anos, após uma abordagem policial, no dia 15 de maio de 2006, quando policiais e grupos de extermínio paramilitares — que testemunhas e outros indícios apontam serem formados também por policiais — mataram 425 pessoas e foram responsáveis pelo desaparecimento de outras quatro. As mortes foram uma vingança contra os ataques da facção criminosa Primeiro Comando do Capital (PCC), que mataram 59 agentes públicos, entre policiais, guardas civis e policiais penais. Os crimes aconteceram entre 12 e 21 de maio daquele ano e completaram 16 anos de impunidade neste ano.

O coordenador do programa de Enfretamento à Violência Institucional da Conectas Gabriel Sampaio destaca que a cobrança do CNJ, “em que pese não seja uma decisão judicial, traz um aspecto que está previsto na legislação e nas normas e que, por isso, pode ser sim exigido ao tribunal”. “É uma forma de reconhecer, ao falar da instalação do centro, o quanto isso é importante para atender as demandas das mães, por isso vimos muito positivamente a resposta do ministro Fux porque ele realmente demonstrou a atenção ao conjunto de agendas que o Movimento Mães de Maio tem apresentado”, acrescentou.

https://ponte.org/maes-de-maio-cobram-ministerio-publico-por-crimes-de-2006-e-declaracao-de-promotora-que-caluniou-movimento/

Por outro lado, tanto Débora quanto Gabriel destacam que as respostas ainda “são insuficientes”. Uma das ações mais repudiadas pelo movimento é uma declaração de 2015 em que uma ex-promotora do Grupo de Atuação Especial de Combate ao Crime Organizado (Gaeco), Ana Maria Frigério Molinari, lançava calúnias afirmando que havia recebido a informação de que o Movimento Mães de Maio seria formado por mães de traficantes, que, após a morte de seus filhos, em maio de 2006, teriam passado a gerenciar pontos de venda de drogas, com o apoio do PCC.

A divulgação de um vídeo com as calúnias da promotora rendeu censura à Ponte em 2016 por decisão judicial e chegou a ser utilizada pela defesa de dois acusados, que foram absolvidos, durante julgamento da Chacina de Osasco. Nela, o advogado João Carlos Campanini apresentava a aparente intenção de ligar Zilda Maria de Paula, líder do movimento Mães de Osasco e mãe de Fernando Lins de Paula, morto na chacina de 2015, a uma visão criminalizada das Mães de Maio. Em 2021, foi protocolada uma reclamação disciplinar ao Conselho Nacional do Ministério Público (CNMP) que acabou arquivada.

Na carta conjunta, as entidades pediram uma audiência com corregedor nacional do CNMP Oswaldo D’Albuquerque. Gabriel Sampaio disse que o corregedor não teve disponibilidade de agenda para atendê-las durante a ida a Brasília em maio, mas seguirão cobrando. “Tanto no Conselho quanto no Ministério Público de São Paulo não foram tomadas providências para reparar os danos que estão sendo causados às Mães de Maio”, criticou.

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Em 19 de maio, os Núcleos Especializados de Cidadania e Direitos Humanos, Infância e Juventude e de Defesa da Diversidade e da Igualdade Racial da Defensoria Pública de São Paulo solicitaram ao Conselho Superior do órgão que seja criada uma política institucional de atendimento integral às vítimas diretas e indiretas de violência praticada por agentes de segurança pública. “A ideia é que a gente também tenha uma política dentro da Defensoria, com defensores públicos específicos para atender essas vítimas”, declarou à Ponte a defensora Fernanda Balera.

Segundo Fernanda, não há uma previsão para que os integrantes do Conselho Superior analisem a proposta e votem a respeito. “É uma demanda antiga do Movimento Mães de Maio, com a pressão da dona Débora, desde que a Defensoria foi criada”.

O que diz o TJ-SP

Procuramos a assessoria do tribunal a respeito do despacho do ministro Luiz Fux e aguardamos resposta.

O que diz o CNMP

Entramos em contato com a assessoria do órgão a respeito da reclamação disciplinar e da disponibilidade do corregedor nacional. A assessoria enviou a seguinte nota:

Até o momento, conseguimos apurar que a Corregedoria Nacional do MP receberá as entidades no próximo dia 13 de junho, às 16h.

O que diz o Conselho Superior da Defensoria Pública

A Ponte questionou a assessoria do órgão sobre a proposta, que respondeu com a seguinte nota:

A proposta mencionada foi recentemente encaminhada ao Conselho Superior da Defensoria Pública, que mediante os trâmites regulares irá se debruçar sobre a questão com toda a atenção e cuidado que o tema merece.

Reportagem atualizada às 11h57, de 10/6/2022, após recebimento de resposta do CNMP.

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