‘Coalizão Negra por Direitos’ denuncia decretos de armas de Bolsonaro para órgão internacional

    Movimentos negros de todo o país assinam documento enviado à Comissão Interamericana de Direitos Humanos em que apontam os riscos da flexibilização da posse e porte de armas promovida pelo governo federal, especialmente para população negra, pobre e periférica; no documento, coletivo fala em ‘ataque à democracia’

    Comitiva dos movimentos negros brasileiros em missão oficial em Kington, Jamaica, em maio deste ano, quando denunciaram o pacote anticrime do Moro | Foto: Pedro Borges/Alma Preta

    Os dois decretos assinados pelo presidente Jair Bolsonaro que flexibilizam a posse e o porte de armas no Brasil foram objetos de denúncia em documento da “Coalizão Negra por Direitos”, que reúne movimentos negros de todo o país, enviado nesta quinta-feira (11/7) à Comissão Interamericana de Direitos Humanos (CIDH) da Organização dos Estados Americanos (OEA). Leia o documento na íntegra aqui.

    O texto, construído por organizações, grupos e coletivos da sociedade civil e representantes da população afro-brasileira e periférica, traz números da violência no Brasil que apontam o principal alvo: população negra, pobre e periférica. “Com a vitória eleitoral de Jair Bolsonaro, o poder central do país repousou sobre o colo de um grupo político que se coloca explicitamente contrário aos valores de direitos humanos e, pior, que expõe suas predileções por políticas de recrudescimento penal e de uso da força e da violência como prática formal da ação policial, bem como o encarceramento em massa, a relativização de métodos de tortura e a criminalização de movimentos sociais”, diz trecho.

    O documento traz um amplo cenário sobre a violência no Brasil e dados que mostram que armas não trarão mais segurança à população. Também denunciam o que chamam de “manobra ardilosa” de Bolsonaro que editou, em 25 de junho, alguns pontos dos decretos anteriores e, por exemplo, voltou a permitir que fuzis sejam comercializados. “Pesquisa do IBCCRIM mostrou que uma vítima de um assalto quando armada possui 56% a mais de chances de ser morta do que a vítima desarmada” e “86% das armas ilegais foram em algum momento legais e depois desviadas para o crime” são dois desses destaques da relação entre aumento de armas em circulação e crescimento da violência.

    Por fim, a denúncia traz também as violações contra os povos indígenas, quilombolas e os conflitos de terra, que também tendem a ficar mais sangrentos com os decretos de armas.

    Em fevereiro deste ano, o movimento negro havia denunciado à CIDH o pacote anticrime de Sérgio Moro, ministro da Justiça e Segurança Pública, chamado por defensores dos direitos humanos de “licença para matar”.

    Em maio, uma comitiva formada por lideranças dos diversos movimentos negros do país e integrantes do governo brasileiro estiveram em Kingston, na Jamaica, onde foram recebidos na OEA e tiveram a oportunidade de falar e denunciar mais uma vez a proposta de Moro. O encontro foi emblemático, uma vez que foi a primeira vez depois da Conferência de Durban, ocorrida em 2001, na África do Sul, que uma missão oficial brasileira composta exclusivamente por negros participou de um evento para fazer uma denúncia internacional.

    No mês passado, o presidente do Senado, David Alcolumbre, recebeu representantes dos movimentos negros para discutir a possibilidade de presença dos coletivos nos debates sobre o pacote anticrime.

    Para a advogada Silvia Souza, membra ativista da Educafro e que participou dessa construção, é fundamental denunciar as políticas de extermínio perpetradas pelo governo na forma desses decretos. “Nós, dos diversos movimentos negros de todo país, acreditamos que a flexibilização do porte e posse de armas, através dos 7 decretos já editados em 6 meses, como política de segurança pública imposta pelo governo federal baseada na ideia de ‘dar ao cidadão o direito de se proteger’ é absolutamente inadequada e inútil, porque na prática funcionará como uma necropolítica para eliminar boa parte da população pobre, periférica e preta desse país”, afirma em entrevista à Ponte.

    Sílvia traz dados do Atlas da Violência 2019, publicado pelo Ipea em maio, que revelam que das cerca de 65 mil pessoas mortas por assassinato em 2017, 75% era negros. Segundo ela, a política de armamento do governo Bolsonaro é, além de tudo, inconstitucional, porque “transfere ao cidadão comum o ônus de promover sua segurança que é constitucionalmente dever do Estado, previsto do artigo 6 e 144 da Constituição. Levar isso ao conhecimento da comunidade internacional através das denúncias à CIDH, chama a atenção do mundo para o que está acontecendo no Brasil e tende a constranger o Estado brasileiro no cenário da política externa”, aponta.

    Para Sílvia Souza, caso o CIDH aceite a denúncia, o Estado Brasileiro terá que prestar esclarecimentos e isso vai “causar constrangimento para política externa do Brasil”.

    Em entrevista ao Alma Preta, que é signatário da denúncia, o professor da Uneafro Douglas Belchior falou sobre a importância da luta e de expor essa violência como forma de tentar reverter a situação. “Nós precisamos mostrar ao mundo a radicalização do genocídio que estamos vivendo e essa vontade primitiva da elite brasileira de negar a existência do povo negro e só existe uma forma de fazer isso, nos matando. Como diz Conceição Evaristo, nós combinamos de não morrer”, declarou.

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