Delegado responsável afirmou que é preciso identificar origem do armamento, tradicionalmente usado por forças policiais; há dois anos, CPI apontava problemas no gerenciamento de armas em 2015
A Polícia Civil do Rio de Janeiro, em conjunto com a Polícia Militar e o Exército, coordenaram a primeira reconstituição do assassinato da vereadora Marielle Franco (Psol-RJ) e do motorista Anderson Gomes nesta quinta-feira (10/5). O crime aconteceu na noite do dia 14 de março, após um Cobalt cinza que os seguia emparelhar com o carro e disparar 13 tiros, quatro dos quais atingiram a vereadora na cabeça.
Uma imensa lona preta foi montada no perímetro do assassinato por recrutas não-uniformizados do Exército. O objetivo era impedir que a imprensa e curiosos registrassem a reconstituição e, dessa forma, preservar testemunhas. Drones foram proibidos de voar na área. A reconstituição durou cerca de 5 horas.
Pelo menos seis disparos reais fora efetuados durante o processo, que serviriam, segundo o delegado titular da Delegacia de Homicídios do Rio, Giniton Lages, para esclarecer a dinâmica do crime. “É preciso buscar a percepção auditiva sobre se o disparo foi feito em rajada ou se foi intermitente. Com essa percepção podemos levantar qual foi o armamento empregado”, explicou.
Questionado sobre os recentes vazamentos do depoimento de uma testemunha, que indicam a participação do vereador Marcello Sicialiano (PHS) e pelo menos outros três PMs no crime, Lages esquivou. “O sigilo é fundamental para essa investigação”, pontuou.
Uma matéria recente do Domingo Espetacular, da TV Record, expôs que o assassino usou uma submetralhadora 9mm modelo HK MP5 e não uma pistola 9mm no ataque. A Polícia Civil confirmou que se tratava de uma submetralhadora.
“A submetralhadora é uma arma de pequeno porte que cospe tiro para tudo quanto é lado. Ela é capaz de atingir o alvo pequeno com maior poder de fogo e mais vezes. A pistola com rajada, por ser menor, ela dá mais recuo, não agrupa tanto os tiros”, explicou à Ponte uma fonte da DH (Delegacia de Homicídios) do Rio de Janeiro. “É incomum ver essa arma com o crime organizado. Anos atrás, era comum ver o modelo UZI com eles, mas perdeu a razão de uso. Agora se usa fuzil”, prossegue.
A Polícia Civil do Rio de Janeiro tem 40 modelos da submetralhadora 9mm modelo HK MP5, e um lote menor estaria com tropas de elite da Polícia Militar, como o BOPE.
A Ponte teve acesso à um documento do Governo do Estado do Rio de Janeiro, datado de 2005, no qual se pede o reaparelhamento do BOPE (Batalhão de Operações Especiais). Elaborado pela então SSP-RJ (Secretaria de Estado de Segurança Pública do Estado do Rio de Janeiro) com o objetivo de submeter projeto relacionado com a segurança pública à Secretaria Nacional de Segurança Pública do Ministério da Justiça (SENASP/MJ).
O convênio, de numeração 42.498.600/0001-71, têm, dentre seus pedidos, 20 unidades de Submetralhadora cal. 9 mm, do tipo HK MP 5 SD. No total, a compra da HK saiu por R$ 130 mil.
Pouco mais de 10 anos depois, porém, a CPI das Armas 2016, de iniciativa do deputado estadual Carlos Minc, expôs a fragilidade do gerenciamento de armamentos dentro da PMERJ (Polícia Militar do Rio de Janeiro), entidade a qual estão submetidos o BOPE e outras forças especiais.
Em depoimento à CPI, o Coronel Cláudio Lima Freire comentou que quando ele fazia parte do Comando da Corporação, em 2012, deu‐se início à implementação do sistema de controle SISMATBEL. “Este promove um controle informatizado de onde foi feito o recadastramento de todas as armas e munições de todas as Unidades da Polícia Militar, quer seja Unidade Operacional ou Administrativa”, disse, à época.
O referido sistema de controle, porém, foi citado outras 68 vezes no relatório, em geral de forma negativa. Ao final do documento, uma das proposições explicita que o Sistema de Material Bélico (SISMATBEL), ferramenta de monitoramento de entrada e saída de armamentos e munições não está sendo utilizado de forma que produza informações e dados fidedignos e confiáveis em todo o Estado do Rio de Janeiro.
A solução encontrada pelos agentes muitas vezes têm sido voltar ao bom e velho papel, através de anotações manuais em livros de anotação. Contudo, a CPI cita que, “em visita à corporação identificamos livros de anotações em péssimo estado de conservação, com folhas rasgadas, numerações emendadas e corrigidas. Tal método demonstra‐se precário, ultrapassado e ineficiente, na medida em que fica sujeito a manipulações, o que reputamos como inadmissível”.
A Ponte tentou acessar o site do SisMatBel, mas estava fora do ar. A reportagem tentou entrar em contato com a PMERJ para saber há quanto tempo o SisMatBel está fora do ar e como têm sido feito os registros desde então e se há previsão para que os referido sistemas voltem ao ar, e caso não haja, as razões. Não houve respostas até a publicação desta reportagem.