Com prova de que Geovane estava em casa, defesa busca anular condenação por roubo

Auxiliar de produção foi reconhecido por um roubo em Londrina (PR) quando prestava depoimento na delegacia sobre outro assalto, ocorrido dois dias antes; defesa aponta falta de provas e reconhecimento ilegal

Geovane Pastana em fotos com a família | Fotos: Arquivo pessoal

Em agosto de 2017 a história do auxiliar de produção Geovane Pastana, então com 20 anos, foi atravessada por dois assaltos contra revendas de veículos em Londrina, no Norte do Paraná. Os roubos ocorreram nos dias 15 e 17 daquele mês, o primeiro na Vila Portuguesa e o segundo na Avenida Saul Elkind.

Geovane acabou reconhecido por uma testemunha da primeira ocorrência, inicialmente, por uma foto postada nas redes sociais e depois, presencialmente, sozinho. Em depoimento, ele relatou:

“Eu não sei por que estou sendo acusado. Eu não reconheço essa revenda, não conheço os donos da empresa. Falaram que eu fui reconhecido, só estava eu na sala de reconhecimento, não tinha ninguém ao meu lado.”

“Eles olharam pelo vidro e disseram para eu falar o nome da minha mãe e saíram falando que a vítima tinha me reconhecido. Não sei como chegaram a mim. Disseram que tinha foto e vídeo, eu falei que queria ver, mas não me mostraram nada. Eu tenho perfil no face, ele é aberto. Não foram apreendidos objetos comigo, nem na minha casa.”

“Ele foi reconhecido pelo Facebook, uma foto que ele tirou numa casa de show”, conta a mãe de Geovane, Miula Pastana.

“Foi denúncia que chegaram nele. Teve reportagem, denunciaram que foi ele. Só que as duas garagens em si não têm filmagem, não têm foto. Não tem prova nenhuma contra ele”, diz a esposa de Geovane, Laurilane Acácio, com quem ele tem duas filhas, uma de 2 anos e outra de três meses.

Geovane prestou esclarecimentos na delegacia sobre o primeiro roubo no dia 17 de agosto de 2017, por volta das 12h30. Estava acompanhado da então namorada, da mãe e de um vizinho. Poucas horas depois, às 15h25, aconteceria o segundo roubo. O jovem acabou inocentado do primeiro assalto, mas condenado a 7 anos por este segundo. Ele está preso desde 29 de maio deste ano.

“Eu falei: lá na garagem não tem câmera? Vamos procurar na rua. Mas como eu ia fazer isso sem uma permissão, sem nada. O advogado tranquilizou, o delegado tranquilizou, disse que esse caso tinha nascido morto.”

“A gente não correu atrás de nada, porque acreditou que tinha nascido morto. Fomos enganados, porque se fosse por mim eu procurava câmera na rua, tenho certeza de que eu ia encontrar quem fez isso, porque o meu filho eu tenho certeza que não”, desabafa Miula.

Na sentença, datada de 31 de janeiro, o juiz Luiz Valério dos Santos defende que seria possível Geovane ter saído da delegacia no dia 17 e praticado o segundo roubo. Chega a calcular o tempo necessário para chegar até a revenda a pé e de carro (veja abaixo).

Imagem: Reprodução

“Ele estava na delegacia depondo do primeiro assalto quando aconteceu o segundo. Ele saiu da delegacia, voltou para casa com a ex-mulher dele, com a mãe, a família toda estava na delegacia naquele dia. Eles voltaram, ficaram na casa deles, almoçaram, porque estavam desde cedo na delegacia. Mas o juiz falou que dava tempo dele ter saído da delegacia e praticado o assalto”, lamenta Laurilane.

Quando assumiu a defesa do jovem, há poucos meses, a advogada Juliana Pastoril buscou provas que comprovassem para onde Geovane tinha ido após sair da delegacia naquele dia. E conseguiu rastrear a localização de seu celular entre 14h45 e 21h. Os dados mostram que ele permaneceu entre sua casa, onde morava com a mãe, e a casa da então namorada.

A nova prova baseia o pedido de revisão criminal impetrado pela advogada e que será analisado no mês de agosto pelo Tribunal de Justiça do Paraná (TJPR).

Imagem: Reprodução

Reconhecimento junto ao delegado

A condenação de Geovane pelo roubo majorado (mediante uso de arma e ameaça) na revenda de veículos se baseia no depoimento de três testemunhas. Embora em casos de roubo a palavra das vítimas possuam valor de prova, a defesa questiona pontos falhos da investigação e afirma que a condenação se deu por “suposições”, como a de que o jovem teria tido tempo de chegar ao local do crime após sair da delegacia.

A defesa aponta, ainda, inconsistências nos reconhecimentos, já que há diferenças entre os números de pessoas que estariam ao lado de Geovane no momento. Na versão do jovem, ele foi colocado em uma sala com outros dois homens, sendo um deles o delegado.

“Quando reconheceu foi só ele com um fardado e um de terno. A pessoa vai falar que foi o delegado? Que foi o fardado? Não vai falar. O Geovane tem tatuagem, usa corrente, usa brinco, tudo ‘puxando’ para um bandido, porque bandido ostenta, eles falam.”

“Nos assaltos tinha mais gente, três ou quatro, e só pegaram o Geovane. Quando vieram na casa ainda chegaram metendo o pé na porta, buscando carro, peças, e não acharam nada”, relata Laurilane.

Para a advogada, o procedimento de reconhecimento foi equivocado e inconstitucional. “Colocar alguém malvestido e algemado ao lado de alguém alinhado, até mesmo com arma na cintura…Infelizmente o reconhecimento sequer existe nos autos”, explica.

A advogada também aponta falhas na investigação, como o não rastreamento dos sete cheques roubados das vítimas.

’Ele sempre trabalhou’, diz mãe

“Do primeiro assalto ele teve que sair de dentro da empresa para poder fazer o depoimento. Ele foi de uniforme, tava trabalhando. Ele sempre trabalhou. A carteira dele está aqui, toda registrada, e quem tem força de vontade e coragem de trabalhar não precisa roubar”, declara a mãe de Geovane, Miula.

“Ele tem cinco registros na carteira, nunca teve passagem, não usa droga, é réu primário”, reforça a esposa. Segundo ela, o advogado anterior do jovem tranquilizou a família em relação ao segundo assalto.

“Ele estava respondendo em liberdade. Quando começaram as audiências eu fui com ele, tinha a minha neném pequenininha. O advogado falou ‘Você tem que se preocupar com o primeiro assalto’, porque o segundo ele estava na delegacia mais ou menos na hora”, relembra Laurilane.  

“Eu tenho uma neném de três meses. Eu não trabalho, pago aluguel, não tenho como sustentar a casa. Eles pegam o Geovane e levam como bandido?”, questiona Laurilane, emocionada.

“Nunca pensei que ia passar por isso. Se a gente fica com uma pessoa que é bandido a gente sabe que uma hora faz, mas ele não é”.

Polícia diz que investiga denúncias sobre reconhecimento

A reportagem questionou a Polícia Civil sobre os reconhecimentos nos casos envolvendo Geovane e, de uma forma geral, como a instituição atua para garantir os procedimentos de acordo com o previsto no Código Penal e outras resoluções.

Em resposta, recebeu a seguinte nota:

“Prezando pela eficiência da investigação, a PCPR segue a Resolução do CNJ n. 484 de 19/12/2022 e o provimento expedido pela CGPC (Corregedoria Geral da PC) do Paraná na matéria atinente ao reconhecimento de pessoas. A Corregedoria apura todos os casos que são denunciados e ressalta que todas as diretrizes devem ser cumpridas obrigatoriamente por todos os servidores.”

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A Lume também fez contato com a 4ª Vara Criminal de Londrina pedindo esclarecimentos sobre a investigação do caso. Na resposta, o escrivão da vara afirma não conhecer o teor da revisão criminal.

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Publicada originalmente na Rede Lume

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