Segundo Marcelo Pimentel, decisão pode ajudar no debate sobre militares e segurança púbica: “Por que um comandante bota um tenente mal preparado na rua, com munição real, viaturas e comandando homens no meio do povo?”
A condenação de um tenente, um sargento, um cabo e cinco soldados pela morte do músico Evaldo Rosa e do catador de recicláveis Luciano Macedo, mortos em 7 de abril de 2019 com mais de 80 tiros, não foi uma punição ao Exército Brasileiro, tampouco um julgamento das Forças Armadas, diz o mestre em ciências militares e coronel reformado Marcelo Pimentel. Para ele, a discussão tem que ir além do resultado do tribunal militar, mas questionar que tipo de treinamento é dado dentro dos quartéis para que episódios como esse não voltem a se repetir.
“O que está sendo chamado tribunal militar na verdade é a 1ª Circunscrição Judiciária Militar, também conhecida como Auditoria de Justiça Militar, sediada no Rio de Janeiro. Não é o Exército julgando aquele tenente. As Forças Armadas não julgam crimes, mas atos disciplinares. Quem julga esses crimes é o Conselho Permanente de Justiça, que é formado por quatro oficiais, que são trocados a cada três meses, um um juiz togado civil concursado”, explica Pimentel.
Diferentemente de algumas análises que colocam a sentença para os militares como algo inédito e histórico, o coronel avalia que é comum militares serem punidos em cortes da caserna, ainda mais quando os julgados têm baixa patente. “Não é uma exceção o que ocorreu nesse julgamento. Existe condenação de militares todo santo dia, tanto em homicídios como em outros crimes”, declara.
Por três votos a favor da condenação e dois contra, o conselho sentenciou o tentente Ítalo da Silva Nunes, que chefiava a operação, a cumprir 31 anos e seis meses de prisão por duplo homicídio e tentativa de homicídio. O sargento Fábio Henrique Souza Braz, o cabo Leonardo Oliveira, o soldado Gabriel Christian Honorato, o soldado Matheus Sant’Ana, o soldado Marlon Conceição, o soldado João Lucas Costa Gonçalo e o soldado Gabriel da Silva de Barros foram condenados a 28 anos de prisão.
Quatro outros militares foram absolvidos por não terem disparado contra o carro onde estava Evaldo Rosa e a sua família. Todos os condenados ficarão em liberdade esperando a decisão final do Superior Tribunal Militar.
Marcelo Pimentel já esperava pela condenação dos envolvidos, tamanha foi a repercussão do caso e, mesmo passados dois anos e meio para o julgamento, ele avalia que o processo foi rápido. “Quando comparamos com a Justiça comum acreditamos que foi um processo ágil. A Justiça Militar é célere porque são poucos os casos. Também não é inédito, nem extraordinário, que um julgamento como esse tenha demorado esse tempo.”
O fato de os acusados serem de militares de baixa patente também é colocado por Pimentel como um fator para a agilidade do processo. Na opinião dele, talvez o caso não teria sido julgado agora caso fossem oficiais das Forças Armadas que estivessem no banco dos reús. “Eles não são oficiais de carreira que possam comprometer uma instituição como a Aman (Academia Militar das Agulhas Negras), por exemplo”.
Para além da condenação, Marcelo Pimentel acredita que deve existir uma discussão séria na sociedade sobre a formação desses militares que vão para as ruas em situações como a que vitimou Evaldo e Luciano.
“A responsabilidade pela má preparação do tenente e da guarnição que ele chefiava é uma aspecto que foge do âmbito criminal, mas é da administração militar. Por que um comandante bota um tenente mal preparado na rua, com munição real, viaturas e comandando homens no meio do povo? Tem que preparar ele melhor. Acho que é isso que devemos discutir.”
“Outra coisa que devíamos discutir são protocolos utilizados em situações de como aconteceu esse crime. Provavelmente este tenente descumpriu esse protocolo operacional padrão. Eu não sei qual era a orientação que foi dada.”