Coronel Marcelino Fernandes afirma que procedimento é padrão ‘se houver fundada suspeita’, mas cobra justificativa; ouvidor vê indícios de ilegalidade na abordagem
A Corregedoria da Polícia Militar do Estado de São Paulo quer que os policiais militares que abordaram e revistaram mochilas de crianças na região do Butantã, zona oeste de São Paulo, justifiquem a conduta. Em nota divulgada ontem, a PM, através da SSP (Secretaria da Segurança Pública), defendeu a ação com a justificativa de que “criminosos utilizam crianças para esconder armas e produtos de crime”. Além do órgão interno que apura eventuais falhas de conduta da corporação, a Ouvidoria das Polícias do estado instaurou procedimento para avaliar a ação porque, para Benedito Mariano, “indícios de ferir o ECA (Estatuto da Criança e do Adolescente)”.
Em vídeo obtido pela Ponte, dois PMs de uma viatura da Ronda Escolar abordam três crianças próximo da Escola Estadual Professor Emygdio de Barros, na Avenida Nossa Senhora de Assunção. Um policial revista a mochila dos garotos, enquanto o outro dá cobertura. Os PMs pertencem a 4ª Cia do 23º BPM, que atua nesta região, entre Vila Butantã e Rio Pequeno.
Embora afirme que revistar crianças é exceção, o corregedor da PM, Coronel Marcelino Fernandes, explica que o procedimento de abordar uma pessoa é padrão em caso de “fundada suspeita”. Ainda assim, o corregedor quer saber quais as causas levaram os PMs a fazer a abordagem.
“Tem que ouvir os PMs e ver o que os levou a fazerem isso, pois é exceção. Se houver fundada suspeita, sim [é correto], com o respeito ao ECA”, explicou o coronel “Em 2016, em uma ETEC da zona norte, adolescentes levavam na mochila drogas para os traficantes para dentro do colégio. Palavras da diretora à época”, exemplificou.
Coronel Marcelino pediu explicações ao batalhão no qual os PMs trabalham para apontar os motivos da revista, um procedimento “de ofício” quando não há denúncias formais de possíveis abusos cometidos. “O princípio que rege condutas de exceção é o da razoabilidade”, explicou, sobre a abordagem.
Indícios de abordagem ilegal
A Ouvidoria das Polícias de São Paulo estranhou a ação dos PMs e quer explicações, já que considerou “abusiva” a abordagem e revista das crianças. “Vou instaurar procedimento hoje [segunda-feira, 12/11] e enviar à Corregedoria da PM. Vamos acompanhar a apuração, recebi as imagens no fim de semana”, explicou o ouvidor das polícias de São Paulo, Benedito Mariano.
Segundo Mariano, o vídeo aponta abusos praticados pelos policiais. “Vejo com estranheza a abordagem da PM. Há indícios de ferir o ECA (Estatuto da Criança e do Adolescente), razão pela qual vamos instaurar procedimento para apurar a abordagem ilegal”, justificou.
O conselheiro tutelar Gledison Silva Deziato afirma que esse tipo de prática é rotineira no bairro onde as crianças foram abordadas. “São crianças pobres, negras, periféricas. A região é de um contraste imenso. Você tem alto padrão, classe média e as favelas. Tudo muito perto. Então você tem uma criança ou adolescente da favela circulando, a polícia aborda mesmo”, explicou.
A Ponte solicitou posicionamento e análise da abordagem para o comandante da PM, coronel Marcelo Vieira Salles, por mensagens e não obteve respostas. Em telefonema na manhã desta segunda-feira (12/11), a assessoria de imprensa da PM, através da assessoria da SSP, a In Press, explicou que o vídeo retrata “adolescentes de 14 anos e não crianças”.
Horas depois a corporação enviou nota com mesmo conteúdo da resposta oficial enviada no domingo (11/11), dizendo que a PM está “indignada” com criminosos “usando crianças”. Contudo, não apontou se a revista registrada no vídeo fez valer a “fundada suspeita” ou se respeitou o ECA.
“A Polícia Militar também vê com tristeza e indignação que criminosos utilizem crianças para esconder armas e produtos de crime. Porém, conforme mostrado nas imagens, os policiais estão apenas verificando o conteúdo de uma mochila, infelizmente, muitos objetos que são roubados são encontrados com crianças e adolescentes”, diz a PM, em nota.