Criticada no trabalho por seu cabelo, Luanna foi condenada a indenizar empresa

    Justiça considerou que Luanna Teofillo difamou a empresa PR Newswire ao contar nas redes sociais que uma chefe disse ‘tira isso’ ao ver suas tranças

    Luanna (à esq.) relembra caso vivido na empresa e detalha processos | Foto: Divulgação/Montagem

    Luanna Teofillo, 39 anos, trabalhava como executiva comercial da empresa PR Newswire, multinacional que atua na área de comunicação, marketing e distribuição de conteúdo, em 2016. Em um dia de outubro, chegou ao local de trabalho com tranças no cabelo. A reação imediata de sua chefe, a diretora Thais Antoniolli, a assustou: “Tira isso”, foi a frase repetida três vezes. Luanna sentiu na hora ter sido vítima de racismo. Passados quatro anos, a funcionária não só perdeu processo por racismo na Justiça como foi condenada a pagar indenização de R$ 15 mil à antiga empresa.

    A alegação da diretora era de que o comentário era meramente estético, não tinha nenhuma conotação racial. Luanna discorda e lutou internamente para evidenciar a discriminação que aponta.

    Segundo ela, a empresa fez reuniões sobre o episódio, mas sem discutir o comportamento racista da diretora, como define. “Depois do fato ela começou a me perseguir em situações absurdas e vexatórias. Eu denunciei para a área de recursos humanos da empresa e disseram que não aconteceu nada”, explica à Ponte.

    A funcionária ainda estava em período de experiência, válido por três meses. Depois do caso, teve o contrato encerrado no mesmo mês. A argumentação da empresa é de que o motivo seria baixa produtividade, o que ela contesta. Afirma que foi demitida por não se calar diante do racismo.

    Luanna criou uma página na rede social Facebook, chamada #TiraIsso, para denunciar crimes de racismo em ambientes de trabalho. Nenhum nome de empresa era divulgado. “As pessoas contavam as histórias e mandavam suas fotos”, resume.

    Ainda assim, a PR Newswire e a diretora Thais Antoniolli questionaram na Justiça o que consideraram uma campanha difamatória contra a empresa e a diretora. “Desde 2016, pago advogado mensalmente para me defender de ações. Eles me processaram nos juízos trabalhistas e na Justiça comum”, afirma.

    A tentativa não prosperou na Justiça comum, com Thais cobrando danos morais de Luanna por difamá-la. A Justiça evocou a liberdade de expressão para defender em ambiente online as denúncias de crimes raciais.

    Para o juiz Guilherme Ferfoglia Gomes Dias, a ação de danos morais cobrada por Thais não cabia. “Ademais, apesar dos contornos dados pela requerida, as postagens não possuem cunho ofensivo dirigido à autora ou à empresa”, decidiu.

    No entanto, a PR Newswire também moveu um processo, dessa vez na Justiça do trabalho. Ali, obteve êxito. Para a juíza Isabel Cristina Gomes, Luanna cometeu crime ao imputar uma prática preconceituosa à PR nas redes sociais.

    Isso se deu em publicações nas redes sociais, uma delas no dia 16 de julho de 2019, no LinkedIn, quando disse que foi discriminada quando trabalhava na empresa. A juíza afirma que, apesar de minutos depois Luanna ter retirado às menções à PR Newswire, “é certo que efetivamente o fez e não há negativa nisso”.

    Assim, condenou Luanna a pagar R$ 15.184,63, incluindo danos morais e custos advocatícios. Antes, ela tinha direito à justiça gratuita por estar desempregada, o que se encerrou ao conseguir um novo emprego. Dessa forma, terá de pagar o valor à empresa.

    Isso porque os desembargadores Rovirso Aparecido Bolso, relator do caso, Silvia Almeida Prado Andreoni e Adalberto Martins mantiveram a sentença quando analisaram o caso em segunda instância. Assim, a funcionária terá de pagar R$ 12 mil por danos morais e outros valores por juros e honorários advocatícios.

    Passados quatro anos, a mulher negra luta para evidenciar casos de racismo em ambientes de trabalho. Ela é criadora da empresa Doorbell Ventures, que atua em mídias sociais para desenvolver negócios digitais e culturais.

    Além disso, é diretora-executiva do Painel Bap, plataforma onde pessoas participam de pesquisas de mercado online e são recompensadas com dinheiro, produtos e serviços fornecido por empreendedores negros.

    Luanna ainda tem uma coluna no portal Hysteria, onde escreve sobre diversas temáticas raciais, e ainda repassa adiante seu caso como forma de denunciar a discriminação contra empregados negros.

    A reportagem ouviu a advogada Priscila Pâmela Santos, associada ao IDDD (Instituto de Defesa do Direito à Defesa). Para ela, o episódio reafirma a visão de que pessoas brancas possuem direitos, enquanto pessoas negras só devem cumprir deveres na sociedade.

    O fato de haver depoimento de outros funcionários no processo, segundo Priscila, é uma forma de a empresa fazer pressão e diminuir as evidências de uma possível prática racista. “A pessoa não vai depor contra a empresa, ela pode perder emprego, não faz sentido. O poder econômico prevalece”, comenta. “Pode gravar, mostrar o que aconteceu e o Judiciário vai propagar e reproduzir o racismo, ainda que de forma indireta”.

    A Ponte questionou a PR Newswire sobre o caso denunciado por Luanna e as decisões judiciais e aguarda um posicionamento.

    ATUALIZAÇÃO: esta reportagem foi retirada do ar em 22 de dezembro de 2020 por ordem do desembargador Piva Rodrigues do TJ-SP nos autos da apelação 1126794-84.2016.8.26.0100. Em decisão proferida no dia 25 de março de 2021, o ministro do Supremo Tribunal Federal Luís Eduardo Barroso retirou a censura e a reportagem pôde voltar ao ar.

    Correções

    ATUALIZAÇÃO: esta reportagem foi retirada do ar em 22 de dezembro de 2020 por ordem do desembargador Piva Rodrigues do TJ-SP nos autos da apelação 1126794-84.2016.8.26.0100. Em decisão proferida no dia 25 de março de 2021, o ministro do Supremo Tribunal Federal Luís Eduardo Barroso retirou a censura e a reportagem pôde voltar ao ar.

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