Datena quer mais fuzis para GCM e tolerância zero com drogas

Tucano propõe que a guarda atue como “polícia municipal militarizada”, critica especialista: ex-apresentador reafirma opiniões típicas do populismo penal

José Luiz Datena | Foto: Mario Palhares/Divulgação

José Luiz Datena (PSDB) aposta no populismo penal — concepção de segurança pública que se baseia no clamor público e acredita que os problemas da área podem ser resolvidos com punições mais severas ou a edição de leis mais duras — que o fez famoso na TV em suas propostas para a prefeitura de São Paulo. É o que avaliam os especialistas ouvidos pela Ponte sobre o programa de governo do candidato tucano. Datena promete uma Guarda Civil Metropolitana (GCM) com mais armas letais e poder de polícia — atuando até mesmo na investigação. O candidato promete “não dar moleza para vagabundos”, mas traz à cena medidas tidas como ineficazes por pesquisadores ouvidos pela reportagem.

A Ponte analisou os planos de governo dos cinco candidatos mais bem colocados nas pesquisas eleitorais. Foram consultados especialistas que analisaram as propostas dos candidatos para as áreas de segurança pública, políticas públicas para pessoas em situação de rua e direitos humanos, além de ações previstas para a região de cena aberta de uso de drogas, conhecida como “Cracolândia”.

Leia a análise dos planos de governo dos demais candidatos à prefeitura de São Paulo

O plano de Datena e do vice José Anibal (PSDB) é intitulado de “Pra mudar SP”. “Menos bandidos na rua, mais espaço livre para o cidadão ter sua cidade de volta”, é um dos lemas que aparece no texto. De modo geral, as propostas foram definidas como genéricas pelos especialistas. Não há detalhamento sobre o que será colocado em prática. Todas as áreas têm propostas vinculadas à segurança pública, o que não é exclusividade do programa de governo de Datena. Os planos dos cinco mais bem colocados nas pesquisas escolheram a área como norte.

Datena, por exemplo, trata a questão nas ações de zeladoria, como a iluminação de ruas, “crucial para o êxito das estratégias de combate ao crime”, diz o texto. O candidato também promete guardas municipais fazendo rondas nas escolas e a ampliação da Patrulha Maria da Penha, serviço que acompanha mulheres vítimas de violência.

Leia mais: O guarda virou caveira: como a GCM se militarizou para exercer papel de polícia

Para a GCM a promessa é que ela passe a ter poder de polícia, com serviço de inteligência e investigação e atuação no apoio ao policiamento da Polícia Militar, mesmo que sua função constitucional não seja essa. O candidato quer ainda que guardas tenham treinamento à altura das demais forças policiais.

No plano, Datena promete ampliar o efetivo, mas não especifica o número de novas contratações. Em entrevista à GloboNews no último dia 30, o candidato chegou a dizer que dobraria o efetivo — que hoje é de cerca de 7 mil agentes —, para em seguida condicionar a contratação à verba que estiver disponível.

Leia a íntegra do plano de governo de José Luiz Datena

Para Acácio Augusto, professor do departamento de Relações Internacionais da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp) e coordenador do Laboratório de Análise de Segurança Internacional e Tecnologias de Monitoramento (LASInTec), a ideia corrobora a percepção comum de que segurança pública é sinônimo de ampliação do efetivo policial.

O pesquisador diz que a GCM na capital paulista tem tentado mimetizar a Polícia Militar. Ele cita como exemplo batalhões especiais da guarda que usam nome e uniformes parecidos com os das Rondas Ostensivas Tobias Aguiar (ROTA), a tropa de elite da polícia de São Paulo.

Cristina Neme, coordenadora de projetos do Instituto Sou da Paz, corrobora a crítica. A especialista afirma que a equiparação da função da guarda com a polícia distancia o serviço dos agentes de sua função constitucional. “Ele [Datena] força a barra”, critica.

A Constituição diz que os municípios podem constituir guardas destinadas à proteção de seus bens, serviços e instalações. Em agosto do ano passado, porém, o Supremo Tribunal Federal (STF) reconheceu as guardas como órgãos de segurança pública. Luiz Flavio Sapori, do Fonte Segura, publicou artigo na Ponte explicando que, apesar da decisão, não está claro o limite de atuação da GCM em relação à polícia. “A situação é terreno fértil para GCMs pautadas na repressão”, escreveu Luiz Flávio.

Mais armas, pouca transparência

Na mesma entrevista à GloboNews, Datena disse querer mais fuzis para os agentes. O armamento já é usado parcialmente pela corporação. Cristina, do Sou da Paz, rejeita a proposta. Ela afirma que o papel da guarda tem caráter comunitário, de prevenção. O esperado para a atuação dos agentes, defende, não é que eles reproduzam outra força policial. Para Acácio, a ação aproxima mais ainda a ideia de mimetizar a PM. “A relação de combate é muito clara”, diz. 

Adilson Paes de Souza, pesquisador em segurança pública e pós-doutorando em psicologia social no Instituto de Psicologia da Universidade de São Paulo (IPUSP), diz que Datena quer “uma polícia municipal militarizada”. Esse desenho não é exclusivo do candidato e está presente também nos planos de candidatos tão díspares quanto Boulos, Nunes e Tabata.

O pesquisador destaca que nenhum dos planos faz críticas ao modelo da GCM, “como se tudo estivesse funcionando bem”, diz. “Basta ver a atuação da guarda na Cracolândia para saber que tem alguma coisa errada”, completa.

No início de agosto, agentes da guarda foram presos por suspeita de participação em milícias na região da Cracolândia. Segundo o Ministério Público de São Paulo (MP-SP), o grupo extorquia comerciantes da região.

Adilson diz que a falta de transparência e o controle da Guarda são exemplos de problemas que não foram abordados por nenhum dos quatro candidatos. Sequer são feitas menções à Corregedoria e à Ouvidoria da GCM em nenhum dos planos analisados.

As câmeras corporais, propostas por Datena e os demais, não são elementos suficientes de transparência, sustenta o pesquisador. Para Adilson, há uma confusão nas propostas ao atrelar uma coisa à outra sem outras proposições. “Você não pode reduzir a transparência de uma instituição a um equipamento”, resume.

Noticiário policial 

Os especialistas também criticaram as propostas de Datena para a região da “Cracolândia“. O plano de governo fala em “tolerância zero” para as drogas. O slogan, diz Acácio, lembra as opiniões dadas pelo candidato enquanto apresentador do noticiário policial. 

Datena propõe o estabelecimento de parcerias com os governos estadual e federal “para acabar com as cracolândias espalhadas pela cidade”. O combate ao uso de drogas é descrito com ações de educação e tratamento químico dos dependentes. Para Acácio, a visão é limitada. 

O pesquisador argumenta que quaisquer ações para essa população devem considerar, principalmente, a pobreza à qual elas estão submetidas: estratégias de acolhimento, assistência, atendimento médico, moradia e alimentação digna.

Com relação às pessoas em situação de rua, a proposta de Datena é focada no fortalecimento do convívio, no resgate de laços familiares e na reinserção social e profissional. Contudo, o programa não explica de que forma isso ocorreria. 

Cristina defende que as abordagens a pessoas nestas condições não podem ser pautadas pela repressão e pelo punitivismo. O combate ao tráfico de drogas, que está atrelado ao uso, deve ser feito, mas a repressão policial não é papel da administração municipal. “A proposta é demagógica, ilusória”, afirma ela. 

Cidade antirracista?

O programa de Datena promete transformar São Paulo numa capital antirracista e diversa. Para isso, afirma o texto, o candidato vai priorizar empresas que cumpram a lei de cotas na contratação de fornecedores para a prefeitura. Outro ponto defendido é o cumprimento da lei 10.639/2003, que estabelece o ensino obrigatório de história e cultura afro-brasileira nas escolas municipais. Também promete políticas de educação e saúde dedicadas à população LGBTQIA+.

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No entanto, não fica claro como tal agenda poderia se afirmar no contexto “linha dura” da política de segurança proposta por Datena. Dina Alves, ativista e advogada, afirma que as questões de raça, gênero e sexualidade em geral ficaram no rodapé dos planos de governo dos candidatos. Ela critica o fato de que essas pautas apareçam sempre separadas das demais, como se interessassem a um nicho específico apenas.

“Não é possível falar do acesso à cidade, à saúde, à segurança pública, à segurança alimentar, à educação, sem falar em raça e racismo”, defende Dina.

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