Defesa aponta ‘estratégia’ e não explica questionamento, no 2º dia de julgamento do PM Victor Cristilder, acusado de participar da maior chacina de SP
“O senhor sabe se a sua filha se relacionava com alguém ligada ao crime?”. A pergunta foi feita pela defesa do PM Victor Cristilder Silva dos Santos ao pai de Letícia Vieira Hillebrand da Silva, morta aos 15 anos por uma bala perdida disparada na maior chacina da história de São Paulo. Em agosto de 2015, 23 pessoas morreram em Osasco, Carapicuiba, Barueri e Itapevi, na Grande SP. Cristilder está sendo julgado acusado de participar em 17 dessas mortes.
Gilberto Gonçalves da Silva, pai de Letícia, contou que, em 13 de agosto daquela ano, a adolescente caminhava rumo à casa de uma amiga quando dois homens desceram de um carro e, ao atirar contra um homem no outro lado da rua, a jovem acabou atingida. Após 12 dias internada, sua filha morreu.
Emocionado, Gilberto precisou de pausas ao longo do depoimento para tomar água. “Perguntei na vizinhança toda pra ver se sabiam de alguma coisa”, relembrou. Na hora das perguntas, o advogado de defesa, João Carlos Campanini, perguntou se Letícia era uma “pessoa de bem” e se havia namorado alguém envolvido com o crime.
“Não”, respondeu Gonçalves, enfático.
“É uma técnica de defesa que não posso falar à imprensa nesse momento pra não prejudicar os trabalhos”, limitou-se a explicar o defensor, ao ser questionado pelos jornalista no fim do dia.
“Morreu aos meus pés”
O segundo dia de júri também teve relato de um dos sobreviventes dos ataques. “Eu estava no fundo do bar quando ouvi os tiros. Fui atingido nas costas e me joguei pra parte que estava em obras. Um outro que estava lá dentro tentou escalar o muro, mas tinha sido baleado. Uma das vítimas morreu nos meus pés”, contou.
O sobrevivente relatou ter ouvido duas rajadas de tiros e visto um homem alto, de touca ninja, vestindo uma blusa volumosa. Com luva de lã, disparou com uma pistola. “Todos que estavam comigo morreram. Tenho pontos estourados até hoje”, conta, sobre quem estava aquele dia no Bar do Juvenal, onde oito pessoas morreram e duas ficaram feridas – o outro sobrevivente falou no primeiro dia do júri.
Atingido nas costas na altura da barriga, ele recebeu 80 pontos em cirurgia e disse ter ido sozinho de carro até o hospital para ter socorro médico. O sobrevivente estranhou a ação, ocorrida um dia após a morte do GCM (Guarda Civil Metropolitano) Jeferson Luiz Rodrigues da Silva. “Os dois caras que mataram ele tinham sido presos no dia do crime. Naquele dia, não vi nenhuma viatura da GCM nem da PM no bairro e sempre tinha, era comum”, continua.
Em seguida, foi a vez de Zilda Maria de Paula, mãe de Luiz Fernando de Paula da Silva, falar. “Ouvi barulho, pensei que eram fogos. Foi quando me chamaram e já pediram pra eu pegar os documentos porque meu filho tinha sido baleado. Quando cheguei no PS, vi o Fernando morto. Acertaram um tiro na testa, foi execução”, conta.
Zilda fundou a associação 13 de Agosto, que auxilia familiares das 23 vítimas. Fernando era seu único filho, nascido após ela sofrer quatro abortos espontâneos. “Não vou deixar essas mortes em vão”, diz. Hoje, ela mora com sete cachorros, seus companheiros. “Agora, quando morre um PM todo mundo fala: ‘Aguarde’. E não dá mole na rua’, continua.
Primeiras testemunhas de defesa
Após os responsáveis pelas três investigações, sobrevivente e familiares darem suas versões, o júri ouviu as primeiras testemunhas de defesa. Quatro policiais que trabalhavam com Cristilder nos dias dos ataques apontaram que ele estaria em serviço na hora dos crimes. Garantiram que, caso fosse o contrário, eles obrigatoriamente saberiam.
“Ele estava em minha viatura no dia 8, fomos ao velório de um PM. Após isso, chegamos às 2h no batalhão, falei pro meu pessoal redobrar o cuidado. Como são policiais muito sensíveis, sentem esses casos de mortos, preferi dar essa fala a eles”, disse o tenente Luís Alberto Balsa, superior direto de Victor. Outros dois ex-chefes do PM, um coronel reformado do exército e um vendedor de galinhas também foram ouvidos.
A defesa arrolou a mãe de umas das vítimas, que não reconheceu o policial e disse não saber informar o nome de nenhum amigo do filho. Esta vítima estava ao lado da testemunha protegida Beta, que liga Cristilder ao GCM Sérgio Manhanhã, condenado em setembro do ano passado por 17 mortes da chacina.
O primeiro advogado do policial militar neste processo, Charles dos Santos Cabral Rocha, também entrou como testemunha. Ele participou dos reconhecimentos feitos por Beta. À época, Rocha era funcionário do atual escritório que defende Cristilder. Após deixar o processo, virou funcionário da empresa de advocacia de Flávia Artilheiro, advogada de Fabrício Eleutério, um dos dois PMs condenados no julgamento de 2017.
O 4º réu
O PM Victor Cristilder é acusado por participar de 17 das 23 mortes ocorridas na maior chacina da história paulista. Em setembro do ano passado, outros três acusados foram condenados a mais de 600 anos – somadas as penas.
O processo de Cristilder acabou desmembrado por falta de documentos na fase final do processo. Somente da semana passada para esta, o advogado que o defende incluiu oito mil páginas no processo, de acordo com a promotoria.
Os policias militares Fabrício Eleutério e Thiago Henklain e o GCM de Barueri Sérgio Manhanhã foram considerados culpados por 17 dos 23 assassinatos ocorridos entre os dias 8 e 13 daquele mês. Fabrício pegou 255 anos, 7 meses e 10 dias; Thiago, 247 anos, 7 meses e 10 dias; Sergio, 100 anos e 10 meses. Todos cumprem as penas em regime fechado.