Ivan Sartori, que votou pela absolvição dos 74 PMs condenados pelo Massacre do Carandiru, sugere que a imprensa e que organizações de Direitos Humanos são financiadas pelo crime organizado
Relator do processo que anulou os julgamentos que condenavam 74 PMs pelos 111 homens mortos no Massacre do Carandiru, em 2 de outubro de 1992, Ivan Ricardo Garidio Sartori deu a entender, em um texto divulgado em sua página no Facebook, que a imprensa e organizações de Direitos Humanos poderiam ser financiadas por dinheiro do crime organizado.
“Diante da cobertura tendenciosa da imprensa sobre o caso Carandiru, fico me perguntando se não há dinheiro do crime organizado financiando parte dela, assim como boa parte das autodenominadas organizações de direitos humanos”, afirmou o magistrado. Em seu voto, no processo da anulação dos júris, ele sugeriu que todos os PMs fossem absolvidos, sob o argumento de que os presos estavam armados e que os policiais agiram em legítima defesa.
“A Justiça não pode fazer milagre quando lhe é apresentado um trabalho acusatório absolutamente falho. Que pode algum assassino ter agido ali no meio dos policiais, não se nega. Eu sempre ressalvei isso. Mas, qual é ou são eles? Esse o problema”, se justifica em sua rede social. “O Ministério Público não individualizou. Preferiu denunciar de ‘baciada’, como disse um dos julgadores”, complementou.
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A reportagem da Ponte Jornalismo entrou em contato com Ivan Sartori, no último dia 29 de setembro, para que ele pudesse falar sobre o processo. Ele afirmou estava “impedido” de se pronunciar. “Não posso. Lei orgânica não permite. Pegue minha decisão no site do TJ-SP. Fica para outra vez”, disse.
De acordo com a lei orgânica, magistrados não podem se “manifestar, por qualquer meio de comunicação, opinião sobre processo pendente de julgamento, seu ou de outrem, ou juízo depreciativo sobre despachos, votos ou sentenças, de órgãos judiciais, ressalvada a crítica nos autos e em obras técnicas ou no exercício do magistério”.
A assessoria de imprensa do tribunal afirmou, também, que um dos motivos pelos quais o juiz não pode conceder entrevista é que, dependendo do que for informado por ele, uma das partes envolvidas pode exigir que ele se retire do processo.
Ao justificar seu voto contrário às condenações e sugerindo as absolvições dos condenados, Sartori relembra o que ocorreu naquele 2 de outubro. “Por volta das 11h, o então diretor José Ismael Pedrosa foi cientificado por funcionários de que havia eclodido um conflito entre presos do Pavilhão 9, que teve início com uma briga envolvendo os detentos Luiz Tavares de Azevedo, vulgo “Coelho”, e Antonio Luiz Nascimento, vulgo “Barba””, escreveu.
“Gerou um acirramento de ânimos, verificando-se tumulto generalizado entre os grupos de presos, quando se alinharam, de um lado, os partidários de “Barba” e, de outro, os de “Coelho”. Agentes penitenciários foram acionados, tendo sido, contudo, expulsos do 1º andar, onde se aglomeravam os rixosos”, diz.
Assim, o diretor acionou a Polícia Militar. “O coronel Ubiratan Guimarães determinou a mobilização dos Batalhões de Choque e do Grupamento de Polícia de Operações Especiais. Após reunião “in loco” e conversação telefônica com o então secretário da Segurança Pública, Cel. Ubiratan entendeu pela necessidade de invasão do pavilhão pela PM com vistas ao restabelecimento da ordem no local”.
O desembargador afirma que os PMs envolvidos disseram que, ao entrarem na prisão, já viram detentos mortos no chão. E que a “escuridão, fumaça, chão úmido e escorregadio dificultavam a ação policial”. De acordo com os policiais, o barulho era ensurdecedor e alguns presos, aidéticos, “praticavam atos para infectá-los com sangue”. E continua, com base em argumentos utilizados pelos policiais: “ao atingirem o piso dos pavimentos, as tropas foram recebidas a tiros pelos detentos, razão pela qual atiraram em revide à agressões que recebiam”.
Em contraponto, Sartori afirmou que “as vítimas, por sua vez, de um modo geral, disseram que não ofereceram qualquer resistência e que os policiais já entraram atirando”. Para isso, ele utilizou e citou o nome de três sobreviventes do Massacre do Carandiru.
No fim, ele afirma que as “versões apresentadas pelos detentos ofendidos parecem fantasiosas, não encontrando apoio no conjunto probatório”. O desembargador argumenta que um dos presos relatou que um policial matou muita gente com uma marreta e que, depois, jogou os corpos no poço do elevador, o que não foi constatado na perícia.
A conclusão de Ivan Sartori é de que “parece que, antes da entrada os policiais, já havia detentos mortos e arma no local, inclusive porque já se ouviam tiros no interior do pavilhão”. Ele cita que a perícia concluiu que não houve disparos de arma de fogo em sentidos opostos, “entretanto, o fato é que vários foram os policiais feridos por arma de fogo, sem falar nos coletes e escudos, também alvejados”.
Ele também relata que foram apreendidas 13 armas de fogo e mais de 500 armas brancas. “Detentos que entregaram saíram ilesos. 2 mil foram rendidos”, afirma em seu voto o desembargador. “Merece exame mais acurado, então, a alegação acusatória de que os réus tinham a intenção de praticar um massacre”, afirmou. “Chegou-se à conclusão de que houve excesso, porém, sem a possibilidade de identificar quem se excedeu”, conclui.