‘Desvalorização da vida’: especialistas questionam ação da PM que matou MC Neguinho JM

Coronel da reserva e pesquisadora forense analisaram trechos do boletim de ocorrência e imagens de câmera de segurança para avaliar atuação dos policiais na morte do músico: “colocaram em risco a vida de outras pessoas”

MC Neguinho JM | Foto: Divulgação

Pelo menos onze policiais militares correm atrás de um moto com dois homens e disparam catorze tiros em uma área de grande fluxo de pessoas devido ao comércio local. Na ação, o jovem que conduz o veículo é morto, o garupa baleado e uma adolescente que passava pela rua também é atingida pelos tiros. 

Toda esta cena ocorreu no final da manhã do último sábado (2/7), na Rua Marechal João Carlos Barreto, no Jardim Maria Sampaio, região do Campo Limpo, zona sul da cidade de São Paulo. O jovem morto é David Meirelles Miranda, o MC Neguinho JM, funkeiro que tinha como seu maior sucesso a música “Um Piloto e Um Garupa”. 

À pedido da Ponte, especialistas analisaram a ação da Polícia Militar de São Paulo com base nas imagens feitas por uma câmera de segurança instalada na rua e em trechos do boletim de ocorrência registrado no dia do assassinato do músico pelo Departamento de Homicídios de Proteção à Pessoa (DHPP) da Polícia Civil de São Paulo.

Para o coronel da reserva da PM de São Paulo e ex-Secretário Nacional de Segurança Pública José Vicente da Silva Filho, há uma série de fatos que precisam ser esclarecidos durante a investigação do caso. Segundo o militar, se os rapazes que estavam na moto não ofereciam perigo aos policiais no momento da perseguição, os disparos deveriam ser evitados.

“Os tiros foram dados quando os suspeitos fugiam? E, nesse caso, não ofereciam perigo iminente e objetivo aos policiais? Não há base legal para atirar em criminosos que estejam fugindo”, afirma José Vicente.

A pesquisadora do Centro de Antropologia e Arqueologia Forense da Universidade Federal de São Paulo (Caaf/Unifesp) Desiree de Lemos Azevedo, defende que não há como os policiais alegarem que agiram em legítima defesa, pois as imagens mostram que eles atuaram em grupo e efetuaram os disparos com o objetivo de acertar a dupla que estava na moto.

“O que a gente vê são dois jovens que estão fugindo dos policiais que atiram com a intenção de matar, e conseguem matar um deles, colocando em risco a vida de diversas pessoas que estão ali no entorno. Me parece difícil chamar isso de uma ação atrapalhada, porque é uma ação consciente que tem como pano de fundo uma desvalorização geral da vida”, analisa a pesquisadora.

Nos trechos do boletim de ocorrência que a Ponte teve acesso, não constam os nomes dos policiais que participaram da perseguição do MC Neguinho JM e de Jeferson Fernando da Silva Souza, que estava na garupa da moto, segundo a família do músico assassinado.

O documento informa que a perícia encontrou no local catorze estojos deflagrados de calibre .40 (de uso exclusivo da polícia) e que Jeferson estava com um revólver calibre .38, com a numeração raspada e com cinco munições íntegras e uma picotada. Pelo menos quatro pessoas, além dos ocupantes da moto e policiais, aparecem nas imagens das câmeras de segurança. Mesmo assim, a Polícia Civil afirma no BO que não foram encontradas testemunhas diretas da evento que pudessem depor. 

A versão dada pelos PMs aos investigadores é que David e Jeferson, ao passarem por uma base da Polícia Militar na Avenida Augusto Barbosa Tavares, sem capacete e com uma moto de grande porte, teriam apontado uma arma para os agentes de segurança. Nisto, teria se iniciado uma perseguição, mas a dupla teria conseguido fugir e os policiais os perderam de vista. 

Ainda segundo o relato dos policiais, os dois teriam passado mais uma vez pelo local e novamente teriam ameaçado os policiais com o revólver. Neste momento, os homens que estavam na base saíram correndo atrás de David e Jeferson e efetuaram os disparos.

“Analisando o boletim de ocorrência, a gente vê que entre o local onde ocorreu o fato e onde o corpo do rapaz que foi morto é encontrado, tem uma distância de mais ou menos cinquenta metros. Diante dessa informação e o que vemos no vídeo, é que a ação começa poucos segundos antes do momento flagrado pelas imagens. A primeira ação que a gente percebe é um tiro que passa muito próximo de uma mulher que está mexendo na mala de um carro”, aponta Desirre.

O coronel José Vicente listou uma série de perguntas que devem ser esclarecidas durante a investigação da Polícia Civil, como na apuração que deve ser feita pela Polícia Militar.

“Não tendo dados mais claros sobre a ocorrência, levanto alguns pontos que devem ser verificados pela investigação, e sei que serão vistos sem qualquer favorecimento ilegal aos policiais envolvidos: Havia alguma justificativa para tantos tiros na via pública? Que cuidados foram tomados para evitar que os tiros atingissem inocentes, como de fato ocorreu? Que medidas foram adotadas pelo policial mais graduado para coordenar as ações? Foi solicitado ao Copom [Centro de Operações da Polícia Militar] apoio para cercar a moto nas imediações?”, questiona.

Outro lado

A Secretaria de Segurança Pública de São Paulo informa que os PMs envolvidos na ação estão afastados dos trabalhos operacionais e que a investigação por parte da Polícia Civil está em andamento.

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“O caso é investigado por meio de inquérito policial instaurado pelo Departamento de Homicídios e Proteção à Pessoa (DHPP). Paralelamente, a Corregedoria da Polícia Militar também instaurou um Inquérito Policial (IPM) para apuração. Os agentes envolvidos na ocorrência foram afastados do trabalho operacional. Até o momento, não foi apresentada a comunicação de óbito do segundo envolvido. As diligências prosseguem para esclarecer todas as circunstâncias relativas aos fatos”, diz a íntegra do comunicado enviado à Ponte 

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