Ato religioso na Igreja da Candelária, centro do Rio de Janeiro, homenageou e relembrou história da vereadora, assassinada na noite de 14 de março de 2018
“É pela memória da minha filha, obrigada”. Dona Marinete da Silva, 66 anos, recebeu incontáveis abraços e sinais de apoio na manhã desta quinta-feira, 14 de março, em frente e dentro da Igreja de Nossa Senhora da Candelária, centro do Rio de Janeiro. Ali, uma missa homenageou a vereadora Marielle Franco, sua filha, assassinada em ataque a tiros há exatamente um ano. O crime também vitimou o motorista Anderson Gomes.
Familiares da parlamentar, políticos do Psol, integrantes do gabinete que ela fazia parte na Câmara Municipal do RJ, amigos e apoiadores estiveram presentes para relembrar a história de Marielle. O espaço estava cheio, era difícil se locomover entre os bancos e corredores.
O ato aconteceu dois dias após a Polícia Civil do estado e o Gaeco (Grupo de Ações Especiais ao Combate ao Crime Organizado), do MP (Ministério Público), prenderem dois acusados de terem executado Marielle. O PM reformado Ronnie Lessa, que teria atirado, e o ex-PM Elcio Vieira de Queiroz, que dirigia o carro.
Estar na Candelária era mais do que um movimento de memória, conta quem participou da cerimônia. Ir até a igreja na missa de um ano significava luta. “Vim prestar minha homenagem e também cobrar Justiça. É uma forma de protesto, não estamos satisfeitos só com a prisão dos possíveis criminosos. Que se descubra os mandantes”, explicou o professor Silvado Fidelix, 72 anos. Ele levou uma faixa bordada com a imagem de Marielle e a frase “vive, sempre viverá”.
Dentro da igreja, o padre Manuel Manangão relembrou o atual período no calendário cristão, que é o da Quaresma. “É um momento de revisão da própria vida, dos caminhos que traçamos, de como pensamos e como vivemos”, disse o religioso, antes de citar a execução de Marielle e o ataque a uma escola ocorrido nesta quarta-feira (13/3) em Suzano, São Paulo, com dez mortos.
“Nos questionamos porque acontecem essas coisas loucas, como com Marielle e Anderson, em Suzano, em Brumadinho… Lembro de uma fala do Papa Francisco: quando o ser humano se deixa levar por atitudes de violência, perde a sua humanidade. Vivemos não só estas violências explícitas, mas também as pequenas violências que nos afligem”, disse Manangão, antes de pedir uma saudação entre todos os presentes. Ao fim, o coro “Marielle presente” e “Anderson presente” ecoou na igreja.
Gente poderosa na ‘vizinhança do crime’
Os políticos do Psol presentes na cerimônia religiosa relembraram tanto a memória de Marielle, com sua atuaçao participativa e em destaque dentro do partido, quanto cobravam novas respostas do crime. O entendimento é de que a prisão dos autores é insuficiente caso não se chegue até os mandantes.
“Estas prisões [Lessa e Queiroz] não nos alivia. É só a percepção de que, tardiamente, encerrou-se a primeira etapa, com indícios robustos da autoria. Agora, nessa segunda parte, sentimos que ainda falta o principal: os mandantes, o motivo. O principal”, explicou Chico Alencar, ex-deputado federal pelo partido e que concorreu ao senado em 2018, não sendo eleito.
Segundo Alencar, chama a atenção a troca do delegado Giniton Lages, responsável pela investigação dos assassinatos de Marielle e Anderson. “É um retrocesso investigativo, estranho a saída do delegado, ainda mais com as versões do governador. Conheço o Giniton, ele sempre se mostrou sincero e empenhado, além de afirmar que gente poderosa na vizinhança do crime”, prosseguiu Chico.
O político criticou o “espírito de milícias” que está no poder atualmente no Brasil e pediu investigações além da morte de Marielle. “Não só os filhos, como o Flávio, mas o Bolsonaro compactua com as atuações de milicianos. São elos concretos, como a presença dele no julgamento do Adriano Magalhães da Nóbrega. Por isso falo do espírito de milícias no poder central do país. É o banditismo no poder, o controle democrático enfraquece”, continua.
As críticas do ex-deputado se referem à relação de Flávio com Adriano, apontado pelo MP (Ministério Público) como integrante de uma milícia. O parlamentar, hoje senador, empregou a mãe e a esposa do ex-capitão do Bope (Batalhão de Operações Policiais Especiais, tropa de elite da PM fluminense) em seu gabinete quando era vereador no Rio de Janeiro.
Na mesma esteira, Alencar faz ligação com o local onde o PM Ronnie Lessa foi preso: em sua casa em um condomínio da Barra da Tijuca, bairro rico do Rio, onde o presidente Jair Bolsonaro tem uma casa. O delegado Giniton Lages confirmou que um filho do presidente namorou a filha de Lessa, mas que a informação não era relevante para o caso Marielle.