Para o professor Vanuccio Pimentel, PT vai mal no Sul e Sudeste por carecer de renovação de lideranças
Finalizada a apuração do primeiro turno das eleições presidenciais de 2022, o Brasil foi dividido em duas partes. Do lado direito e mais ao norte do mapa, o candidato do PT, Luiz Inácio Lula da Silva, foi o mais votado em 14 estados. Seu adversário, o ainda presidente Jair Bolsonaro (PL), segundo colocado no pleito, conseguiu vencer em 13 estados mais o Distrito Federal.
Chamou a atenção de analistas e eleitores a concentração de votos petistas no Nordeste. Em todos os nove estados da região Lula saiu vencedor com uma vantagem considerável para o candidato da extrema-direita. Apesar de não ser um fato novo, o desempenho eleitoral da esquerda no território nordestino suscitou velhos debates sobre a região.
Pesquisador da política nordestina, o professor da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE) e doutor em Ciências Políticas Vanuccio Pimentel destaca que um dos fatores que explica a ampla votação de Lula na região vem da influência dos governadores dos estados. Para ele, o Nordeste é um território perdido para as pretensões bolsonaristas no segundo e que o Partido dos Trabalhadores falha no restante do país com a falta de renovação dos seus quadros.
“Existem duas reflexões a se fazer. A primeira é que basicamente o Nordeste não é mais como antigamente, quando foi dominado pelo PFL [atual União Brasil], e a crença desse grupo quando perdeu o poder é que o apoio de Lula vinha apenas por dinheiro, Bolsa Família ou qualquer outro auxílio. Agora em 2022 essa tese desmoronou. Porque se fosse assim, Bolsonaro estava eleito aqui com uma situação muito confortável por conta do auxílio emergecial”, diz o professor.
De forma jocosa e xenófoba, conservadores acusam os nordestinos de dependerem de um assistencialismo governamental para justificar a votação no PT. De outro lado, o campo progressista reforça o discurso entusiasta de que a região que reúne o maior número de estados do país estaria salvando o Brasil do crescimento da extrema-direita.
Leia a entrevista na íntegra abaixo:
Ponte — Como podemos analisar essa adesão à Lula no Nordeste em relação à votação de Bolsonaro Sul, Sudeste e Centro-Oeste?
Vanuccio Pimentel — Vejo como a confirmação ou a repetição de um fenômeno que ocorre desde 2006 na reeleição de Lula. Norte, Nordeste, uma parte de Minas Gerais, e um pedacinho lá do Rio Grande do Sul já votaram em Lula. Em 2018, ficou um pouco menor, no sentido que basicamente o Haddad só ganhou no Nordeste. O cenário hoje está mais parecido com 2014, mas no mapa a divisão é muito parecida com o que a gente já vinha vendo historicamente nas eleições do PT desde 2006. Existem duas reflexões a se fazer. A primeira é que basicamente o Nordeste não é mais como antigamente, quando foi dominado pelo PFL [atual União Brasil], e a crença desse grupo quando perdeu o poder é que o apoio de Lula vinha apenas por dinheiro, Bolsa Família ou qualquer outro auxílio. Agora em 2022 essa tese desmoronou. Porque se fosse assim, Bolsonaro estava eleito aqui com uma situação muito confortável por conta do auxílio emergecial.
Ponte — O quanto pesou a questão econômica no voto do eleitor nordestino?
Vanuccio Pimentel — Não tem como saber exatamente, pelo voto, quem é que tem maior ou menor renda. Mas tem como espelhar isso a partir dos colégios eleitorais. Ou seja, de onde foram a maior parte dos votos do Lula? Quando você olha localidades com perfil de renda mais alto, vê um voto maior no Bolsonaro. Fora isso, é Lula. Nas periferias, no interior, nas cidades menores, que têm uma renda mais baixa. É possível ver a questão da renda pelo pela geografia do voto.
Ponte — É possível afirmar que essa votação expressiva de Lula no Nordeste seja uma memória dos governos do PT em contrapartida aos quatro anos de Bolsonaro e sua atuação pela região?
Vanuccio Pimentel — Acho que em parte sim, porque você tem a memória positiva do governo Lula, mas também a gente tem os governos locais reforçando isso, na sua maioria, os governadores dos estados são de orientação de esquerda. Há um reforço dessa visão de que o governo Lula era melhor, porque você também tem um reforço de um governo estadual mais próximo de temas e de políticas que configuraram o governo Lula. Acaba que uma coisa reforça a outra. Você elege um governo estadual mais de esquerda, que reforça a crença nas pessoas de que o governo Lula foi melhor.
Ponte — Como a expansão da extrema direita no Brasil chegou ao Nordeste?
Vanuccio Pimentel — Sempre houve a direita tradicional, parte dela migrou para essa extrema direita. Isso se configura nas classes mais elitizadas e de maior renda. A gente teve um aumento desse eleitorado em relação a 2018. Porém, esse incremento também tem que ser visto sobre o aspecto do número de eleitores. Cresceu o eleitor lulista, mas também o eleitor bolsonarista. Óbvio que em proporção menor, mas ele cresceu. Quando se olha o número de votos, a gente precisa considerar isso. Ele teve um crescimento, acho que de algo em torno de 1 milhão de votos no Nordeste, mas aí tem essa questão do crescimento do eleitorado.
Ponte — Qual a sua opinião sobre os comentários vindos do campo conservador de que o Nordeste “não sabe votar”?
Vanuccio Pimentel — Eu só consigo enxergar xenofobia. Porque se você olhar, ninguém publicou dizendo “Ah, o norte de Minas é assim. O Amazonas é desse jeito”. Não há. O estigma ficou no Nordeste. É algo muito selecionado. Claramente um viés muito xenofóbico para essa situação.
Ponte — O que o senhor acha sobre um discurso diversas vezes usado pela esquerda de que o Nordeste carrega o Brasil nas costas?
Vanuccio Pimentel — Eu acho isso ilusório, mas há a necessidade de os campos políticos encontrarem os seus entrincheiramento. Tanto como bolsonarista diz que em Santa Catarina ou no Paraná a esquerda não se cria, a esquerda também sente a necessidade de criar suas trincheiras na disputa. Esse discurso contribui para isso. Na eleição de 2018 não teve Lula, mas mesmo assim o Nordeste garantiu uma votação muito significativa para o Haddad. Ali foi uma votação para o PT. Isso reforça esse discurso de que a gente não está mais vivendo naquele Nordeste em que quem chegava com a grana levava o voto. Agora tem um lado, tem uma escolha. Se faz uma escolha política, aí isso também é importante para a esquerda, em certa medida, para reforçar um voto de opinião, um voto ideológico. Tentar exatamente reforçar essa ideia de que é uma região que é historicamente de esquerda e mais progressista.
Ponte — Qual a participação do Nordeste no crescimento da extrema-direita dentro do Congresso Nacional?
Vanuccio Pimentel — Olhando aqui pra Pernambuco, que é onde eu estou mais focado, os dois mais votados da para Câmara foram bolsonaristas evangélicos. O que a gente percebe é que eles tiveram 30% dos votos. Mostra que eles conseguem mobilizar muito mais o voto em determinadas pessoas, em determinadas lideranças, e com isso elegem bem os seus representantes na proporcional, porque concetram-se muito em determinadas figuras. Eu, particularmente, acho que isso é um problema que a gente tem e que não foi sanado desde a redemocratização.
É necessário uma mexida no sistema eleitoral, porque o fim da coligação a foi uma coisa muito importante, mas acabou potencializando o PL, por exemplo, que estava muito organizado. O arranjo que ele vai proporcionar é você ter uma reorganização, uma concentração de cabides de assentos nos partidos mais organizados, que têm mais quadros, que disputam mais a sociedade. Então isso acabou beneficiando o PL e o PT também, historicamente mais organizado junto agora com a federação (com PV e PCdoB). O PL foi impulsionado pelo pelo governo e também por toda a estrutura que ele usou na campanha, como o orçamento secreto.
Ponte — O que Lula precisa fazer para ganhar votos no Sul / Sudeste e o como Bolsonaro teria que agir para conquistar o voto nordestino?
Vanuccio Pimentel — São situações bem complexas. Eu penso que no Nordeste Bolsonaro não consegue mais do que ele tem. Talvez a aposta seria uma desmobilização. Aqui é campo perdido para ele, historicamente falando. Não é por conta dessa eleição, mas historicamente eu acho que é uma área que ele não consegue avançar mais. Então é deixar pra lá e apostar que, naturalmente, entre o primeiro e o segundo turno, o país todo sempre tem uma abstenção maior. É entregar à sorte e concentrar onde ele consegue mais voto, que é no Sul e no Sudeste. Eu acho que o problema da esquerda e do PT é exatamente nestas regiões. Outros partidos de esquerda já perceberam isso, como o PSOL, que cresceu e cresceu de novo. Por que o PSOL aposta numa renovação de quadro? É óbvio que o PSOL tem limite de crescimento de bancada, porque é muito fechada e muito limitada a maneira do pessoal buscar representatividade, mas mostra que você consegue mais voto a partir do momento que você renova.
Tem um problema histórico do PT ali em São Paulo, o PT já teve 18 deputados federais. Hoje o PT não tem oito, 13 no máximo. É muito sintomática a situação de queda do PT em São Paulo e no Sudeste e da ausência de quadros competitivos. Agora, na minha opinião, o que falta agora é o apoio que eles vão ter que buscar de uma direita que talvez não agregue tantos votos. Mas aí é ir pra rua, basicamente ter uma estratégia de rua e tentar trazer o apoio de alguma coisa da centro direita para o governo Lula, tentando comprometer mais ainda o programa do que Lula já precisou fazer, ou seja, das concessões que ele precisa fazer e que não estão ditas e que não estão no programa, várias. É o que o PT vai poder fazer em São Paulo, porque eu também não vejo muita saída para lá. Foi a incapacidade de renovação de quadros.
Quando você pensa que no Rio Grande do Sul foi preciso [o PT] trazer de volta a figura do Olívio Dutra para conseguir ser competitivo na disputa do Senado e do governo do estado, é muito sintomático de que o partido não tem quadros novos. Há um problema geracional no PT que foi evidente na legislatura passada. Os únicos dois quadros novos na Câmara Federal do PT foram Marília Arraes, que já não está mais no partido, e Natália Bonavides, no Rio Grande do Norte. Fora isso, não havia nenhuma novidade, nenhum jovem, ninguém.