Alunos da Escola Estadual Emygdio de Barros, em São Paulo, relatam agressão a mais dois rapazes e falta de estrutura para os estudos; MP critica governo
Alunos da Escola Estadual Emygdio de Barros, no Rio Pequeno, zona oeste da cidade de São Paulo, protestaram na noite desta quinta-feira (20/2) contra a violência policial. Dois dias antes do ato, PMs agrediram com socos e chutes alunos do colégio, o que gerou revolta e a cobrança por respostas da escola e do governo de João Doria (PSDB).
Vídeos obtidos pela Ponte mostram a violência com que os policiais lidaram com os estudantes. Um deles recebeu um soco logo após sair da sala e segue levando golpes do lado de fora, enquanto outro foi rendido. Um dos PMs que atuou na escola após pedido da diretora, Lucila Folgosi, sacou a sua arma e apontou em direção ao grupo de estudantes, que se revoltou com as agressões.
Em conversa antes do ato começar, alunos do colégio contaram que é normal a direção da escola acionar a PM para resolver conflitos com alunos. Para eles, a diferença deste caso foi o limite da agressão, que partiu para a violência física. Nos outros casos, os PMs são truculentos e os ofendem verbalmente.
“A diretora e a coordenadora sempre fazem isso, é comum a PM estar aqui. Tem a ronda escolar, mas às vezes chamam e eles vêm xingando a gente”, afirmou Daniel Gabriel Silva Santana, 18, estudante do colégio. Camila Santos, 17 anos, integrante do Grêmio Estudantil da escola, explicou que a comunicação é difícil até com o grupo e que há uma série de problemas de estrutura. “Não temos livre acesso à biblioteca, pegamos livros sem autorização para estudar”, exemplificou.
Um grupo de cerca de 120 alunos marchou desde a escola, que fica na Avenida Nossa Senhora da Assunção, até a Avenida Engenheiro Heitor Antonio Eiras Garcia, ainda no bairro do Rio Pequeno. Na caminhada eles entoavam gritos como “Oh João Doria eu queria te dizer: os estudantes tão na rua e vão derrotar você”, “Mamãe mandou eu estudar pra não virar Polícia Militar” e “pobre formado é perigo para o estado”.
Outro aluno, que estava no dia da ação da PM, reforçou que mais estudantes além dos dois filmados sendo agredidos receberam golpes. “Foram pelo menos quatro alunos. Os policiais chutaram e deram socos”, contou à reportagem. Ele não participou do ato, que teve início às 18h e encerrou às 20h com aplausos de quem esteve do começo ao fim.
O jovem contou que o conflito teria começado um dia antes, quando o aluno David Harly, 18 anos, verificou se sua matrícula no período noturno estava correta e teve resposta positiva, mas foi impedido de assistir à aula no dia seguinte.
“Ele disse que tinha o direito de ficar na sala e a direção chamou a polícia. O PM veio, disse que era pra ele sair e ele concordou, só disse para não tocar nele e o policial pegou. ‘Toquei, vai fazer o quê?’. E deu naquilo”, relembrou o aluno, que pediu para não ser identificado.
Um dia após o caso, na quarta-feira, os alunos se manifestaram dentro da escola. Não receberam uma resposta imediata, que veio apenas nesta quinta-feira (20/2). Uma profissional da coordenação usou o microfone para explicar que a diretora pediu afastamento do cargo e não deu mais detalhes sobre o que seria feito após as agressões.
De acordo com os estudantes, antes de prestar esclarecimentos, a mulher disse que ninguém poderia filmá-la, caso contrário ela os processaria por uso indevido da sua imagem. A reivindicação era por respostas vindas da diretora Lucila Folgosi, o que não aconteceu. Segundo os alunos, ela não entrou mais no Emygdio de Barros desde o ocorrido.
Questionada pela Ponte, a Secretaria Estadual da Educação comunicou que determinou o afastamento de Lucila como uma das medidas tomadas após o caso. De acordo com a pasta, a ação da PM será investigada e, em um primeiro momento, não havia necessidade de a PM ser acionada.
Os PMs teriam sido chamados pela diretora para retirar da escola o estudante David. Ele não teria encontrado seu nome na lista de presença e conversou com Lucila, que, segundo ele, ameaçou chamar a polícia.
Na sequência, três policiais o esperam na saída da aula. “Eles me chamaram pelo nome na porta da sala e disseram: ‘se você não sair, a gente vai te pegar’. Aí eu falei que não precisavam encostar em mim que eu desceria, aí nisso eu levei um soco na boca”, contou David, um dia após a violência.
Ao fim do ato, o professor Leandro Aguiar, 40 anos, que dá aulas de história, lamentou o ocorrido e disse que “seu discurso não seria completo em sala de aula se eu não estivesse” junto da manifestação. O profissional alertou para a precarização das condições de trabalho de quem atua no governo do estado e para o que chamou de “eleições fake” dos grêmios estudantis.
MP questiona secretaria
O Ministério Público de São Paulo se reuniu com representantes da Secretaria da Educação, da Apeoesp (Sindicato dos Professores do Ensino Oficial do Estado de São Paulo) e do Conselho Tutelar a pedido da Rede de Proteção e Resistência ao Genocídio para tratar do caso na Emygdio de Barros.
No encontro, feito na noite de quarta-feira (19/2), um dos questionamentos dos promotores era sobre as políticas educacionais adotadas em situações de conflito. Segundo eles, a própria pasta não soube responder qual o procedimento padrão a ser adotado pelas escolas.
“Desde 2017, com a retirada de parte dos professores mediadores, não se tem política nenhuma de conflitos no ambiente escolar e isso foi confirmado na reunião”, criticou, em conversa com a Ponte, o promotor de Educação Daniel Serra Azul, 43 anos.
Há quatro anos no Geduc (Grupo de Atuação Especial de Educação), Serra Azul explica que os próprios profissionais das escolas não sabem o que fazer quando há situações como a vivida na Emygdio de Barros. “Já havíamos visto isso nesta própria escola por falta de gente [funcionários]”, contou.
Segundo ele, abordagens pedagógicas têm virado caso de polícia pela falta de ação do governo. E exemplificou com a proposta de colocar um PM e câmeras de segurança nas unidades. “Qual fundamento pedagógico? A secretaria não sabe dizer. Existe ator dentro da escola sem papel pedagógico?”, questionou.
O promotor criticou a falta de protocolo e o fato das escolas estarem “funcionando em total abandono”. Ao classificar a ação dos PMs na escola como “bárbara, uma brutalidade que só não fica chocado quem não cultua o valor democrático”, ele destacou o poder de se filmar uma ação ilegal.
“Infelizmente vemos naquele vídeo o que quase sempre recebemos de denúncia em casos semelhantes, mas que não foram filmados. E sabemos o porquê não é: porque um dos que filmou apanhou”, disse Daniel Serra Azul, ressaltando que este tipo de cena “não deve existir em uma democracia”.