Administradores do shopping decidiram não recorrer de decisão judicial para expulsar crianças pobrese e se comprometeram a se retratar, segundo movimentos sociais que participaram de reunião
Uma reunião entre movimentos sociais e administradores do Shopping Higienópolis terminou com acordo após a tentativa do local de expulsar crianças e adolescentes pobres e entregá-los para a Polícia Militar de São Paulo. O pedido foi feito na Justiça, que negou. Os movimentos ocuparam o shopping na semana passada e a direção do estabelecimento aceitou se reunir com eles em uma reunião, que ocorreu na tarde desta quinta-feira (7/3).
Segundo representantes dos movimentos sociais (o Shopping Higienópolis não aceitou falar com a reportagem até agora), o encontro definiu três ações: a desistência do shopping de recorrer da decisão judicial, assinada pela juíza Mônica Gonzaga Arnoni, a divulgação de uma nota formal de retratação e a criação de um grupo de trabalho com os movimentos sociais, a Defensoria Pública e moradores locais para tratar de pessoas em situação de rua. Crianças, jovens e adolescentes pobres que andam pela região, como Samuel, questionaram o motivo do shopping em querer prendê-los.
Segundo participantes do encontro, os administradores tentaram mostrar como vitória dos movimentos apenas a recusa em manter a ação judicial. No entanto, a conversa por quase duas horas se encaminho para as três resoluções, conforme ata assinada. Ao mesmo tempo, uma outra reunião aconteceu no Ministério Público Estadual para tratar do assunto e, segundo os movimentos, terminou com as mesmas conquistas do encontro no próprio shopping.
“Foi uma vitória incrível o shopping renunciar ao recurso, já que o decidido por eles até o ato é de que recorreriam com aquele pedido absurdo. Com a ocupação, repercussão e o encontro, é vitória. A retratação está prometida, a carta é de próprio punho do advogado”, explica Douglas Belchior, integrante da Uneafro. Ele se referia a um ato no dia 28 de fevereiro, quando manifestantes tomaram um andar do local.
Além da Uneafro, estavam presentes integrantes da Amparar (Associação de amigos e familiares de presos/as) , do MMMR (Movimento Nacional e Estadual de População de Rua São Bernardo, Quilombaque, da Rede de Proteção Contra o Genocídio , a defensora pública Isadora Brandão Araújo da Silva (que atua no núcleo de Defesa da Diversidade e da Igualdade Racial) e Sérgio Vieira Miranda da Silva, representando o Pátio Higienópolis.
O Shopping Higienópolis argumentava em seu pedido na Justiça que as crianças estariam praticando furtos e, também, arriscando a segurança dos frequentadores por “subirem escadas rolantes no sentido inverso ao correto”. No pedido, os advogados que representam o Shopping Pátio Higienópolis, Daniel Leon Bialski e Guilherme Pereira Gonzales, elencam seis tópicos para sustentar que os seguranças prendessem os “moradores de rua”, como se referiam aos jovens.
Ao negar a ação, a Justiça considerou a tentativa como “discriminação” e a juíza Mônica Gonzaga comparou o pedido ao segregacionismo racista ocorrido nos Estados Unidos no século 20. Chamada de Separate But Equal (separados mas iguais), a doutrina jurídica abria caminhos legais para o racismo institucional sem quebrar outras leis que garantiam direitos e igualdade a todos os cidadãos.
“A simples presença física do outro que não é igual ou não segue o ideal de normalidade que se convencionou para o referido shopping center não legitima o pedido de autorização para apreensão de crianças e adolescentes, chamadas repetidamente pelo requerente de ‘em situação de rua’, indicando, quiçá, atitude discriminatória e ilegal”, argumentou Mônica.
Segundo Belchior, os pontos definidos na reunião serão vistoriados. “Vamos acompanhar permanentemente para que isso se estabeleça como verdade e que realmente alcancemos um projeto que ajudem as crianças e pessoas em situação de rua, o enfrentamento ao racismo. Uma prática extremamente contrária à inicial. Caso isso também se concretize, será uma vitória enorme”, avalia.
De acordo com Marisa Feffermann, da Rede de Proteção, os representantes do empreendimento argumentaram que foram atrás do Conselho Tutelar e não conseguiram respostas. Por conta disso, decidiram agir na Justiça. “Eles nos disseram que foi um erro, não tinha disposição para fazer nada disso. Alegam que fazer muita formação dos funcionários, que têm preocupação com a diversidade. Tentaram responsabilizar o Estado e garantimos a questão social. Com a criação do grupo, em princípio, tivemos uma conquista”, pondera Marisa.
A Ponte entrou em contato com a assessoria de imprensa do Shopping Pátio Higienópolis por telefone, que garantiu um posicionamento oficial ao fim da reunião. Não foi enviada nenhuma nota nem conseguimos contato novamente por telefone com os assessores até a publicação desta reportagem.