Bandeira erguida por bolsonaristas em ato na Paulista tem inspiração neonazista, segundo Efraim Zuroff, do Centro Simon Wiesenthal, que pesquisa o Holocausto
O protesto convocado por torcedores antifascistas terminou em repressão da Polícia Militar na tarde do último domingo (31/5), na avenida Paulista, região central da cidade de São Paulo, depois que o grupo encontrou manifestantes bolsonaristas. O episódio ficou marcado pela diferença de conduta da PM entre os dois grupos, conforme mostrou reportagem da Ponte, e pela presença de bandeiras ucranianas. Uma delas, estava com um manifestante que protagonizou um bate-boca com um antifascista e que chegou a dizer que era “veterano de guerra”, virando motivo de piada nas redes sociais.
A flâmula foi considerada pelo coronel Álvaro Batista Camilo, secretário-executivo da PM, o estopim da confusão. Ele relatou à CNN Brasil que policiais agiram para conter uma briga quando o manifestante de um grupo tentou pegar a bandeira do outro.
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O símbolo tem sido presente em manifestações pró-Bolsonaro repletas de discursos autoritários. Na semana anterior, também no domingo (24/5), a bandeira apareceu nas mãos de manifestantes em um carro de som. Na ocasião, a Veja chamou a atenção para o símbolo, provocando a manifestação pública do embaixador da Ucrânia no Brasil, Rostyslav Tronenko. “O uso da bandeira vermelha e negra e do brasão da Ucrânia tanto no nosso país, como no Brasil não tem nada a ver com o movimento neonazista”, escreveu à revista.
A Ponte procurou o Centro Simon Wiesenthal, organização internacional de direitos humanos cujo principal enfoque temático é a questão do Holocausto, para questionar se, afinal de contas, existe alguma alusão ao nazismo na bandeira ucraniana.
Segundo o historiador e “caçador de nazistas” Efraim Zuroff, o embaixador se faz de bobo e “não quer se descubra sobre a origem da bandeira”.
Ao contrário do que foi dito pelo militante Alexandre Silva, que a tremulava no protesto, em entrevista à Folha de S.Paulo, a flâmula não tem como origem histórica o Pravyy Sektor (Setor Direita), mas, sim, o Exército Insurreto Ucraniano (UPA em ucraniano). Esse grupo era o braço armado da Organização dos Nacionalistas Ucranianos (OUN, da siga em inglês). As bandeiras são similares pois se utilizam de simbologia tradicionalmente nacionalista.
Historicamente compreende-se que o negro na flâmula simboliza o “solo ucraniano” e o vermelho o “sangue” dos que deram a vida pelo país. O tridente (Tryzub) no meio faz parte do Brasão de Armas da Ucrânia desde 1992, tendo origem milenar e religiosa. A trajetória recente da bandeira e seus movimentos, porém, é contenciosa.
O Centro Wiesenthal disse à Ponte que o UPA teve papel importante no massacre de judeus durante a ocupação nazista na Ucrânia. “Eles posteriormente lutaram contra a ocupação quando perceberam que os alemães não tinham interesse em garantir independência à Ucrânia”.
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O grupo Judeus pela Democracia disse em nota que vem observando desde 2013-2014 um crescimento dos movimentos ultranacionalistas xenófobos ucranianos. “O Pravy Sektor revive alguns símbolos do UPA. Mas não é o único. Além disso, existe um processo revisionista muito forte sobre os movimentos nacionalistas ucranianos que apoiaram o nazismo na perseguição de judeus, poloneses, ciganos dentro da Ucrânia.”
Outro que avaliou o caso foi o historiador David Marples, especialista em história contemporânea da região e professor da Universidade de Alberta, no Canadá. Para ele, o comentário do embaixador é, no mínimo, enganoso. “Não há dúvida sobre a relação de colaboração do UPA com os nazistas. Esses inclusive deixaram muitas armas e materiais bélicos para ajudar na luta dos nacionalistas ucranianos contra os soviéticos posteriormente”, disse, afirmando ainda que ele não sabe de nenhuma relação direta do UPA com o Pravyy Sektor.
Composto por membros das forças policiais em conjunção com alemães, prisioneiros e membros do OUN, o Exército Insurreto era, para o historiador, fanático em sua luta. Uma de suas alas cometeu um massacre de poloneses que vitimou mais de 70 mil civis em 1943. Até hoje isso é um ponto de tensão entre a Ucrânia e a Polônia.
Ainda assim, o jornalista Michael Colborne, com extensa cobertura em temas ucranianos, avaliou que fala do embaixador não está tecnicamente errada. “Realmente não é uma bandeira neonazista, mas definitivamente é uma bandeira que representa o nacionalismo ucraniano”. O repórter contextualizou também que a reputação do UPA tem sido reabilitada nos últimos anos. “O colaboracionismo com os nazistas tem sido colocado pra escanteio, junto com crimes de guerra e genocídio praticados. Hoje eles são alçados como ‘guerreiros da liberdade’”.
A Ponte procurou a Embaixada da Ucrânia no Brasil para saber qual seria o contraponto às declarações dos especialistas, mas, até a publicação da reportagem, não houve retorno.