Reparação após tragédia-crime em São Sebastião (SP) é urgente, pedem lideranças

Moradores protestaram durante o seminário “Clima, reparação socioambiental e filantropia comunitária: cenários do litoral norte de São Paulo”, que discutiu novas formas de enxergar a filantropia detro do panorama climático contemporâneo

Moradores da Vila Sahy improvisaram maneiras retirar os pertences de casa após o deslizamento | Foto: Leandro Barbosa/Ponte Jornalismo

As marcas da chuva histórica que atingiu São Sebastião, no litoral norte de São Paulo, em fevereiro deste ano, ainda são visíveis no município de 329 mil habitantes (dado do Censo de 2022 do IBGE). A paisagem tem terra exposta, remexida e que automaticamente lembra os moradores afetados dos dias 18 e 19 daquele mês, feriado de Carnaval. A destruição deixou 65 mortos no litoral — 64 deles na cidade. 

O deslizamento de terra afetou principalmente a região da Vila Sahy. Além das mortes, a população perdeu as casas e ainda reclama por reparação por parte do governo do município e do estado. Passados sete meses da tragédia-crime (como os moradores se referem ao acontecido), a população agora tenta reconstruir moradias e conseguir recursos de reparação.

É neste contexto e território que o Fundo Brasileiro de Educação Ambiental (FunBEA) promoveu o seminário “Clima, reparação socioambiental e filantropia comunitária: cenários do litoral norte de São Paulo”, que ocorreu nesta sexta-feira (15/9) em Maresias, também no litoral norte paulista. 

O debate foi dividido em duas mesas compostas por lideranças da área socioambiental que discutiram maneiras de reconstruir territórios afetados por desastres socioambientais e a maneira de financiar projetos do terceiro setor. 

A liderança ambiental Neidinha Suruí, de Rondônia, participou do evento contando sobre a experiência que tem na atuação na floresta amazônica, pelos direitos dos povos indígenas e reconstrução de territórios destruídos pelo avanço do garimpo ilegal. 

Lá o plano de reconstrução, ou plano de vida, como Neidinha chama, foi pensado para ser desenvolvido em 50 anos. “Quando as pessoas perguntam porque um plano de 50 anos, o Almir Suruí, que é o nosso grande líder, diz: ‘porque nós não estamos fazendo um plano de governo. É um governo que faz um plano de quatro anos e nós estamos fazendo um plano do povo’”, explica a ativista. 

Remunerando o povo da região que participou do projeto, foram plantadas árvores nos mesmos locais em que outras foram retiradas.”O madeireiro quando entra para roubar, ele seleciona, não leva qualquer coisa. Ele pega mogno, cerejeira, castanheira. Nós tomamos a decisão de que íamos em cada canto que um mogno fosse retirado, nós plantaremos outro mogno”, diz Suruí.

Seminário contou com a presença da ativista ambiental Neidinha Suruí | Foto: Catarina Duarte/Ponte Jornalismo

Neidinha defende que a integração com a comunidade quando se fala em reparação é essencial para construir um ciclo efetivo. Ao falar sobre a tragédia no litoral, a ativista afirmou que é necessário retirar as pessoas de áreas de risco, mas ao realocar esses grupos é preciso considerar as demandas de vida delas — levar em conta onde trabalham, como se deslocam, onde estudam, por exemplo. 

“Ao adquirir espaços para pôr essas pessoas, é preciso que elas tenham realmente bem-estar e bem-viver. Muitas vezes elas ganham um espaço para ficar e depois vão voltar para o local de risco”, disse. 

Mahyam Sampaio, ativista socioambiental e embaixadora da Juventude da Organização das Nações Unidas (ONU) pelo United Nations Office of Drugs and Crime (UNODC), também participou da mesa e defendeu que a preservação dos territórios é também o cuidado com as pessoas que habitam os espaços. 

“Quando a gente fala sobre proteção ambiental, o nosso primeiro pensamento de senso comum é pensar nos biomas, é pensar nas florestas, mas nosso primeiro reflexo deveria ser pensar sobre a defesa sobre as comunidades, sobre essas pessoas que protegem os territórios”, defende Mahyam.

Tragédia-crime no litoral 

A discussão que permeou o seminário foi a tragédia-crime no litoral norte. Lideranças e moradores de áreas afetadas contaram como foi o dia do deslizamento e luta que dura até hoje por uma moradia decente e que atenda às reais necessidades de quem vive ali. 

Nega Rose, moradora da Vila Sahy há 30 anos, denunciou a falta de apoio e a forma como a comunidade ficou depois do deslizamento. “A gente não foi ouvido. Ninguém me perguntou como a gente queria nossa casa”, conta. 

Camilo Terra, do coletivo Caiçara, relembrou o deslizamento e exaltou a união dos moradores para salvar vidas. “A força comunitária que fez com que tivéssemos, infelizmente ainda tivemos 64 aqui em São Sebastião, pessoas mortas. Se não fosse a força comunitária teríamos muito mais vítimas”, contou Camilo. 

A liderança também endossou as falas que pediram atenção às pessoas quando se fala na luta territorial. “Mais do que lutar pelo nosso povo, nós temos que lutar pela nossa espécie humana. Temos que lutar por todas as espécies e por esse mundo, esse planeta, essa força humana que nos trouxe até aqui e que vai nos levar para muito mais”, completou.

Doação de tempo 

Um dos objetivos que motivaram o FunBEA a organizar o evento em São Sebastião foi a de encontrar novas formas de enxergar a filantropia. Semíramis Biasoli, secretária executiva do Fundo, defende a necessidade de desmistificar a ação. 

Ela diz que é preciso que as pessoas primeiro estejam inteiradas sobre as ações que desejam se envolver. “O primeiro ponto necessário é ter informação de qualidade. Para participarmos de algo nós precisamos conhecer com dados, informações fidedignas, da ciência e no saber popular”, explica. 

“Ser um doador pode ser no sentido financeiro ou não financeiro”, comenta. Ela argumenta que também é possível colaborar com projetos atuando como força de trabalho e tempo e que há diversas intersecções dentro grandes temas que podem ser objeto de atuação de um voluntário.

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O FunBEA existe há 12 anos e atua no litoral de São Paulo desde 2016. O Fundo age por meio de financiamento de iniciativas socioambientais que visem uma transição energética sustentável, justa e igualitária. Em conjunto com a Aliança Territorial (movimento nacional de filantropia) já investiu R$ 3 milhões em projetos no país.

Durante o evento foi destacada a campanha Quanto Vale, lançada no ano passado com objetivo de apoiar movimentos que trabalham com a preservação do meio ambiente e cultura local. 

Outro lado

A Ponte procurou a prefeitura de São Sebastião e solicitou entrevista com o prefeito do município Felipe Augusto (PSDB). Também foi questionado o porquê da população das áreas afetadas não terem sido ouvidas como denunciaram as lideranças. 

Não houve retorno até a publicação do texto.

*A Ponte viajou a Maresias a convite do Fundo Brasileiro de Educação Ambiental

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