Entidade contraria Moro e pede redução urgente da superlotação em prisões

    Segundo César Munhõz, pesquisador da Human Rights Watch, ‘situação atual é um perigo para presos, funcionários e para sociedade’

    Imagens de presídio no Ceará feita durante inspeção em março de 2019 | Foto: Reprodução

    É preciso agir. Este é o recado que a ONG Human Rights Watch dá ao Estado brasileiro em relação ao sistema penitenciário em meio à pandemia de coronavírus. Para a entidade internacional, que divulgou posicionamento nesta quinta-feira (2/4), as ações tomadas até o momento estão longe de diminuir os riscos de contaminação.

    Especialistas, entidades e familiares de presos alertam para as condições de saúde nas prisões. Um dos pontos é a higiene, tanto pelos espaços insalubres quanto a falta de oferta de itens básicos, como sabonete e álcool em gel, e racionamento de água. Para a HRW, o Estado tem o dever de fornecer esses itens às pessoas presas.

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    Uma das medidas preventivas para o vírus não se alastrar é o isolamento social, como vivido em praticamente todo o país como indicado pelo Ministério da Saúde. Nas prisões superlotadas, afirma César Munhõz, pesquisador da Human Rights Watch, não há a menor condição de se tomar tal medida. Por isso a HRW pede pela liberdade de parte dos presos.

    “Não se tem opções além de reduzir a superlotação. O problema é que se tiver um surto em qualquer prisão as condições são propícias, perfeitas para o vírus espalhar”, afirma. Para ele, ações focadas somente no isolamento dentro das cadeias afetam pouco na precaução ao Covid-19.

    As preocupações da entidade diferem das falas do ministro da Justiça e Segurança Pública do governo de Jair Bolsonaro, Sérgio Moro. Segundo o ministro, não há motivos para criar alarde sobre uma possível pandemia dentro do sistema.

    “Não existe nenhum motivo para um temor infundado em relação ao sistema penitenciário. Não existe um caso de infectado dentro do sistema penitenciário”, afirmou Moro, em coletiva de imprensa dada por ministros do governo nesta quarta-feira (1/4).

    “O que temos visto mundo inteiro é que o número de infectados dentro do sistema prisional é muito pequeno”, garantiu. O ex-juiz federal usou como base para sua afirmação dados de outros países. Durante a coletiva, ele citou os exemplos de China e Itália.

    “A China teve 800 presos infectados em população de 1,7 milhão. Ou seja: 0,047% de infectados. Na Itália, apesar de toda expansão da pandemia, que é o que mais nos assustas, há um registro de 10 infectados em mais de 60 mil presos”, disse o ministro.

    ‘Não percebem a gravidade da situação’

    Segundo o especialista, as autoridades precisam tomar “medidas urgentes” e não deixar que “se resolva sozinho, porque não vai”. “Do Executivo, dos governadores, dos estados, eles não estão percebendo a gravidade da situação, que realmente pode ser catastrófica no sistema prisional”, resume. Segundo estudo do CNJ (Conselho Nacional de Justiça), o Brasil tem cerca de 820 mil presos.

    Uma decisão para tentar evitar o contágio tomada em São Paulo, por exemplo, foi a proibição de visitas e da entrega presencial do jumbo, sacola com comida, itens de higiene e medicamento. A crítica dos parentes é de que não há garantia de que eles conseguirão se prevenir sem itens que já não eram fornecidos pelo Estado. A Ponte mostrou um desses casos em unidade prisional localizada na cidade de Mongaguá, no litoral de São Paulo. Em vídeo, os presos mostram que vivem sem água para banho, limpeza das mãos e dos talheres, além de as privadas estarem repletas de fezes.

    Muñoz elenca como principal decisão tomada até o momento uma recomendação do próprio CNJ, publicada no dia 19 de março, em que indica ao judiciário reduzir a entrada de presos nas cadeias, análises do tempo de pena e concessão de saída antecipada em casos próximos do cumprimento da pena e mantenha as saidinhas temporárias.

    “Não estamos pedindo a liberação geral dos presos. Tem formas de reduzir sem comprometer a segurança”, afirma o representante da Human Rights. “Os presos uma hora saem, vão cumprir e sair. O funcionário vai voltar para a família. É um perigo de saúde de todos”, prossegue.

    Pelo fato de o texto ter caráter indicativo, não obrigatório, a decisão de acatar a recomendação do CNJ ou não é de cada juiz. “O CNJ fez uma determinação importante, positiva e agora é o momento dos juízes atuarem e também o Ministério Público, que tem responsabilidade, de visitar prisões e suas garantias. O sistema de Justiça como um todo deveria atuar”, afirma.

    “A situação atual é um perigo para os presos, os funcionários e para a sociedade. Se tiver um surto dentro, onde terá o vírus rodando, é um perigo também para quem está fora”, alerta. “O atendimento de saúde nas prisões é muito deficiente, as condições de higiene… E continuam sendo hoje, agora com o corona”.

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