Organizações como Artigo 19, Instituto Vladmir Herzog e Intervozes assinam nota de solidariedade. Decisão judicial “é mais um instrumento de invisibilização e apagamento de determinados grupos”, diz o texto
Nove organizações ligadas à defesa da liberdade de expressão e de imprensa assinaram uma nota conjunta nesta quarta-feira (23/12) na qual condenam a censura imposta pelo Tribunal de Justiça de São Paulo (TJ-SP) à Ponte e outros três veículos, Alma Preta, Yahoo Notícias e Rádio Jacutinga, em mais um caso envolvendo racismo.
Conforme noticiado ontem pela Ponte, uma decisão do TJ-SP na semana passada, assinada pelo desembargador Piva Rodrigues, da 9ª Câmara de Direito Privado, determinou a retirada do ar de entrevistas em que a empresária Luanna Teofillo, 39 anos, denuncia ter sido vítima de racismo quando era funcionária da agência de comunicação e marketing Newswire, em 2016.
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Na nota, organizações citam a reportagem da Ponte: “Criticada no trabalho por seu cabelo, Luanna foi condenada a indenizar empresa”, publicada em setembro deste ano e que teve ampla repercussão ao apontar a reprodução do racismo a partir do Judiciário.
“Decisão de retirar de circulação matéria que denunciava racismo é mais um instrumento de invisibilização e apagamento de determinados grupos”, destaca a carta das entidades.
“Mais uma vez, observamos a atuação do próprio Estado em deslegitimar os conteúdos jornalísticos por meio de censura velada, disfarçada de legalidade”, afirmam as organizações no documento.
O texto de apoio aos veículos prossegue afirmando que “o papel do jornalismo é a produção de conteúdos que apresentam, além de dados e fatos, perspectivas, críticas e denúncias, inclusive no que se refere ao Estado e suas esferas de articulação.”
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As entidades assinalam que “no Estado Democrático de Direito, os poderes, inclusive o Poder Judiciário, não estão isentos de serem observados a partir dos mais diversos vieses jornalísticos – inclusive, aqueles que tecem críticas.”
A carta encerra declarando “solidariedade à Ponte Jornalismo, bem como aos demais veículos que tiveram suas coberturas sobre o caso censuradas judicialmente”.
Pede ainda elucidações do órgão julgador e clama pela revisão da decisão, que não condiz com a proteção da liberdade de imprensa que deve caracterizar uma sociedade democrática.
Outras ações sobre o caso poderão ser tomadas, segundo declarou à reportagem a secretária-executiva da Abraji, Cristina Zahar. “A diretoria da entidade vai debater com as diretorias das demais organizações o que pode ser feito além da publicação da carta conjunta.”
“Essa demonstração de solidariedade mostra que não estamos sozinhos”, diz Amauri Gonzo, editor da Ponte. “O judiciário tem atacado a liberdade de imprensa no país com bastante desenvoltura recentemente, um sinal de que os tempos bicudos estão longe de acabar. Mas isso não vai nos intimidar ou desviar da nossa missão de contar as histórias que ninguém mais quer contar”, completa.
Imprensa sob ataque
As últimas semanas de 2020 foram marcadas por ataques à imprensa. Novos casos de censura contra iniciativas de jornalismo independente foram registradas pela Associação Brasileira de Jornalismo Investigativo (Abraji), uma das entidades que assina a carta de apoio à Ponte e que monitora represálias à atuação da mídia no país.
Em nota publicada na última segunda, 21, a Abraji destacou que “os sites Ponte, Alma Preta e Atilados foram obrigados a remover conteúdo, enquanto uma liminar determinou que The Intercept Brasil editasse uma reportagem.”
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Os números do monitoramento feito pela Abraji em 2020 mostram que os casos de ataques quase triplicaram em relação a 2019, ressalta a secretária-executiva da entidade. “Passaram de 130 para 362 até 23 de dezembro”, observa Cristina. Ou seja, mais de um por dia ao longo de 2020.
Na análise da secretaria-executiva da Abraji, dados apontam que o cenário para 2021 não deve melhorar. “Isso vai exigir uma articulação ainda maior entre as organizações da sociedade civil – interna e externamente – para aumentar seu poder de mobilização em defesa dos jornalistas e da liberdade de imprensa.”
A carta de apoio à Ponte e aos demais veículos, alvos da censura do TJ-SP, é assinada pela seguintes organizações: Artigo 19, Associação Brasileira de Jornalismo Investigativo (Abraji), Centro de Estudos da Mídia Alternativa Barão de Itararé, Fórum Nacional pela Democratização da Comunicação – FNDC, Instituto Vladimir Herzog, Intervozes – Coletivo Brasil de Comunicação Social, Rede Jornalistas Livres, Rede Nacional de Proteção a Comunicadores e Repórteres sem Fronteiras.