‘Desmonte’: Tarcísio deixou de investir quase R$ 57 milhões em câmeras nas fardas da PM

Governador fez o quarto corte no programa nesta terça-feira (12), deixando de gastar um terço do orçamento previsto para câmeras; gestão também não menciona verba para equipamentos em projeto de orçamento para 2024

Uso de câmeras acopladas aos uniformes de policiais militares do estado de São Paulo | Foto: Rovena Rosa/Agência Brasil

O primeiro ano da gestão sob o governador Tarcísio de Freitas (Republicanos) e o secretário de Segurança Pública Guilherme Derrite deixou de investir R$ 56,8 milhões no programa de câmeras nas fardas da Polícia Militar em 2023.

Esse montante considera a diferença da dotação inicial, ou seja, o valor que foi aprovado pela Assembleia Legislativa (Alesp) em 2022 como o previsto para ser aplicado neste ano (R$ 152 milhões), e o valor empenhado (R$ 95,1 milhões), que é aquele que o poder público reservou da dotação atual e é obrigado a gastar com o projeto.

A dotação atual, ou seja, o valor que o governo alterou como teto para ser gasto em 2023 é de R$ 97,6 milhões. Isso significa 35,7% a menos da meta original de R$ 152 milhões. Os dados foram atualizados até esta segunda-feira (11) pela Secretaria da Fazenda e Planejamento e cuja consulta sobre a execução orçamentária você pode fazer aqui.

Em edição do Diário Oficial desta terça-feira (12/12), Tarcísio fez o quarto corte de verbas do programa via decreto a fim de direcionar os valores para outras áreas da pasta: R$ 2,8 milhões. O primeiro foi em agosto (R$ 11,1 milhões), o segundo em outubro (R$ 15,2 milhões) e o terceiro em novembro (R$ 8,5 milhões). Com isso, nesses quatro meses, o governador retirou do programa de câmeras R$ 37,3 milhões.

Como os dados da Fazenda são anteriores ao corte desta terça-feira, é possível que o decreto ainda não tenha sido incorporado à dotação atual, ou seja, o valor que deixou de ser investido nas câmeras pode ser ainda maior considerando a meta inicial.

A Ponte também verificou que o governo não faz menção de verba para o programa no projeto da Lei Orçamentária Anual (LOA) para 2024. A LOA detalha os recursos que o governo irá arrecadar e fixa os gastos e despesas para o ano seguinte. Por isso, o Executivo (governador) envia o projeto da LOA no ano anterior para que os deputados estaduais analisem e votem a aprovação do orçamento (que ainda está em tramitação na Alesp). É na LOA de 2023 que estavam previstos os R$ 152 milhões para o programa, por exemplo.

Além disso, o governo não investiu em novas aquisições de equipamentos. Há 10.125 câmeras desde a gestão de Rodrigo Garcia (PSDB), em 2022. Segundo um ofício que data de agosto assinado pelo coronel Erick Gomes Bento em resposta a um requerimento de informação do deputado estadual Teonilio Barba (PT), essas câmeras foram “distribuídas em 52% das Unidades da Polícia Militar”. Quais unidades seriam essas, o policial não descreve. Essa também foi a única resposta que a gestão deu entre nove requerimentos de informação feitas por deputados ao longo deste ano que continham perguntas sobre o Programa Olho Vivo, que é responsável pelas câmeras nas fardas da PM.

No âmbito da Operação Escudo, sem detalhar quantidade, o coronel afirmou no ofício que “há uma média de 50%” das unidades policiais equipadas. Em novembro, o UOL mostrou que 11 dos 23 batalhões que participaram da operação no Guarujá não tinham câmeras implementadas. A operação havia sido deflagrada em 28 de julho, um dia após o assassinato do soldado Patrick Reis, da Rondas Ostensivas Tobias de Aguiar (Rota), no Guarujá. Ao longo de 40 dias, as polícias mataram 28 pessoas.

Para o coordenador de advocacy da Plataforma Justa, Felippe Angeli, o remanejamento das verbas é uma forma de enfraquecer o projeto, tendo em vista as idas e vindas de declarações de Tarcísio e Derrite desde a campanha eleitoral, que haviam se posicionado contra a manutenção das câmeras, mas recuaram. “Está muito claro que ele está sucateando esse programa. Ele não pode extinguir numa canetada porque isso configura improbidade administrativa. Ele não pode simplesmente dizer ‘eu não quero mais’, em que você volta atrás e gera um prejuízo financeiro para o Estado. Ele tem que reorganizar isso de uma forma que esse investimento anterior não seja perdido”, explica.

Além disso, entre a dotação atual (R$ 97,6 milhões) e o que foi empenhado (R$ 95,1 milhões), Tarcísio ainda teria R$ 2,4 milhões para investir em 2023, o que Angeli acredita que não vai acontecer já que faltam 19 dias para o ano acabar. “Ele tinha uma previsão inicial, que foi feita pelo governo anterior, e está tirando dinheiro, está empenhando menos, está tirando desses batalhões mais operacionais. É claramente uma política de desmonte, de sucateamento meio camuflada sem dizer que, de fato, está extinguindo, porque isso geraria tanto responsabilização do ponto de vista administrativo quanto político”, prossegue.

Em outubro, cinco organizações divulgaram uma nota pública em que já alertavam “o risco de desmonte” do programa concomitante ao aumento da letalidade policial. “O sucesso de políticas de redução do uso da força letal, como o projeto ‘Olho Vivo’, depende de uma série de fatores, como a supervisão atenta do comando da Polícia Militar, o apoio político do Governador e do Secretário de Segurança Pública e a atuação de mecanismos externos e internos de controle. Quando o governo tira a prioridade das câmeras corporais, ele ignora as evidências científicas e aponta para um horizonte de políticas de segurança pública baseadas meramente na violência policial”, diz trecho do texto assinado por Instituto Sou da Paz, Conectas Direitos Humanos, Comissão Arns, Instituto Igarapé e Núcleo de Estudos da Violência da Universidade de São Paulo (NEV/USP).

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O contrato com o Consórcio Axon e Advanta está previsto para até 18 de julho de 2024. Em novembro, houve um reajuste de 3,51% do custo mensal dos equipamentos e da parte da tecnologia de armazenamento das imagens para R$ 6,2 milhões. Até esta segunda-feira, o governo liquidou, ou seja, já executou pelo serviço prestado, R$ 76,7 milhões em 2023. Como a LOA muda todo o ano, isso não significa que o que deixou de ser investido automaticamente pode ser aplicado depois com a mesma finalidade.

O que diz o governo

A Ponte procurou as secretarias de Segurança Pública e da Fazenda e Planejamento sobre os cortes, a LOA e os investimentos no programa de câmeras. A Secretaria de Segurança Públcia enviou a seguinte nota:

A Secretaria da Segurança Pública esclarece que os valores alterados se deram em razão da necessidade de suplementação de contratos de custeio para manutenção das atividades operacionais da Polícia Militar. Não houve corte nos recursos para os contratos já existentes e os três contratos de câmeras corporais para os policiais militares serão pagos na íntegra. A suplementação de recursos pode ocorrer, nos termos da lei, sempre que houver necessidade de crédito para a cobertura de novos contratos.

O programa de câmeras corporais se mantém e a PM conta com 10.125 câmeras operacionais portáteis (COPs) em uso em todos os batalhões de policiamento da Capital e Grande São Paulo, assim como alguns batalhões do interior, incluindo Santos, Guarujá, Campinas, Sumaré e São José dos Campos – abrangendo 52% das unidades policiais do Estado.

Após planejamento estratégico foi possível a redistribuição de aproximadamente 400 equipamentos para serem usados no 1º e 2º Batalhões de Trânsito da Capital. Ou seja, com uma medida de eficiência, a atual gestão colocou mais policiais com câmeras nas ruas sem afetar qualquer Batalhão que já dispõe do sistema. Paralelamente, estão em andamento estudos de viabilidade para a expansão do programa Olho Vivo para outras regiões do estado, que incluem a análise das condições da infraestrutura da rede móvel, fundamental para o funcionamento do equipamento. Também está em andamento a licitação para a compra de 3 mil leitores que serão acoplados nas viaturas, assim como o sistema que possibilita o funcionamento dos equipamentos. Essas câmeras poderão, por exemplo, identificar veículos roubados.

A pasta ressalta que, de acordo com a nova estrutura de Programas e Ações Orçamentárias, prevista na Lei Orçamentária 2024, o recurso do programa Olho Vivo estará totalmente alocado na ação ‘Integração da Tecnologia contra o Crime: Muralha Paulista”’ sendo que para a Polícia Militar há a previsão de R$ 193.868.902,00 (página 230 da PLOA). O objetivo é promover uma maior integração das soluções tecnológicas que já existem, tais como as câmeras corporais e as câmeras fixas, com outras que estão sendo incrementadas, como por exemplo as câmeras embarcadas (em viaturas), de modo a trazer maiores benefícios à atividade de segurança pública e à população, pelo menor custo possível. Dessa forma, haverá apenas uma rubrica orçamentária que contemplará todo o valor necessário para os maiores contratos de tecnologia e de inteligência das polícias, dentre elas os contratos das câmeras corporais. Essa iniciativa estará associada também à revisão dos atuais contratos, com objetivo de adequação de valores de contratação desses equipamentos para melhores preços, o que beneficiará a expansão do programa.

*Reportagem atualizada às 16h30 do dia 13/12/2023 para incluir posicionamento da Secretaria de Segunrança Pública de São Paulo

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