Em 2017, Wilson Alberto Rosa foi preso por um investigador que usou a própria mulher num reconhecimento via WhatsApp; inocentado, luta desde então em busca de reparação e um pedido de desculpas
“Faça chuva, faça sol, faça até dar certo. Me ajude a realizar o sonho de ter meu próprio negócio”. A mensagem, acompanhada por doze balas e custando apenas R$ 2,00 reais, é vendida diariamente por Wilson Alberto Rosa, o Chandelle, em um farol em Moema, há vinte anos, mas com uma interrupção de 32 dias em 2017. Enquanto trabalhava, Wilson foi abordado por um policial civil, que o acusava de ter roubado a sua mulher, seis meses antes.
Daí em diante Wilson viveu um pesadelo. A incerteza sobre seu futuro, a preocupação com a família, a mulher e os três filhos, um deles com deficiência, o cotidiano de acusações, torturas e procedimentos ilegais irregulares. O encarceramento injusto. Banho frio, comida azeda e o camburão quente e abafado que o levava de um lado para o outro, de DP em DP. Ao se aproximar de lugares ermos, o medo da morte. Ser chamado de ladrão.
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A situação mudou graças a uma série de reportagens da Ponte que denunciou a injustiça que estava acontecendo. O conteúdo ajudou a revelar a situação do ambulante e a fazer com que a defesa conseguisse na Justiça sua liberdade. Depois, obter a inocência de Wilson nos tribunais. O repórter Kaique Dalapola contou sobre o caso durante o Festival 3i, detalhando como é fazer um jornalismo de impacto com o caso do ambulante de exemplo.
A história do homem negro virou até rap: Chandelle é citado na música Guetto Cypher, dos rappers Bethoven, Conspira BDC, Aliado Treze, Romão Akin e Edu Akupulla. “Até trampando o racismo vem nos caçar / salve, Chandelly, sua liberdade vai cantar / seu crime foi ser preto, ser pobre, do gueto / país eurocêntrico, aqui não tem mais jeito”, diz o trecho da música sobre o ambulante.
Wilson conta que sempre batalhou muito. Perdeu o pai e a mãe cedo, morou embaixo da ponte, passou fome. Desde os dezessete anos, ele constrói uma família com sua mulher, Leandra da Silva, que o acompanha na entrevista. Mas que nunca imaginou chegar numa situação dessa. Bem-humorado, animado, ele demonstra entusiasmo pelo trabalho, pelo grupo de dança e pelo time de futebol que faz parte. Há dois anos, vive num condomínio do Minha Casa, Minha Vida, que lhe deu residência fixa. Mas já perdeu o barraco numa tempestade.
“As pessoas podem errar. Mas tem que admitir, pedir desculpa. Mas o policial nunca falou nada. E olha onde eu moro na periferia. Se a polícia chegar e pegar eu de noite aí é duro. Com meu nome sujo. Como eu vou explicar que fui confundido? Você acha que vão acreditar? Com passagem… negão. Já vi a polícia forjar um monte de gente. Imagine eu agora com passagem. Nunca roubei ninguém sempre andei certo, estudei trabalho agora meu nome tá lá. Ó a situação”, lamenta.
Chandelle vendia balas no cruzamento da Avenida Ibirapuera com Avenida República do Líbano, zona sul da cidade de São Paulo quando o investigador Carlos Antônio Correia Filho lhe deu voz de prisão. Tirou uma foto do homem negro e mandou para sua mulher, vítima de um roubo em agosto do ano anterior, o reconhecer. A troca de mensagens e o reconhecimento se deu pelo WhatsApp.
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Daí por diante Wilson foi encarado como criminoso. Teve a prisão preventiva (sem prazo) decretada pelo delegado Alfredo Pinto de Souza. Negou o crime desde o começo, palavra insuficiente frente à declaração do investigador e de sua esposa.
Um mês e meio depois da prisão, em fevereiro de 2017, a Justiça não só mandou soltar Chandelle como o considerou inocente da acusação por não haver provas.
Porém, em fevereiro de 2018, um ano após ficar preso, a Justiça deu razão ao Estado de São Paulo em processo movido pela defesa de Wilson Rosa. O pedido era de R$ 97.200,00 por danos morais. A ação acabou negada. Segundo a juíza Alexandra Fuchs de Araújo, da 6ª Vara de Fazenda Pública, o Estado não atuou de forma intencional para prendê-lo. Considera toda a ação das polícias e dos juízes como dentro da lei.
“Para o Estado foi normal eles terem me prendido? Tudo certo? O negócio não muda, não”, lamenta Chandelle.
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“Há apenas um inconformismo que, por si só, não enseja indenização”, sustenta Alexandra, que, além de não ver erro, ainda determinou o pagamento de custas a Chandelle. O valor seria de 10% da causa (R$ 9.720,00), mas Wilson não terá de pagar pois recebeu gratuidade no processo.
“Imagina ele ficar preso de forma injusta e ainda ter de pagar por isso? Seria um absurdo”, resume o advogado de Wilson, Sandro Ferreira Araújo, que garante que vai recorrer da decisão.