Estudo do Unicef mostra relação entre taxa de assassinatos de jovens com a evasão escolar

    Em evento no RJ, adolescentes cobram maior participação na construção de políticas públicas de educação para combater a violência: ‘não notamos que temos direitos violados porque não exercemos nossos direitos’

    Bárbara Tavares é uma das alunas que discursou no evento e criticou atuação dos grêmios estudantis | Foto: Divulgação/Unicef

    A educação é a melhor arma para combater a violência, de acordo com jovens e especialistas. O entendimento em comum baseou discursos em seminário organizado no Rio de Janeiro nesta segunda-feira (17), pelo Unicef (Fundo das Nações Unidas para a Infância), que integra a ONU (Organizações das Nações Unidas), e a ONG Cidade Escola Aprendiz.

    Excluir jovens da elaboração e da implementação de políticas públicas, cujo fim é protegê-los, termina por dificultar a prevenção da violência, na opinião de Patrick Medeiros, estudante e integrante de projetos do Unicef. “Não notamos que temos direitos violados porque não exercemos nossos direitos. Eles já são negados desde sempre. Um grêmio ativo, uma ouvidoria de jovens podem ser mecanismos de proteção. Se o Estado não trabalha com quem sofre a violência, não faz sentido. Participar é proteger”, garantiu.

    O seminário trouxe como referência dados que demonstram uma relação de causa e consequência entre taxas de assassinatos de crianças e jovens e a evasão escolar. “O Brasil tem o número mais alto de crianças e adolescentes mortos por dia. São 32 entre 10 e 19 anos. No Ceará, desenvolvemos um estudo que mostrou que 70% dos adolescentes assassinados estavam fora da escola há mais de seis meses”, exemplificou a representante do Unicef Brasil, Florence Bauer, com dados do Unicef e do DataSus, do Ministério da Saúde. “A escola é a melhor forma de protegê-los contra a violência, mas é também a violência que os impede de chegar na escola muitas vezes”, prossegue.

    A estudante Bárbara Tavares, desenvolvedora do projeto Buquê de Inclusões, criticou a pouca atuação de grêmios e representantes de classe na defesa dos estudantes perante os dirigentes das escolas. “Representante de classe, do grêmio, agora servem para entregarem papel para diretor, mas poderiam fazer toda a diferença para o nosso relacionamento com os professores”, reprovou.

    Pensando nessas dificuldades, a estudante Lays dos Santos integrou o grupo de elaboração do Manifesto Jovem pelo Fim da Violência em Joanesburgo em 2018. “A relação da violência nas escolas e em torno dela se repete e esse manifesto é o único da quebra desse ciclo. A quem esse jovem deve recorrer? Precisamos nos fortalecer nisso”, afirmou Lays.

    O manifesto coloca esses jovens como atores responsáveis por serem gentis, não se silenciarem, tomarem atitudes e exigem serem levados a sério; regras claras estabelecidas; leis para restrição de armas; segurança no caminho de ida e volta para a escola; instalações seguras; capacitação da comunidade escolar; e ensino sobre consentimento e respostas à violência sexual.

    Seminário no Museu do Amanhã discutiu como a educação interfere na segurança pública e vice-versa | Foto: Yasmim Restum/Ponte Jornalismo

    As muitas violências

    A especialista em Proteção da Criança e do Adolescente do Unicef, Rocio Aznar Daban, citou diferentes tipos de violência que podem atingir a experiência educacional como a violência praticada por professores e funcionárias da escola, entre as crianças, nas família dos alunos e na comunidade. “Frequentemente, crianças que sofrem violência encontram dificuldades de concentração, evitam atividades escolares ou querem abandonar a escola, o que reduz suas perspectivas acadêmicas e profissionais”, analisou Rocio.

    Outra aluna acrescentou também o preconceito vivido por estudantes na cidade. “Já tive que voltar andando porque o motorista não para o ônibus para quem tá com camisa de escola pública”, relembra.

    Os estudantes também destacaram as dificuldades em lidar com caminhos hostis até a escola. “Tiroteios e operações nos horários de entrada e saída das escolas, a dificuldade de transitar entre territórios de facções rivais porque muitas vezes não dá para se matricular na escola perto de casa, aí sofremos ameaças… Aconteceu comigo e pode acontecer com outros”, revelou Rafael Barbosa, estudante e dançarino integrante do projeto RAP da Saúde.

    Desafios do momento político

    Especialistas se mostraram preocupados com o atual cenário político e os recentes cortes na área de educação. “Estamos em um momento muito desafiador, de uma ruptura do que construímos. Precisamos afirmar e reafirmar os nosso direitos nas diversas políticas públicas do país que estão sofrendo um desmonte e um desfinanciamento com essa Emenda 95”, criticou José Ferreira da Cruz, vice-presidente do Colegiado Nacional de Gestores Municipais de Assistência Social.

    A emenda 95, também conhecida como PEC da Morte, rompe com um contrato social firmado pela Constituição Federal de 1988, que responsabiliza o Estado pela garantia de serviços sociais. O congelamento da verba para esses setores por 20 anos foi apresentada pelo governo como uma medida de contenção de gastos diante da crise dos cofres públicos.

    A emenda causou grande polêmica e provocou manifestações contrárias e favoráveis em todo o país. Acadêmicos, no entanto, acreditam que a emenda pode destruir as conquistas da educação no Brasil.

    A estudante Lays dos Santos (à esq., no palco) lê o Manifesto Jovem pelo Fim da Violência| Foto: Yasmim Restum/Ponte Jornalismo

    “Estão formando uma opinião ruim sobre a educação, mas nós somos a resistência. Sabemos como o professor é importantes nesse momento político difícil. Não podemos nos render aos ataques das redes sociais eventos isolados negativos”, clamou o presidente de da seccional da Undime no Rio de Janeiro (União Nacional dos Dirigentes Municipais de Educação), Lenine Rodrigues Lemos.

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