Em seu voto, ministro obriga, entre outras coisas, presença de ambulâncias em operações, instalação de GPS e sistema de gravação nas viaturas e fardas policiais e suspensão sigilo de todos os protocolos de atuação policial no RJ
Por volta da meia-noite desta sexta-feira (21/5) o ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Edson Fachin liberou seu voto dos embargos colocados por movimentos sociais e pelo PSB (Partido Socialista Brasileiro) nos autos da ADPF (Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental) nº 635, conhecida como “ADPF das Favelas”. A medida proibiu operações policiais nas comunidades durante a pandemia da Covid-19 após liminar deferida pelo próprio Fachin e referendada pelo plenário da corte em junho de 2020. O julgamento em plenário virtual deve acabar no dia 28 deste mês.
No voto desta madrugada o ministro, que é relator da ADPF, concede diversas ordens para reduzir a violência policial. Entre algumas medidas ele proíbe a diligência sem mandado fundada exclusivamente em denúncia anônima e o uso de imóvel privado como base operacional sem requisição administrativa. Também obriga a disponibilidade de ambulância nas operações, pede a instalação de GPS e sistema de gravação nas viaturas e fardas policiais e suspende o sigilo de todos os protocolos de atuação policial no RJ.
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Além disso, o ministro determina que o CNMP (Conselho Nacional do Ministério Público) em 60 dias avalie a eficiência da decisão do Ministério Público do Rio de Janeiro (MP-RJ) de extinguir o Grupo de Atuação Especializada em Segurança Pública (Gaesp), suspenda o sigilo de todos os protocolos de atuação policial no estado do Rio e ainda propõe ao colegiado criação de um Observatório Judicial sobre Polícia Cidadã formado por representantes do STF, pesquisadores e entidades da sociedade designadas pelo presidente do tribunal.
O voto de Fachin foi visto como histórico por ativistas dos direitos humanos e pesquisadores do tema, como Felipe Freitas, 33 anos, doutor em Direito pela UNB (Universidade de Brasília) e integrante do Grupo de Pesquisa em Criminologia da Universidade Estadual de Feira de Santana (GPCRIM-UEFS). “Ele esclareceu os termos da decisão anterior e confirmou sua posição em onze pontos acerca da suspensão das operações policiais durante a pandemia, da necessidade e urgência de o estado do Rio adotar medidas para conter a letalidade policial e de exigir transparência nos protocolos policiais”.
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O voto do relator é muito importante porque representa uma resposta do tribunal às provocações da polícia civil na coletiva após a chacina do Jacarezinho, que afrontou a decisão anterior do Supremo mesmo diante de um saldo de pelos menos 28 mortos na operação, diz Felipe. “A manifestação do ministro Fachin aponta para reafirmação de alguns princípios básicos de legalidade na ação policial”.
Fachin encaminhou ofícios à Procuradoria Geral da República (PGR) e à Procuradoria-Geral de Justiça do RJ no dia seguinte ao massacre, citando possível “execução arbitrária” durante a ação, o que é negado pela polícia.
À Ponte, o advogado Joel Luiz Costa, fundador do Instituto de Defesa da População Negra, que atua no Jacarezinho, comemorou a decisão do ministro do STF. “A decisão do ministro Fachin atende um anseio antigo dos movimentos sociais do Rio, que a política de segurança implementada no estado tenha como eixo principal a preservação da vida de todos e todas. E evite transformar territórios vulnerabilizados em praças de guerra, como o que aconteceu no Jacarezinho em 6 de maio”, disse.
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Assim como Joel, a representante da Rede de Comunidades Contra Violência, Patricia de Oliveira da Silva, 46 anos, avalia que o voto de Fachin mostra o quanto é importante a luta dos familiares que estão nas periferias cariocas. “A entrada dos movimentos na ADPF fez uma mudança significativa para os familiares que aguardam a Justiça. Esperamos que os outros ministros do Supremo Tribunal Federal acompanhem o voto do relator e que a gente consiga realmente fazer a diferença na política de segurança pública do Estado do Rio de Janeiro, que a gente consiga ter o observatório”.
Patrícia também defende a volta do Gaesp. “Esperamos que os casos que estavam com o Gaesp e que foram passados para a nova gestão administrativa do atual procurador Luciano Matos sejam realmente finalizados, porque muitos desses casos estavam em promotorias de investigação penal há muito tempo e nunca foram investigados e denunciados, e quando foram pro Gaesp alguns casos foram denunciados”.
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Shyrlei Rosendo, representante da Redes da Maré, vê o voto de forma positiva. “O relator foi muito sensível, então leu o plano de redução, falou da obrigatoriedade das ambulâncias em operações policiais do possível retorno do Gaesp”.
O que mais chama atenção é o importante trabalho que os movimentos sociais vêm fazendo, aponta Shyrlei. “De mostrar como é que está a situação do Rio de Janeiro e isso se materializa, por exemplo, na audiência pública. É muito importante ter o judiciário preocupado com o que está acontecendo no RJ. Espero que os outros ministros sigam o voto para que a gente possa fazer uma virada de chave na política de segurança pública do RJ”.
Daniela Fichino, advogada e coordenadora da Justiça Global, aponta que o ministro determina que o estado do Rio de Janeiro elabore um plano de redução da letalidade policial e de controle da violação de direitos humanos, detalhando as medidas, cronograma e recursos necessários. “Essa é uma determinação que inclusive já foi dada pela Corte Interamericana de Direitos Humanos em 2017, mas o Estado está em mora no cumprimento desta determinação há mais de quatro anos. Nesse período, a letalidade da polícia cresceu vertiginosamente e quebrou recordes históricos – e esta ascensão só foi detida pela decisão de suspensão das operações policiais, em junho de 2020”.
Para ela, outro ponto de grande destaque é determinação de que o estado do Rio de Janeiro instale equipamentos de GPS e sistemas de gravação de áudio e vídeo nas viaturas policiais e nas fardas dos agentes de segurança. “Esta é uma medida essencial para monitoramento e garantia da legalidade das ações policiais”.
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Por fim, e não menos importante, Fachin também determinou que o MPF (Ministério Público Federal) realize a investigação dos atos de descumprimento da decisão de suspensão das operações policiais, explica. “Isso inclui, expressamente, a Chacina do Jacarezinho. A atuação do MPF foi uma demanda do conjunto de atores da sociedade civil que atuam na ADPF, e pode ser decisiva para a transparência, agilidade e lisura das investigações”, finaliza Daniela.
Apesar da liminar que proibiu as operações policiais nas favelas do RJ durante a pandemia, foram muitas as operações policiais aconteceram nos últimos meses. O massacre do Jacarezinho em 6 de maio deixou 28 pessoas mortas, sendo 27 civis e um policial. A chamada “Operação Exceptis” chamou a atenção de entidades voltadas aos direitos humanos, uma vez que a incursão de agentes de segurança na comunidade não adotou protocolos de proteção aos moradores do local e houve desfazimento de cenas dos crimes.
Diante disso, nesta segunda-feira (17/5), o PSB pediu que o STF defina o conceito de “absoluta excepcionalidade” e que o órgão limite operações policiais em favelas do Rio de Janeiro a “situações extraordinárias de perigo imediato e concreto à vida”.
Segundo os movimentos sociais e a legenda, a corte não determinou a realização de plano de redução da letalidade policial, debatido em audiência pública ocorrida em abril deste ano. Com isso, o pedido apontou obscuridade e omissão do Supremo, que não deu prioridade na tramitação de inquéritos e investigações quando as vítimas são crianças, além de não ter apreciado o pedido de publicidade de todos os protocolos de atuação da polícia do Rio de Janeiro.
O voto de Fachin é o início de um julgamento que ainda tem dias para chegar ao fim, os outros ministros do Supremo ainda precisam votar o recurso, como explica o pesquisador Felipe. “A questão, no entanto, está longe de ser resolvida. Precisamos esperar os votos dos outros ministros e a conclusão do julgamento dos embargos e, o mais importante, precisamos monitorar o cumprimento da decisão”, afirma.
Ele complementa lembrando que os movimentos sociais têm aprendido ao longo dos anos que as declarações de direitos dificilmente valem para assegurar a vida de negras e negros no Brasil. “A discussão agora diz respeito a testar o peso das palavras do STF no cotidiano da vida nacional. Se as operações policiais seguirem acontecendo, desrespeitando a eventual decisão do tribunal, estará comprovado que a palavra da Justiça no Brasil não tem valor algum”.