Falta de dados sobre raça impede criação de políticas contra violência

    Segundo Rede de Observatórios da Segurança, apenas 8% das chacinas têm cor de pele da vítima identificada: “negar o racismo perpetua o problema”, diz pesquisador

    Especialista considera polícia como responsável por manter racismo institucional | Foto: Sérgio Silva/Ponte

    Levantamento da Rede de Observatórios da Segurança aponta para lacuna em dados oficiais sobre a raça de vítimas de violência. Os dados analisados são de cinco estados: São Paulo, Rio de Janeiro, Bahia, Ceará e Pernambuco. O estudo contabilizou ocorrências durante um ano, no período de junho de 2019 a junho de 2020, com base em reportagens e informações de redes sociais. Há ausência ou dados não confiáveis quando se trata de raça.

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    Um exemplo são as chacinas. Dos 101 casos ocorridos no período, as informações oficiais mostravam a raça das vítimas em apenas 8% dos crimes. O mesmo se aplica à violência doméstica, com discriminação de cor de pele em apenas 8,7% dos casos.

    Os registros de crimes raciais também contribuem para colocar o racismo no centro do problema, como apontado pelos especialistas. De 7 mil casos monitorados, apenas 50 (0,4%) eram de racismo e injúria racial. Quanto aos números existentes, os dados apontam para maior vitimização de negros, seja em homicídios, mortes pelas polícias ou feminicídios.

    Um exemplo é a taxa de homicídios geral do país, de 28 por 100 mil habitantes, número que sobe para 200 a cada 100 mil quando o perfil é de jovens negros (19 a 24 anos). Dos mortos pela polícia brasileira, 75% são negros e, das vítimas de feminicídios, 61% são mulheres negras.

    Segundo Pablo Nunes, coordenador adjunto da Rede de Observatórios, tanto a inexistências de ações quando se têm um perfil de vítimas quanto a falta de informações contribuem para perpetuar o racismo institucional existente no Brasil. Sem estes dados, fica interferida a criação de política públicas para combater o problema.

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    “A raça perpassa todos os acontecimentos monitorados, sejam vítimas ou pessoas cujo cotidiano foi afetado por ações policiais, por exemplo”, afirma. “A insistência de não colocar a questão do racismo, no país que nega que há racismo, também é uma forma de perpetuar e não enfrentar o problema”, pontua.

    Ele explica que o tema do estudo foi definido no ano passado, antes da morte de George Floyd, homem negro assassinado por um policial branco nos Estados Unidos. Segundo ele, a escolha é “quase natural”.

    “Quem acompanha a dinâmica da segurança pública não tem como não colocar racismo no centro da questão sob pena de não conseguir entender de maneria completa esses acontecimentos violentos que persistem nesses cinco estados”, afirma.

    No período estudado, 984 pessoas foram mortas pela polícia: 483 no Rio de Janeiro, 260 na Bahia, 207 em São Paulo, 28 no Ceará e 6 em Pernambuco. Destes, 27 eram crianças. Ainda há 712 feridos.

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    “Não tem como não colocar a polícia e seu comportamento racista e a violência como um ponto determinando o pensamento de segurança. Não só nesses estados, podemos falar no Brasil inteiro”, diz Nunes.

    O estudo também traz estatísticas de violência contra a mulher, com a tentativa de feminicídio ou agressão física liderando os números: 516 casos. Feminicídios consumados são 454.

    Pablo explica ter tido uma mudança na divulgação desde o início da pandemia de coronavírus. De acordo com o coordenador, o fato de as pessoas ficarem em casa deixa as mulheres vulneráveis aos agressores.

    “Sentimos uma redução, mas tem que ter muito cuidado para entender. Esta violência tem peculiaridades muito próprias. As vítimas continuam em um ambiente de violência porque dependem financeiramente dos seus parceiros”, afirma, citando aumento dessa dependência pelo isolamento social.

    “A pandemia gerou um aumento brutal da pobreza. A redução pode ser explicada pelas dificuldades de as pessoas saírem de suas casas para registrar [ocorrência] e por ser, em alguns dos casos, dependentes dos algozes”, continua.

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    Quanto à questão prisional, tanto de presídios para adultos quanto de jovens em conflito com a lei, o pesquisador cita que os temas abordados envolvem fugas e não indicam problemas internos nas condições de convívio.

    “A prisão funciona como um buraco mágico onde a sociedade joga os indesejados e espera que não haja mais nenhum tipo de contato, que eles sumam”, analisa. “O fato de a imprensa dar atenção para casos de fuga e não para as condições a que estão submetidos é uma preocupação que aparece de maneira forte”, critica.

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