Família de preso com câncer na Penitenciária Federal de Brasília denuncia negligência

    Felipe Batista Ribeiro, integrante do PCC, tem um tumor no cérebro que causa convulsões; alimentação inadequada é mais uma vez denunciada em carta a familiares

    Exame mostra tumor (mancha mais clara) em evolução no cérebro de Felipe, o Anjinho (à direita) | Foto: reprodução

    Diagnosticado com tumor cerebral em estágio avançado, Felipe Batista Ribeiro, o Anjinho, 31 anos, integrante do PCC (Primeiro Comando da Capital), está sendo “deixado para morrer” na Penitenciária Federal de Brasília, de acordo com familiares.

    De acordo com exames médicos divulgados à Ponte por familiares e pessoas próximas, Anjinho tem um tumor de mais de 4 centímetros, do lado esquerdo do cérebro, em evolução contínua, o que tem aumentado a pressão craniana, causando fortes dores de cabeça, náusea e convulsões constantes.

    Trechos do laudo médico a partir de exames de imagens feitos em Anjinho
    Trechos do laudo médico incluído em petição que tentava prisão domiciliar ou transferência para Manaus

    A família afirma que ele não está tendo acesso ao tratamento adequado. Além disso, a defesa dele tenta uma transferência de volta ao estado de origem ou ainda prisão domiciliar, considerando a saúde debilitada do detento. Abaixo, petição da defesa de Anjinho à Corregedoria Judicial da Penitenciária Federal de Brasília detalha a condição de saúde do detento.

    Anjinho estava recolhido no Complexo Penitenciário Anísio Jobim, o Compaj, em Manaus, até maio do ano passado, quando o Comando Vermelho promoveu uma matança de integrantes do PCC. Na ocasião, 55 detentos foram emboscados e assassinados dentro da unidade prisional. Após o episódio, Anjinho foi apontado como suspeito de planejar uma fuga e uma possível vingança pela atitude da facção rival no Centro de Detenção Provisória Masculino II, como mostra documento do início de maio do ano passado informando sobre investigações.

    Dois meses antes da transferência, em março de 2019, o Ministério Público e a Justiça do Amazonas aceitaram o pedido de prisão domiciliar por causa da doença dele. Mesmo assim, ele acabou transferido. Ele está condenado a 21 anos de prisão por tráfico de drogas, roubo qualificado, porte de arma de fogo de uso exclusivo e por integrar organização criminosa. Anjinho é apontado como o articulador do PCC no Amazonas.

    Em seis de novembro do ano passado, a Justiça do Distrito Federal decidiu permitir o retorno do preso para o estado onde nasceu. No pedido, a defesa de Felipe destaca o câncer e a necessidade de passar por uma cirurgia, e informa que ele faz uso de medicação controlada, como Gardenal e Hidantal. “De acordo com as avaliações, parecer médico, risco cirúrgico, exames e receituários anexos, [Felipe] necessita de cirurgia e deve realizar seu pré e pós-operatório fora do ambiente prisional”, escreveu o defensor.

    No dia 10 de fevereiro, o juiz federal Francisco Codevila, da 15ª Vara, que havia permitido a transferência, suspendeu por 60 dias a própria decisão, mantendo Anjinho na Federal de Brasília. Além disso, negou o pedido de prisão domiciliar feito pela defesa. Para as duas decisões pesou o fato de o Depen (Departamento Penitenciário Nacional) informar que Anjinho integra a facção paulista e que, assim que saísse, iria servir de pombo-correio para levar recados de lideranças do PCC que estão na penitenciária federal para integrantes que estão nas ruas e no sistema prisional do estado do Amazonas.

    Codevila destaca que Felipe tem recebido todo o auxílio possível mesmo estando encarcerado e que sua saída, considerando que integra a facção criminosa, é um risco à ordem pública.

    “Apesar de o preso não estar alocado na mesma ala das lideranças do primeiro escalão do PCC, convive com os presos do segundo escalão da facção e há fortes indícios de que o preso teria recebido ‘salves’ destas
    lideranças, os quais devem ser repassados a outros integrantes do PCC em seu regresso ao sistema prisional amazonense, utilizando como justificativa sua patologia e necessidade de tratamento de saúde em local diverso
    da unidade prisional federal. Integrantes da facção já estariam esperando o retorno de Felipe ao Estado, pois é responsável pela operacionalidade de ações do PCC”, escreveu o magistrado.

    Nesta segunda-feira (9/3), a Justiça Federal negou o pedido de permissão para que Anjinho realizasse exames com um médico particular dentro da unidade prisional.

    Preso afirma estar sendo privado de alimentação

    O detento Paulo César Souza Nascimento Junior, o Paulinho Neblina, integrante do PCC e também preso na Penitenciária Federal de Brasília, escreveu estar sofrendo com privação de alimentação adequada. Conforme relato em reportagem publicada em janeiro, Paulinho, que tem síndrome de Crohn, teria que ter uma dieta específica por causa da doença o que, segundo detento, não está acontecendo. “Não suporto mais essa situação. Tenho uma doença crônica no intestino”, escreveu em carta endereçada à defesa e a familiares, e que foi enviada à Ponte.

    Em nova carta ditada por ele, escrita pela advogada e enviada aos familiares, Paulinho afirma que nada mudou. “A unidade está me torturando psicologicamente através da minha doença e comida, colocando funcionário para me provocar e comunicar castigo sem eu ter feito nada”, diz trecho da carta.

    Carta ditada por Paulinho Neblina e redigida pela advogada e obtida pela Ponte | Foto: reprodução

    Paulinho Neblina cumpre pena de 145 anos por sequestros, formação de quadrilha, associação ao tráfico de drogas e associação à organização criminosa.

    Na carta, ele cita o caso de Anjinho. “O rapaz tem convulsões diárias e a unidade não trata. Só estão remediando as convulsões”, escreve.

    Em nota enviada no dia 30 de janeiro, por causa da primeira reportagem dos relatos de possíveis falhas na alimentação, o Depen negou que qualquer irregularidade estivesse acontecendo e informou que os presos “têm assistência material, que prevê o fornecimento de alimentação, vestuário e produtos de higiene”. A pasta enviou um “exemplo de cardápio” e os horários que os detentos recebem as refeições.

    Procurado na última sexta-feira (6/3) mais uma vez para ser questionado sobre as novas denúncias, o Depen enviou a seguinte nota nesta terça-feira (10/3): “Segundo o Código de Ética Médica e resoluções do Conselho Federal de Medicina (CFM) No. 999/80 de 23 de maio de 1980 e nº 1.605/2000 o sigilo é de informações de saúde é simultaneamente direito do paciente e dever do profissional. A assistência à saúde aos custodiados são realizados, preferencialmente, nas dependências das penitenciárias federais, que possuem um Serviço de Saúde organizado no nível de atenção básica ou atenção primária, ou seja, atendimentos básicos, iniciais, voltados à prevenção de doenças e solução de possíveis casos de agravos”, diz trecho do comunicado oficial.

    “Atendimentos de média e alta complexidade em saúde, por meio de ações e serviços cuja complexidade da assistência na prática clínica demande a disponibilidade de profissionais especializados e a utilização de recursos tecnológicos, para o apoio diagnóstico e tratamento, são prestados em articulação com os hospitais”, explica outro trecho da nota.

    Por fim, a pasta reforça a premissa de que todos os presos têm os direitos fundamentais respeitados. “As pessoas presas, qualquer que seja a natureza de sua transgressão, mantêm todos os direitos fundamentais a que fazem jus todas as pessoas humanas, e principalmente o direito de gozar dos mais elevados padrões de saúde física”.

    Reportagem atualizada às 13h06 do dia 11/3 para inclusão de nota do Departamento Nacional Penitenciário

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