Leandro Gustavo de Araújo Rosa, 18 anos, tinha arma de brinquedo na cintura e, segundo policiais, ameaçou atirar; especialista classifica versão oficial de morte em São José dos Campos como “pouco crível”
A morte de Leandro Gustavo de Araújo Rosa, 18 anos, em uma abordagem policial na madrugada de domingo (4/10) levou sua família e amigos a protestar na cidade de São José dos Campos, no interior de São Paulo. Familiares denunciam que o disparo fatal o atingiu pelas costas enquanto ele estava rendido.
Leandro Gustavo estava com um amigo na Rua Malvina Barbosa de Araújo, no Conjunto Habitacional Dom Pedro II. Eles voltariam de um “fluxo” (festa de funk na rua) com amigos, conforme conta à Ponte seu irmão.
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Os dois teriam sido abordados de forma truculenta pelos policiais, em busca de supostos ladrões. A PM foi chamada porque dois homens tentaram roubar um casal em um carro.
Conforme conta o irmão de Leandro, que não quis se identificar, os PMs pediram de dentro da viatura para os dois deitarem no chão. O jovem estava de bicicleta e não deitou, já o seu amigo atendeu na hora.
A família recebeu de testemunhas a informação de que o jovem teria colocado a mão na cabeça e não esboçado reação. No entanto, o ato de levantar os braços fez com que uma arma de brinquedo em sua cintura ficasse à vista dos policiais.
Tanto os parentes quanto o amigo sobrevivente da ação confirmam que Leandro estava com a arma de brinquedo. A diferença é quanto a sua reação durante a abordagem policial.
Ao delegado Alceu Ferreria Damasio, da Delegacia Seccional Sul de São José dos Campos, os PMs Plácido Cardoso Duarte e Fábio da Silva asseguram que Leandro apontou a arma para eles.
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Em resposta, o PM Cardoso deu três disparos para “defender e evitar mal maior”. Só quando foram conferir a situação do adolescente que descobriram ser uma arma de brinquedo.
Já os familiares falam que Leandro teria sido executado pelo policial enquanto estava de costas e rendido. A informação que receberam é de que ele recebeu apenas um tiro.
“O que achamos esquisito é que o padrasto foi ao IML (Instituo Médico Legal) reconhecer o corpo e tinha um único tiro, que foi [dado] pelas costas”, questiona o tio do jovem, Paulo Henrique Silva, vendedor de 53 anos.
O tio diz que a família falou para que ele não andasse com a arma de brinquedo, mas não foram atendidos. Paulo ainda rebate a versão de que o rapaz estaria cometendo roubos na vizinhança.
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“Jamais! É totalmente mentiroso”, responde, ao comentar sobre a suposta tentativa de roubar um carro. “O coitado nem andava direito de bicicleta, quanto mais de carro. Essa versão é totalmente mentirosa”.
O Boletim de Ocorrência traz tanto a versão dos PMs quanto a do amigo de Leandro. Também apresenta a fala das vítimas da tentativa de roubo, que teriam reconhecido o rapaz quando ele estava caído após ser baleado.
A morte gerou protestos no domingo e também nesta segunda-feira (5/10). Amigos e vizinhos ocuparam as ruas do Conjunto Habitacional Dom Pedro II e cobravam respostas do poder público.
PMs ignoraram Método Giraldi
Ao analisar as versões, o tenente-coronel aposentado da PM paulista Adilson Paes de Souza considera pouco provável a tese de que uma pessoa apontaria uma de brinquedo para policiais com armas de verdade apontadas para ela.
“É pouco crível essa versão que reagiu apontando arma que ela sabia ser um simulacro, que não sairia nenhum disparo de lá”, afirma, dizendo que uma coisa é praticar o crime com arma de brinquedo contra um civil e outra é ter PMs a abordando.
“Por que ia apontar sabendo que PMs estavam com arma real, apontando para ela? Esse detalhe faz com que haja dúvida em relação a versão dos policias”, sustenta, dizendo que os dois policiais não aplicaram nesta abordagem o Método Giraldi.
Instituído na polícia paulista na década de 1990, o texto traz regras de como a ação policial se dá em campo, como no caso de um enquadro, por exemplo. Um dos pontos detalhados é da proporcionalidade da violência, de haver escalas até chegar no limite, que é quando o policial pode atirar.
“Os policiais estavam em superioridade, havia o elemento surpresa a favor deles, com arma apontada para a pessoa, visualizaram a arma na cintura… Há espaço para uma proporcionalidade na ação e não houve”, explica.
A Ponte questionou a SSP (Secretaria da Segurança Pública) de São Paulo, gerida pelo general João Camilo Pires de Campos neste governo de João Doria (PSBD), sobre a ação.
Em nota, a assessoria de imprensa terceirizada da pasta, a InPress, explicou que o caso é investigado pelo 3º DP São José dos Campos e Polícia Militar. “Todas as circunstâncias relativas aos fatos são apurados”.
A reportagem pediu entrevista com os PMs Cardoso e Da Silva, mas não recebeu resposta da SSP quanto a esta solicitação.