“Eu quero o corpo dele para fazer um enterro digno. Só isso que eu quero”, diz a mãe de um dos jovens desaparecido após relato de “enquadro” em SP. Para Condepe, há indícios de violência policial
Familiares de César Augusto Gomes Silva, de 19 anos, Jonathan Moreira Ferreira e Caique Henrique Machado Silva, ambos de 18, além de Robson Fernando Donato de Paula, 16, e Jonas Ferreira Januário, 30, desaparecidos desde a noite da sexta-feira (21/10) após uma denúncia de abordagem policial no extremo leste de São Paulo, já não acreditam mais que os rapazes sejam encontrados com vida.
Até o coração de mãe, que tende a aguentar todos os percalços, neste momento só espera pela localização do corpo do filho e um enterro digno. Mãe de Jonathan, Adriana Moreira Nogueira afirmou, chorando, não ter “mais esperança nenhuma”. “Eu quero o corpo dele para fazer um enterro digno. Só isso que eu quero”, disse para o SPTV, da TV Globo. Na opinião das famílias, o que houve foi uma “emboscada”. Boletins de ocorrência foram registrados no 55º DP (Parque São Rafael) e 49º DP (São Mateus).
As esperanças em encontrá-los são minadas, principalmente, pela demora em ter em notícias sobre o paredeiro, pela local onde o carro foi encontrado, abandonado às margens do Rodoanel Mário Covas, e porque todos os telefones celulares estão desligados. No carro, o único vestígio deixado são fraldas e medicamentos de Donato de Paula, que ficou paraplégico após levar 14 tiros, e se locomove através de uma cadeira de rodas.
Morador de Sapopemba, ele sempre se encontrava com os três garotos do Jardim Rodolfo Pirani, bairro pobre do distrito do Parque São Rafael, localizado a exatos 30 quilômetros da praça da Sé, e que faz divisa com Mauá e Santo André, na Grande São Paulo. A região é patrulhada pelo 38º Batalhão da PM, que teve um agente de 30 anos morto em maio deste ano, com oito disparos, no Jardim Santo André, bairro colado ao Jardim Rodolfo Pirani. À época, policiais da região disseram que os atirados estavam em uma baile funk na região.
Vítimas de violência policial
Para o membro do Condepe (Conselho Estadual de Defesa dos Direitos da Pessoa Humana) Ariel de Castro Alves “existem indícios de que [os jovens] possam ter sido vítimas de policiais”. A acusação recai em virtude de um áudio enviado por um dos jovens via Whatsapp a uma amiga em que relata ter tomado um “enquadro” e “os polícia está me esculachando”. O enquadro é como as pessoas costumam se referir a uma abordagem policial.
A versão também é corroborada pelo Condepe de Sapopemba, que acompanha o caso. Um dos jovens, Donato de Paula, era acompanhado de perto pelo órgão desde o ano passado, quando levou os tiros. Ele estava em uma carro roubado. O órgão de Sapopemba informou que pretende reunir os familiares e conseguir informações relevantes sobre o dia a dia dos meninos. A reunião não ocorreu porque a avó de um dos garotos faleceu na quinta-feira (27).
A Secretaria de Segurança Pública (SSP) informou, por meio de nota, que o DHPP (Departamento Estadual de Homicídios e de Proteção à Pessoa ) investiga o desaparecimento, e que a Corregedoria da Polícia Militar acompanha as investigações pela suposta participação de integrantes da corporação. Já a Secretaria de Direitos Humanos da Prefeitura, que foi procurada pelos familiares dos jovens na terça-feira (25) informou ter acionado a Ouvidoria da Polícia Militar e da Defensoria Pública. Fotos, com nome e data de nascimento de quatro dos cinco sumidos foram inseridas no portal que a Polícia Civil mantém para divulgação de pessoas desaparecidas no Estado.
Os jovens que estavam em um carro Volkswagen Santana verde saíram do bairro em que a maioria morava, o Jardim Rodolfo Pirani, na região do Parque São Rafael, e seguiam em direção a uma festa em uma chácara em Ribeirão Pires, na Grande São Paulo. Eles avisaram aos familiares que se encontrariam com meninas que conheceram pela internet. Como boa parte dos jovens da periferia, os amigos ostentavam fotos em que apareciam sorridentes, com relógios e tatuagens à mostra.
Familiares e moradores do local dizem que os jovens eram conhecidos de policiais militares que atuam na área e constantemente eram ameaçados. A versão é a de que os agentes acusam dois dos jovens de terem participação na morte de um PM na região.
Dos cinco amigos desaparecidos, Gomes Silva, Ferreira, Silva e de Paula já tinham passado pela Fundação Casa. Pelo que a reportagem apurou, por envolvimento em roubo de carro. A situação da passagem policial, muitas das vezes é fator determinante para uma abordagem mais agressiva por parte da polícia. O condutor do carro que daria uma carona aos jovens, Januário, de acordo com o Condepe, sofre de problemas mentais.
Protesto
Na tarde de ontem familiares, amigos e moradores do bairro bloquearam por alguns instantes a avenida Jacu-Pêssego, antiga Nova Trabalhadores, na altura da avenida Bandeira de Aracambi, clamando por Justiça e por resposta sobre o paradeiro dos garotos.
A resposta foram várias viaturas da PM e borrifadas de spray de pimenta em pessoas que protestavam com camisetas brancas com os rostos e os primeiros nomes de casa desaparecido.
Outro lado
A Polícia Civil informa que foi instaurado um Procedimento de Investigação de Desaparecimento (PID) para investigar o caso no DHPP. [Na manhã desta sexta-feira (28/10), a Ponte descobriu que já existe Inquérito Policial (IP) para investigar o sumiço dos jovens, não apenas um PID]. O carro usado pelos jovens foi periciado e as famílias foram ouvidas. Como uma abordagem da PM foi citada por um parente das vítimas, a Corregedoria da PM acompanha a investigação da Polícia Civil. Mais informações não podem ser passadas para não prejudicar as investigações.
A Secretaria Municipal de Direitos Humanos informa que, tão logo foi acionada na terça-feira (25) pelos familiares do grupo de jovens desaparecidos, acionou a Ouvidoria da Polícia Militar, a Ouvidoria da Defensoria Pública e o Conselho Estadual de Defesa dos Direitos da Pessoa Humana (Condepe). A pasta segue acompanhando a evolução das informações.
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