Familiares de jovens negros mortos na mesma região de SP pedem justiça e fim do genocídio

    Mortes aconteceram na Cidade Tiradentes, no extremo leste da capital paulista, este ano; “parece que nossa vida não vale nada”, diz mãe de Igor, uma das vítimas

    Movimentos e familiares protestaram contra mortes de jovens negros na Cidade Tiradentes | Foto: Pedro Borges / Alma Preta

    “O que mais dói é que ninguém faz nada, meu filho não era bandido, parece que porque a gente é pobre e da periferia, a nossa vida não vale nada”, lamenta a manicure Ana Paula Bernardo, 45 anos, após quatro meses sem resposta sobre o assassinato do filho Igor Bernardo dos Santos, 17, morto a tiros no bairro de Cidade Tiradentes, na zona leste da capital paulista.

    Ela e outras mães que tiveram os filhos mortos na região neste ano se uniram no protesto “Vidas Pretas Importam”, coordenado por diversos movimentos, para pedir fim ao extermínio da juventude negra e periférica neste sábado (4/7).

    Com cartazes pedindo justiça, outros com nomes de jovens também vítimas de violência policial, os manifestantes se concentraram por volta das 13h na Praça do 65, na avenida dos Metalúrgicos.

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    Protesto também lembrou de vítimas de violência policial na região | Foto: Pedro Borges/Alma Preta

    De acordo com a militante Katiara Oliveira, da Rede de Proteção e Resistência ao Genocídio, o objetivo é dar visibilidade aos casos para que não fiquem impunes. “É preciso mostrar para as famílias que eles não estão sozinhos, eles precisam expressar a voz, fazer as homenagens, mostrar a saudade, a indignação e a revolta. Tá na hora de dizer basta! Chega de ficar enterrando jovens”, afirma.

    A morte de Igor aconteceu no mesmo dia de outras duas, a apenas quatro quilômetros de distância: dos adolescentes Felipe Santos Miranda, 18, e Brayam Ferreira dos Santos, 16, em março deste ano, que também foram lembrados na manifestação. Na época, testemunhas relataram à Ponte o mesmo modo de ação dos atiradores nos três casos: homens em uma moto preta, modelo Honda GC 300 chegam, o garupa finge ser um assalto e, antes de as vítimas entregarem seus pertences, saca a arma e atira.

    Felipe (à esq.) e Brayam conversavam com amigos quando foram baleados | Foto: Arquivo pessoal

    Desde então, moradores do bairro relatam sensação de medo e de impunidade, com receio de que mais ataques aconteçam. “Eram meninos que não deviam para ninguém. A gente já estava arrumando documentos para carteira de trabalho dele porque ele queria muito trabalhar”, lembra Ana Paula, mãe de Igor.

    Igor estava conversando com amigos na rua Etore Tommasini quando foi atingido por atiradores num assalto, em março | Foto: Arquivo/Ponte

    Em junho, outro jovem, de 18 anos, Matheus Kaique, também foi morto. Segundo a irmã dele, o rapaz foi seguido e morto por policiais. “A polícia oprime muito e acha que pode tirar a vida dos jovens pretos. Hoje as pessoas estão protestando contra isso”, declarou.

    O protesto também destacou que, mesmo com a pandemia do novo coronavírus, a violência policial não deu trégua. A Ponte mostrou que, mesmo na quarentena, a Polícia Militar foi responsável por 262 mortes de março a maio de 2020, 17% a mais do que no mesmo período do ano passado.

    “É inegável que a violência se concentra nas periferias”, pondera Elaine Mineiro, da Uneafro. “Na Cidade Tiradentes, desde o começo da pandemia, tem aumentado o policiamento ostensivo e assassinatos inexplicáveis, mas na verdade quem mora na quebrada sabe o motivo”, referindo-se ao racismo na corporação.

    Os presentes seguiram em caminhada até o terminal de ônibus do bairro. Durante o trajeto, alguns policiais que acompanhavam o protesto estavam sem identificação na farda, o que contraria o Regimento da Polícia Militar.

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    Policial foi visto sem identificação na farda durante protesto | Foto: Pedro Borges/Alma Preta

    Para o advogado e conselheiro do Condepe (Conselho Estadual de Direitos da Pessoa Humana) Ariel de Castro Alves, a falta de identificação pode dificultar a punição em casos de abusos. “Os que não usam a identificam, demonstram que estão mal intencionados. E há premeditação para cometerem abusos e não serem identificados”, analisa.

    A reportagem mostrou as imagens ao ouvidor da Polícias do Estado de São Paulo, Elizeu Lopes. “Vamos pedir explicações ao Comando Geral da PM e a Corregedoria sobre procedimento que a rigor deveriam todos estarem com as devidas identificações”, garantiu.

    O que diz a SSP

    Questionamos a assessoria de imprensa da Secretaria de Segurança Pública sobre o andamento das investigações dos casos citados e sobre a ausência de identificação de policiais.

    Em nota, a InPress, assessoria de imprensa terceirizada da SSP, informou que a PM atuou “para garantir o direito à manifestação e a segurança de todos” e que a imagem do policial sem identificação foi encaminhada ao Comando da região “para que seja devidamente analisada e adotadas as medidas cabíveis”.

    Com relação às investigações, a pasta afirmou que não é possível pesquisar sobre o andamento “pois os cartórios das delegacias de polícia não funcionam nos finais de semana”.

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