Famílias de detentos denunciam desvio de alimentos, medicação e itens de higiene

    Esposas e mães dizem que funcionários do CDP do Belém 1 não usam máscara e álcool gel contra a Covid-19; também retêm cartas e impedem envio de e-mails

    Dificuldades na entrega do jumbo e na comunicação com presos e funcionários do CDP do Belém 1 são algumas das queixas dos familiares| Foto: Reprodução/GoogleMaps

    Há oito meses *Gabriela enfrenta dificuldades para enviar o “jumbo” (sacola de itens de higiene, alimentação e remédios que os parentes mandam para os detentos) ao seu marido preso no Centro de Detenção Provisória (CDP) do Belém 1, na zona leste de São Paulo.

    Ela conta que, além de alterarem frequentemente a lista de marcas e produtos que podem ser enviados, os funcionários da prisão estadual não entregam tudo aos presos e nem devolvem às famílias. “Tudo que acham que não pode entrar eles tiram e pegam para eles”, diz Gabriela.

    A jovem de 21 anos, que está desempregada, relata que o CDP do Belém 1 limita a visita virtual a apenas cinco minutos de duração e não respeita o direito da troca de dois e-mails por semana. “A visita virtual deveria durar ao menos de 10 a 15 minutos. Agora são 5 minutos. Mandamos e-mail em uma semana, mas o retorno só vem na outra. Eles não atendem o telefone e, quando atendem, colocam no mudo e desligam na nossa cara”, afirma Gabriela. 

    Superlotação

    Em um grupo de WhatsApp com aproximadamente 200 familiares de detentos do CDP do Belém 1, os problemas são tratados como descaso. O CDP do Belém 1 tem capacidade para 853 detentos e, hoje, é ocupado por 1.158, segundo dados da própria SAP (Secretaria da Administração Penitenciária), da gestão de João Doria (PSDB). Em abril de 2020, a Ponte revelou que o CDP era um dos locais para onde estavam sendo levados novos presos para cumprir quarentena.

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    *Camila, 40 anos e desempregada, tem um filho detido na unidade há quatro meses e também se queixa do descaso com as entregas do jumbo. “Eles passam uma lista do que pode ser incluído no jumbo e, na hora do recebimento, não entregam o que está lá, só algumas coisas. Entregam o que convém”.

    Problemas no projeto Conexão Familiar, desenvolvido pela SAP para a troca de e-mails entre presos e seus parentes, assim como as visitas virtuais, também são apontados. “Recebi uma carta que saiu no dia 28 de fevereiro de lá [do CDP] e veio chegar aqui em casa agora, em abril. O e-mail que mandamos não chega para eles, sempre volta”. 

    *Maria, 44 anos, trabalhadora do poder judiciário, também passa pelos mesmos problemas. Seu marido entrou no CDP em fevereiro deste ano e, desde então, não conseguia se comunicar com ele.

    Como resultado, ela percebeu que as exigências das compras enviadas via Sedex, serviço de envio dos Correios, são cada vez maiores. “Eles pedem um desodorante cujo mais barato custa R$ 30 e, quando está na oferta, R$ 25. Por que não pode entrar de outra marca menos cara se eles barram as coisas? Não está entrando leite, achocolatado e manteiga”. 

    Produtos incluídos no jumbo que será enviado a um dos detentos | Foto: Arquivo Pessoal

    Os obstáculos para conseguir enviar medicamentos, alimentação e ter notícias do esposo foram tantos que Maria foi à prisão na última semana. Ao chegar, descobriu que, por conta dos últimos feriados, os agentes penitenciários não estavam trabalhando. “A resposta foi que o sistema [prisional] ficou parado por causa dos feriados e faltaram agentes. Alguns com Covid-19 foram afastados”. 

    Leia também: Associação Amparar e familiares de presos denunciam torturas, sarna e Covid-19 em presídio de Mauá

    A semana de feriados adiantados pelo prefeito de São Paulo, Bruno Covas (PSDB), ocorreu entre 26 de março e 2 de abril. Até semana passada, Maria seguia sem notícias do marido, que passou pelo R.O. _regime de observação, período de 15 dias no qual todo detento fica isolado, por segurança_ em fevereiro. “As cartas ficam paradas por falta de funcionários, mas é estranho porque os Correios estão trabalhando, não entraram em feriado”. 

    Maria explica que a justificativa dos profissionais doa prisão era de que seu marido mudou de raio dentro da unidade e, por isso, a data de envio do jumbo e cartas imposta pela direção do presídio estava errada. “Disseram que o jumbo voltou porque entrou em data errada. Mas como vou saber se quando ligo para aquele lugar não tem atendimento? Eles tratam as famílias com descaso”. 

    Leia também: Sem água e máscaras, Covid-19 teve crescimento acelerado nas prisões em 2020, aponta estudo

    Outra surpresa encontrada por Maria foi ver diversos agentes penitenciários trabalhando sem máscaras. “Voltando para a portaria todos os agentes estavam sem máscaras”, alerta Maria. 

    A unidade prisional estabeleceu dias e horários para o envio do jumbo, mas quando algum detento troca de raio a família não é avisada | Foto: Arquivo pessoal

    “Nos exigem usar a máscara e eles todos sem. Achei uma falta de consideração com eles que estão ali dentro. Porque, se eles não saem para nada, como tem surto de Covid-19? Quem traz para dentro da unidade? Isso é bem desumano, teve esse surto lá dentro, conversei com um dos agentes nessa data que estive lá”, desabafa Maria. 

    Governo de SP corta orçamento da saúde no sistema carcerário

    O governo do estado de São Paulo finalizou o ano de 2020 com R$12 bilhões a mais em caixa do que em 2019. Os números foram apresentados pela Plataforma Justa a partir dos relatórios da Lei de Responsabilidade Fiscal e informações gerenciais da execução orçamentária. 

    Apesar da reserva feita pelo governador João Doria, cortes de R$14 milhões para questões de saúde nas prisões e de R$31 milhões na aquisição de produtos de higiene foram registrados no mesmo período pela Plataforma. Essa limitação tem impacto no estado que concentra 37% dos presos brasileiros, segundo o Observatório Infovírus. 

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    Segundo os dados compilados pela Plataforma Justa, a Lei Orçamentária Anual de 2021 prevê uma redução de 3,4% dos gastos destinados à saúde prisional, ainda que as prisões paulistas concentrem a maior quantidade de pessoas presas e servidores contaminados e de óbitos pelo novo coronavírus. 

    Segundo o último boletim divulgado pela SAP, até 16 de abril foram registrados 13.445 casos confirmados e 44 óbitos entre a população prisional, além de 3.566 servidores que já testaram positivo. Foram 77 mortes por Covid-19 entre a categoria dos servidores do sistema prisional.

    Outro lado

    Questionada pela reportagem, a assessoria de imprensa da SAP afirmou por meio de nota que a lista de itens que podem ser encaminhados pelos parentes dos reeducandos, conhecidas como “jumbo”, segue as diretrizes da SAP, “com eventuais alterações por questão de segurança”.

    Segundo a pasta, não há determinação de marcas de produtos, “apenas devem seguir os padrões determinados”. A secretaria ainda disse que “assim que chegam, os produtos ficam em quarentena por prazo seguro visando evitar contaminação. Os materiais fora do padrão ou não permitidos são retidos e ficam guardados, para que posteriormente os visitantes possam retirá-los no Núcleos de Portaria”, explicou a SAP.

    A SAP informou que “a correspondência é aberta e passa por revista manual dos produtos e materiais na presença dos detentos”. Também apontou que o Centro de Detenção Provisória de Chácara Belém I atualmente não tem nenhum caso de custodiado com Covid-19. “Em março houve um caso e em fevereiro, 14. Todos estão curados”.

    Sobre as medidas contra à Covid-19 tomadas pelos funcionários, a SAP apenas disse que o Estado de São Paulo já distribuiu quase 6 milhões de máscaras para presos e funcionários, incluindo mais de 68 mil máscaras do tipo N95/PFF2. “Além das máscaras, foram entregues aos presídios quase 3 milhões de luvas descartáveis, mais de 132 mil litros de álcool gel, 103 mil litros de sabonete líquido, entre outros insumos. A limpeza das áreas foi intensificada, a entrada de qualquer pessoa alheia ao corpo funcional foi restringida, foi determinada a quarentena para os presos que entram no sistema prisional e é realizado o monitoramento dos grupos de risco”.

    Em relação ao Conexão Familiar a pasta negou qualquer tipo de problema, e declarou que “quanto o agendamento de visitas virtuais, está funcionando normalmente na unidade, sem registros de atrasos e que as chamadas de vídeo são limitadas a cinco minutos para permitir que mais famílias possam realizar as videochamadas no mesmo dia”.

    Sobre a lotação do CDP, a SAP informou que já foram entregues desde o início da gestão Doria sete presídios. “Sendo cinco em 2019 e dois em 2020. Outros cinco serão entregues em 2021, totalizando cerca de 10 mil vagas entregues em três anos”.

    Ademais a pasta declarou que o Governo do Estado de São Paulo vem adotando medidas que vão além da construção de presídios. “Como ampliação de Centrais de Penas e Medidas Alternativas, oferecendo ao Poder Judiciário opções ao encarceramento e também apoio a este na realização de mutirões visando progressão de regime aos que estão presos”, disse na nota.

    Reportagem atualizada às 19h40 de 18/04 para a inclusão das respostas da SAP.

    *Os nomes foram trocados a pedido das entrevistadas por medo de represálias contra seus familiares

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