Exoneração e fim da remuneração para peritos do Mecanismo, decretado pelo governo, pode inviabilizar funcionamento do órgão, criado em respeito a protocolo da ONU; ‘sou favorável à tortura’, disse Bolsonaro em 1999
A partir de agora, todos os peritos atuais do MNPCT (Mecanismo Nacional de Prevenção e Combate à Tortura) serão demitidos e os novos membros não receberão salários para exercer suas funções. Foi o que decidiu o presidente Jair Bolsonaro (PSL) ao assinar o decreto 9.831 com a exoneração de toda a equipe que compõe o órgão. O documento foi publicado hoje pelo Diário Oficial.
O MNPCT é o órgão responsável por investigar violações de direitos humanos em locais de privação de liberdade, como penitenciárias, hospitais psiquiátricos e abrigos de idosos. Há denúncias em vistorias feitas no Ceará, com seis presos no espaço para 26; Rio Grande do Norte, com ilegalidades comparáveis às cometidas em guerras; Espírito Santo, com a proibição de entrada do órgão para averiguar denúncias de maus-tratos; e São Paulo, com indícios de tortura em um manicômio, como já noticiado pela Ponte.
Em entrevista à Ponte, Leonardo Pinho, presidente do CNDH (Conselho Nacional de Direitos Humanos), conta que a notícia foi recebida com choque e perplexidade. “A gente recebeu esse decreto com um choque, porque ele é um ataque frontal ao Mecanismo Nacional de Prevenção e Combate à Tortura, que promove fiscalização nos locais de privação de liberdade que possam promover a tortura no Brasil. Recebemos com perplexidade também porque o Mecanismo é previsto por lei, está em um protocolo facultativo no sistema ONU que o Brasil é signatário, então esse decreto 9.831 é um atentado à legislação brasileira e também ao protocolo que o Brasil é signatário”, explica Pinho.
A exoneração dos peritos do Mecanismo de Combate à Tortura vem dias depois da nova política de drogas ser sancionada por Bolsonaro, texto apontado por especialistas como base para um grande retrocesso para as lutas antimanicomial e pelo desencarceramento.
Em 2018, o CFP (Conselho Federal de Psicologia) divulgou o relatório da Inspeção Nacional em Comunidades Terapêuticas, uma parceria com o MNPCT (Mecanismo Nacional de Prevenção e Combate à Tortura) e a PFDC/MPF (Procuradoria Federal dos Direitos do Cidadão do Ministério Público Federal), feito a partir de visitas em 28 CTs. O resultado elenca graves violações aos direitos humanos cometidas pelas instituições que trabalham na lógica da abstinência que prevê privação de liberdade, como as internações compulsórias possibilitadas pela nova lei.
Para Leonardo, isso aponta um ciclo muito perigoso. “É muito interessante esse cronograma do governo. O ministro Osmar Terra acaba de aprovar a lei, que foi sancionada pelo presidente, que vetou todos os conselhos nacionais de drogas, os estaduais e municipais que fazem o controle social, e uma das maiores fiscalizações que tiveram do Mecanismo de Combate à Tortura, que esteve nas comunidades terapêuticas que estão recebendo mais recursos, estão se ampliando”, destaca. “Eu estou aumentando o recurso público para essas instituições privadas que tem sérias denúncias de tortura, como mostrou o MNPCT, e ao mesmo tempo vem um ataque ao Mecanismo de Combate à Tortura. Isso é muito perigoso. Você amplia os locais que tem denúncias de tortura e, ao mesmo tempo, demite os peritos do Mecanismo”, argumenta o presidente do Conselho Nacional de Direitos Humanos.
Leonardo Pinho afirma que o CNDH irá recorrer da decisão. “Faremos uma recomendação, que será enviada para o Ministério Público Federal e para a Defensoria Pública da União, mas também para o sistema ONU denunciando o decreto. Para que o sistema de Justiça brasileiro busque sustar esse decreto que vai contra uma lei. Temos uma atuação muito conjunta com o Mecanismo e agora, nesse momento de ataque, seremos um instrumento para aprovar essa recomendação contra esse decreto”, defende.
Em um comunicado público (leia na íntegra aqui) enviado à reportagem, o MNPCT afirma que o decreto, além de acabar com a autonomia dos peritos, é uma retaliação à atuação desses órgãos que, “incansavelmente, vêm denunciando práticas sistemáticas de tortura nos locais de privação liberdade em todo Brasil, notadamente, nos recentes relatórios referentes a comunidades terapêuticas, aos massacres no sistema prisional do Rio Grande do Norte, Roraima, Amazonas e de atuação irregular no Ceará da FTIP (Força Tarefa de Intervenção Federal) do MJ (Ministério da Justiça)”, diz comunicado.
A nota afirma que o papel do Mecanismo é apontar situações de tortura sistemática que o Estado brasileiro submete às pessoas privadas de liberdade e pede a suspensão imediata do decreto. “É de extrema urgência que o Governo Federal suspenda imediatamente o referido decreto e garanta o exercício amplo, pleno e irrestrito das funções das peritas e peritos do Mecanismo Nacional de Prevenção e Combate à Tortura, assim como a garantia dos direitos das pessoas privadas de liberdade, em todo o país”, segue o texto.
A Human Rights Watch, entidade internacional de direitos humanos, disse também em nota que vê com grande preocupação o decreto do governo Bolsonaro. “Na prática, o decreto não só enfraquece como pode inviabilizar a atuação do Mecanismo, pois dependerá da atuação de voluntários que, além disso, não poderão ter vinculação com organizações da sociedade civil e acadêmicas que atuam na área do combate à tortura e participam no Comitê Nacional de Prevenção e Combate à Tortura. O decreto também eliminou a exigência de que a seleção dos peritos busque representar a diversidade de raça e etnia, de gênero e de região do Brasil”, diz a organização.
A entidade lembra que o Brasil se comprometeu com a criação e manutenção do Mecanismo ao ratificar em 2007 o Protocolo Facultativo à Convenção Contra Tortura e Outros Tratamentos ou Penas Cruéis, Desumanos ou Degradantes da Organização das Nações Unidas. “Desde a sua criação em 2013, o Mecanismo tem desempenhado um papel fundamental na exposição de casos graves de tortura e tratamento cruel, desumano e degradante em instalações de privação de liberdade, inclusive fazendo alertas sobre atividades de facções criminosas e risco de assassinatos em unidades. Em lugar de atuar contra as ilegalidades e graves violações de direitos cometidas nas prisões, o governo de Bolsonaro atua contra os especialistas que as documentam e denunciam”, conclui a nota.
Em nota enviada à Ponte, o MMFDH (Ministério da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos), comandado pela ministra Damares Alves, afirma que o Mecanismo continua ativo, “sem quaisquer prejuízos ao Sistema Nacional de Prevenção e Combate à Tortura”.
“Nos termos da Lei n. 12.847/13, o MNPCT permanece como órgão integrante da estrutura do MMFDH (Ministério da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos), sendo responsável pela prevenção e combate à tortura e a outros tratamentos ou penas cruéis, desumanos ou degradantes. Nesse sentido, o apoio técnico, financeiro e administrativo necessário ao funcionamento do SNPCT (Sistema Nacional de Prevenção e Combate à Tortura), do CNPCT (Comitê Nacional de Prevenção e Combate à Tortura) e do MNPCT continuará sob a responsabilidade do MMFDH, nos termos do art. 18, do Decreto n. 9.831/19”, diz a nota.
A exoneração dos cargos, afirma o Ministério, serve para a manutenção da função de perito como serviço público relevante, “de modo que o serviço dos peritos continuará sendo desempenhado regularmente” e “com independência funcional suficiente para a realização das perícias, o que não foi, de modo algum, alterado pelo novo decreto”, segue nota, sustentando que o decreto possibilitará a ampliação do SNPCT, pois “os Estados poderão instituir também os seus Mecanismos”.
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[…] exatamente um mês, em 10 de junho, o presidente Jair Bolsonaro (PSL) exonerou todos os peritos do Mecanismo de Combate à Tortura. O MNPCT é responsável por investigar violações de direitos humanos em locais […]
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