Feriadão tem proliferação de greves de entregadores no interior de SP

Paulínia, Jundiaí, Rio Claro e São Carlos tiveram paralisações contra iFood e outros apps; Maceió (AL) também contou com breque da categoria e novas greves estão programadas pelo país

Entregadores de São Carlos, no interior de SP, fazem greve contra apps de entrega | Foto: Divulgação

Entregadores de Paulínia, Jundiaí, Rio Claro e São Carlos, no interior de São Paulo, e também Maceió, capital alagoana, brecaram o sistema de entregas de suas regiões durante todo o feriado prolongado.

Dentre as pautas, além da taxa mínima e o código de entrega, o movimento pede o fim das entregas agrupadas, em que o motoboy é obrigado a entregar mais de um pedido em uma mesma rota.

Há mais ou menos um mês, contamos como a então mais longa greve de entregadores de aplicativos da história do país que ocorreu em São José dos Campos, interior de São Paulo, impôs reveses importantes para as plataformas de intermediação entre estabelecimentos e motoqueiros. Este movimento, que não obteve retorno satisfatório por parte das empresas, foi a grande inspiração para as novas paralisações dos últimos dias.

A expectativa é de que a onda de greves que começou antes mesmo de São José dos Campos não termine em Jundiaí e Paulínia, cidades onde o breque alcança nesta quinta (14/10) uma nova marca histórica de duração. Ainda no estado de São Paulo, Bauru já se prepara para paralisar as atividades a partir da próxima sexta-feira (15/10). Niterói e São Gonçalo, no Rio de Janeiro, divulgam desde terça-feira (12/10) uma paralisação de sete dias a partir da mesma data.

Depois de anunciar na última sexta-feira (8/10) um aumento considerado irrisório, resultado da rodada de negociações com entregadores de São José dos Campos, o iFood, a principal empresa do setor de entregas no país, encontra-se agora em silêncio e coordena ações que podem acabar com as greves.

Legenda: Entregadores de Paulínia (SP) fazem bloqueio no bolsão do Paulínia Shopping | Foto: Divulgação

Paulínia, no interior de São Paulo, foi a primeira cidade a paralisar. O breque começou na sexta-feira (8/10) e completa mesta quinta (14/10) uma nova marca histórica, sete dias ininterruptos de greve. Marcelo Augusto, 24, disse que os entregadores da região se preparavam há três semanas para a greve. “Nós nos organizamos para trabalhar bastante esse tempo para ter condições de parar por vários dias”, conta.

Alguns dias antes da paralisação, tiveram a notícia de que Jundiaí também pretendia entrar em greve no sábado (9/10). “Deu uma animada saber sobre o pessoal de lá. Até teve gente que achava melhor parar no mesmo dia, só que já tinha um combinado aqui”, conta Marcelo. “Só o fato de várias cidades brecarem ao mesmo tempo já mostra a força do movimento”, complementa.

No início da paralisação, era preciso que eles se dividissem para brecar diferentes pontos da cidade. Mas, com o tempo, os restaurantes tiveram suas plataformas desligadas pelo próprio iFood, principal aplicativo da cidade e o foco da greve nos primeiros dias.

“No terceiro dia de breque, quando a gente percebeu que não dava pro pessoal do Bee Delivery e do Box [Delivery] continuar fazendo entregas, mesmo sendo poucos, começamos a brecar esses aplicativos também”, acrescenta. Agora, eles se concentram no McDonald’s e no Shopping da cidade acompanhando a disponibilidade de outras lojas pelos aplicativos. “Se eles abrem a gente vai até lá, mas já está tudo conversado”.

Aqueles que não estavam sabendo do movimento em geral aceitam deslocar o pedido (solicitar a mudança do local de retirada) e desligar o aplicativo. “Não é fácil parar, todo mundo tem conta pra pagar, mas a nossa situação tá muito difícil e os caras sabem que a greve é para melhoria de todos”.

“Até agora o iFood não entrou em contato com a gente. Na verdade, quem está pressionando diretamente o aplicativo são os restaurantes, que já reclamam de prejuízo”, conta Marcelo.

“Ao mesmo tempo que eles se chocaram que os entregadores de uma cidade pequena pararam eles ficam com medo do movimento, por isso não vem atrás da gente”, reflete. “O problema é que nós não temos a intenção de parar até eles falarem alguma coisa, e mesmo que a nossa greve aqui acabe, outras cidades vão começar a brecar nos próximos dias. Eles estão cercados.”

Durante o feriado, entregadores de São Paulo e Jundiaí foram à Paulínia para fortalecer o movimento. Marcelo disse que essa troca foi muito importante e vê na união das cidades um caminho para garantir alguma conquista. “Se a gente se une, eles [os aplicativos] não aguentam”.

Entregadores em greve em Jundiaí (SP) | Foto: Divulgação

Entregadores de Jundiaí, região metropolitana de Campinas, organizavam a paralisação há cerca de um mês. A greve chega hoje (14) ao seu sexto dia com a maioria dos estabelecimentos sem funcionamento nos aplicativos de entrega.

O planejamento da paralisação começou no fim da greve de São José dos Campos. Os entregadores se dividiram em grupos para garantir que ninguém retirasse nenhum pedido nos shoppings e principais restaurantes da cidade. Além disso, criaram uma vaquinha para garantir a alimentação nos dias de greve.

A campanha de solidariedade com os motoboys começou três semanas antes da paralisação e continua aberta para receber contribuições. Ela pode ser acessada pela página @paralisacaojundiai no Instagram.

Os moradores da região também apoiam a greve. De movimentos sociais à membros de igrejas, muitos se dispuseram a levar água e alimentos para os pontos de bloqueio.

Assim como em outras cidades, o próprio iFood encerrou a disponibilidade de restaurantes na plataforma. Alguns restaurantes contrataram entregadores freelancers para conseguir realizar entregas sem utilizar os aplicativos, mas a maior parte das lojas da cidade ainda segue fechada nas plataformas.

Segundo relatos de entregadores, apenas as franquias do restaurante Madero não colaboraram com o movimento. “Eles estão recebendo os pedidos pelo iFood e entregam através do Box Delivery, mas a gente conseguiu brecar o restaurante por dois dias. Quando viram que estavam tomando prejuízo, decidiram fechar a loja”.

Entregadores de Jundiaí disseram à reportagem que não esperavam que a empresa respondesse ao movimento. “A gente não pode criar expectativa sabendo como os cara é”.

Entregadores de São Carlos (SP) fazem parede de mochilas em unidade do McDonald’s durante greve de 11 e 12 de outubro | Foto: Divulgação

Também inspirados pela mobilização de São José dos Campos, os entregadores de São Carlos, cidade no centro-leste do estado de São Paulo, decidiram parar as atividades nos dias 11 e 12 de outubro.

“Nós nos juntamos, fizemos uma assembleia com a galera aqui e tivemos muita aceitação por parte dos motoboys”, relata o entregador Luiz Henrique, 37, membro da Associação de Motoboys de São Carlos.

Entre motociatas e o breque, os entregadores de São Carlos se reuniram em pontos estratégicos e interromperam a retirada de pedidos da cidade. 

Os restaurantes da cidade também apoiaram o movimento, desligando as plataformas. “Só tivemos dois, três que tivemos de parar em frente porque não queriam desligar, mas a aceitação das lojas foi muito grande também”.

“Aqui em São Carlos nós temos o iFood, Juma, Otto, UberEats e o Unios, todos foram brecados”, conta Luiz. Segundo ele, apenas Juma e Otto, aplicativos menores que operam na região, entraram em contato com os entregadores. “Mas não foram respostas muito animadoras”, completa.

Procurada pela reportagem, a empresa Otto diz que por se tratar de uma empresa criada e administrada por motoboys, suas taxas são as mais justas do mercado. De acordo com o sócio Levi Matos, as mobilizações dos entregadores são importantes para que a sociedade reconheça a importância do trabalho neste setor. Luiz, por outro lado, diz que a única diferença na remuneração é que eles pagam a taxa de retorno. “Como o motoboy da Otto tem que pegar o produto, levar a máquina de cartão pro cliente e retornar à empresa, eles pagam dois reais a mais por isso. Mas a taxa é igual ao iFood, igual ao Juma, não muda nada.”

Uma coisa que surpreende é a adesão dos entregadores do sistema OL (Operador Logístico). Esta é uma categoria criada pela iFood onde o entregador tem sua conta associada a uma empresa terceirizada contratada pelo próprio aplicativo. Quem opta por trabalhar neste sistema não precisa encarar a longa fila de espera para começar a trabalhar, como o fazem os entregadores da modalidade ‘nuvem’, que possuem uma rotina de trabalho mais flexível. Em troca disto e da garantia de que o aplicativo vai tocar, o entregador OL é obrigado a seguir uma escala de trabalho e se submeter à coordenação da empresa terceirizada, que faz o repasse quinzenal do seu pagamento. 

No caso das cidades que paralisaram, os entregadores ‘nuvem’ e os entregadores ‘operadores logísticos’ entraram em um acordo para que as entregas não fossem feitas, obrigando as empresas terceirizadas e o iFood a aceitar.

Sem negociação

Na última sexta-feira (8/10), o iFood publicou um anúncio de reajuste no valor de remuneração das taxas. “A partir de novembro, haverá um incremento nacional no quilômetro rodado, que representa um ganho de até 8%”.

Perguntamos ao iFood: 1) Se eles já haviam aberto canal de negociação com os grevistas; 2) por que deixam restaurantes inativados quando há greve; 3) como é feito o cálculo para oferecer 8% de aumento por km rodado e o que isso significará na prática. A assessoria de imprensa limitou-se a encaminhar o endereço da publicação onde comunicaram a mudança das taxas na véspera do feriado com o seguinte adendo:

“O iFood respeita o direito constitucional e democrático da realização de manifestações. A empresa está permanentemente atenta a todo o seu ecossistema, a ouvir seus parceiros, e tem adotado uma conduta proativa em busca do diálogo em todo o país.” Até o momento, nenhum entregador em greve foi procurado.

Para os entregadores, o aumento irrisório oferecido pela principal empresa do setor soa como uma brincadeira. Acreditam que a estratégia do iFood, diante da crescente mobilização, é desmotivar os entregadores com falácias de auxílio e falsos aumentos de taxa.

“Viver não é hmm-ma delícia não”, diz um entregador do interior de São Paulo que prefere não ser identificado, referindo-se ao slogan adotado pelo iFood depois das manifestações que ocorreram em julho de 2020 . “Viver nesse mundo custa caro, esses caras podiam usar o dinheiro que gastam com propaganda para pagar uma taxa pros entregadores, que correm perigo nas ruas e fazem o sistema deles funcionar”.

Ajude a Ponte!

A partir das 18h de quarta (13/10), o iFood passou a oferecer promoções jamais vistas pelos entregadores das cidades brecadas, um acréscimo de R$ 5,00 ao valor de cada rota de entrega. Segundo os entregadores, esta seria uma tática para estimular que os motoboys voltem ao trabalho. A plataforma também voltou a abrir nesta quarta (14/10) os restaurantes que havia fechado durante o feriado.

Bee Delivery e UberEats, outros aplicativos citados pelos entregadores nesta apuração, também foram procurados pela reportagem mas até o momento não se manifestaram. 

Já que Tamo junto até aqui…

Que tal entrar de vez para o time da Ponte? Você sabe que o nosso trabalho incomoda muita gente. Não por acaso, somos vítimas constantes de ataques, que já até colocaram o nosso site fora do ar. Justamente por isso nunca fez tanto sentido pedir ajuda para quem tá junto, pra quem defende a Ponte e a luta por justiça: você.

Com o Tamo Junto, você ajuda a manter a Ponte de pé com uma contribuição mensal ou anual. Também passa a participar ativamente do dia a dia do jornal, com acesso aos bastidores da nossa redação e matérias como a que você acabou de ler. Acesse: ponte.colabore.com/tamojunto.

Todo jornalismo tem um lado. Ajude quem está do seu.

Ajude

mais lidas