Para avançarmos até o fim do assédio moral nas corporações, é preciso afirmarmos, cada vez mais: “Direitos Humanos são coisa de polícia”
O assédio moral é um problema antigo e recorrente no mundo do trabalho de modo geral, sendo mais recente o interesse da sociedade em identificá-lo e resolvê-lo. O Ministério Público Federal, em cartilha educativa, traz a seguinte definição do fato:
Se entre os servidores civis essa discussão já está bastante avançada, havendo diversas campanhas do ministério público federal e dos estados contra essa prática, entre os policiais militares estaduais a questão é pouco discutida e ainda há quem a legitime a pretexto de treinamento ou algum diferencial da profissão que permitiria tais abusos. Isso explica o alto índice de profissionais de segurança pública que afirmam terem sofrido assédio moral ou sexual no trabalho: 63,5% é a média nacional, tendo o nordeste o alarmante índice de 66,5%, conforme demonstrou a pesquisa “Vitimização e percepção de risco entre profissionais do sistema de segurança pública”.
Segundo o capitão Fábio França, que também é doutor em sociologia, referindo-se ao que chama de “pedagogia do sofrimento”, presente nas instituições militares: A crença geral é que o treinamento baseado em violência psicológica, moral e até física é necessário para condicionar o corpo e a mente dos soldados para vencer o medo e o perigo e ter coragem para o embate no que seria uma guerra urbana.
Ao se referir a alguns códigos disciplinares de polícias militares dos estados, o deputado federal Subtenente Gonzaga (PDT-MG), afirma: O militarismo se sustenta em uma cultura organizacional em que a hierarquia deve ser mantida, mesmo que às custas da humilhação e sofrimento de seres humanos, muitas vezes transformados em meros instrumentos de sustentação do poder do comandante, ou do governo a que serve esse comandante.
Atualmente, temos diversas realidades nos estados brasileiros, coexistindo o moderno e o arcaico. Por exemplo, o Código de Ética e Disciplina que rege a Polícia Militar de Minas Gerais, promulgado em 2002, é fruto das mobilizações dos profissionais de segurança ocorridas a partir de 1997. É considerado um marco na conquista de direitos humanos pelos profissionais de segurança pública. Entre as suas inovações, acaba com a previsão de cumprimento de prisões disciplinares, ao mesmo tempo em que qualifica como transgressão o assédio praticado por qualquer profissional da corporação. Ao mesmo tempo, temos o Regulamento Disciplinar da Polícia Militar do Estado do Rio de Janeiro, que é de 1983, anterior à Constituição Federal e, portanto, pouco atualizado.
No estado do Ceará, no último dia 18 de maio, o deputado Renato Roseno (PSOL) apresentou o projeto de indicação nº76/16, que inclui os militares estaduais daquele estado – policiais e bombeiros – na Lei do Assédio Moral. O projeto foi feito após diálogo com policiais, movimentos sociais e associações em audiência pública.
O deputado utiliza como argumento na justificativa do projeto, entre outras coisas, a Portaria Interministerial SEDH/MJ nº 02 de 15 de dezembro de 2010, feita em conjunto pelo Ministério da Justiça e Secretaria de Direitos Humanos, que estabelece a necessidade de renovação das leis e normas referentes aos policiais, com intuito de promover a dignidade e a segurança no trabalho, com respeito aos direitos humanos desses profissionais. (Veja o pronunciamento do deputado aqui)
Penso que os profissionais de segurança pública estão acordando para a necessidade de conhecer e defender os direitos humanos, acabando com as falácias que trazem o antagonismo entre estes e a atividade policial ou frases de efeito como “direitos humanos são para bandidos”. Tais falácias só servem para eleger políticos populistas e demagogos, que não acrescentam nenhum direito aos trabalhadores e ainda alimentam os sentimentos de medo, ódio e guerra nas corporações e na sociedade, tornando todos mais inseguros e violentos.
Para avançarmos até o fim do assédio moral nas corporações, é preciso afirmarmos, cada vez mais: “Direitos Humanos são coisa de polícia”.
“O filme Tropa de Elite mostra aquela cena dos caras comendo comida no chão. Aquilo acontece”, diz o cabo Elisandro Lotin, presidente da Anaspra. (Foto: Reprodução)
* Anderson Duarte é policial militar e doutorando em Educação Brasileira pela Universidade Federal do Ceará (UFC)
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