Gabriel Feltran, autor de livro sobre a facção, considera que posições de integrantes e comunicação seguirão iguais, dentro ou fora da cadeia
Um grupo de 75 presos, parte deles integrantes do PCC (Primeiro Comando da Capital) fugiram da Penitenciária Regional de Pedro Juan Caballero, no Paraguai, próximo à fronteira do país com o Brasil. Ao escaparem por um túnel, retomaram a liberdade. No entanto, quem estuda a facção considera que o impacto é nulo na atuação diária.
Um dos criminosos, que se entregou voluntariamente, declarou que os líderes do PCC deixaram a prisão pelo portão principal, enquanto os outros passaram pelo buraco cavado de uma cela ao lado de fora. O país determinou a prisão de 30 agentes penitenciários e do diretor da prisão sob suspeita de terem contribuído com a fuga.
Segundo Gabriel Feltran, professor do Departamento de Sociologia da Universidade Federal de São Carlos, ter este grupo nas ruas não significa necessariamente um reforço para a facção. “Não muda absolutamente nada. Se é verdade que prender não muda muita coisa, sair também não muda muita coisa. Muda para a pessoa que saiu, agora, o que isso interfere na operação do PCC: nada”, sustenta.
No país vizinho, a fuga gerou crise no sistema prisional. A ministra da Justiça, Cecília Pérez, admitiu que a corrupção é histórica dentro da cadeia de Pedro Juan Caballero. “É categórico que houve corrupção”, disse, no mesmo dia da fuga. “Não pode ser que um poço esteja sendo cavado em sua casa e você não ouça nada. Não pode ser que 75 estejam fugindo e não se veja nada. Aqui existe uma responsabilidade por ação ou omissão”, prosseguiu.
A fala se confirmou quando Cristian Javier Benítez Vera, um dos fugitivos, se entregou e detalhou a saída. “Todos saímos no mesmo dia. Entre muitos que saíram pelo túnel, pela frente saíram muitos também”, declarou, o que reforça facilitação de agentes prisionais, sendo divididos em funcionários do Ministério da Justiça e de uma empresa de segurança terceirizada, a Tapití.
Feltran é autor do livro “Irmãos: uma história do PCC”. Estuda as dinâmicas de atuação do “partido do crime” desde 2004, quando o domínio era exclusivamente em São Paulo e, posteriormente, a facção se expandiu para todo o país e América Latina. O professor tem atuação voltada para as dinâmicas sociais nas periferias de São Paulo desde 1997.
Sua análise tem como base a estrutura de atuação do grupo criminoso, que é baseada em postos. “Poder no PCC não é personalizado, é da posição [que se ocupa]. Enquanto alguém ocupa um posto, tem responsabilidade e o posto não é de mando, é de responsabilidade de fato, de responder as demandas que aparecem de baixo para cima, não de mandar de cima para baixo”, explica o professor.
As funções são mantidas de acordo com o poder da pessoa se comunicar, seja dentro ou fora do sistema prisional – no Brasil e fora dele. Enquanto é possível dar ordens e resolver questões, o integrante do PCC mantém tal função. Se por algum motivo esse poder acaba, há a substituição para que as ações sigam fluindo.
“Os muros da prisão não são isolamento de ninguém em relação ao mundo social ou atividades que costumam tocar fora da prisão. São irmandades, redes”, detalha. “Porque continua a caminhada dentro da prisão na facção, que vem de dentro das cadeias. Prender não faz mal para a facção, faz para a pessoa”.
Até o momento as autoridades paraguaias divulgaram que sete dos fugitivos já foram recapturados. Nesta terça-feira (21/1), ministros deram explicações no Congresso Nacional pela fuga. O presidente paraguaio, Mario Abdo Benítez, declarou no mesmo dia que o país “talvez tenha perdido uma batalha, mas vão ganhar a guerra”.
Feltran considera que a fuga ocorrida no Paraguai tem o mesmo poder de impactar nas operações do PCC que a transferências dos líderes de presídios de São Paulo para penitenciárias federais – fato ocorrido em fevereiro de 2019. A fala é igual: não afeta em nada.
“A princípio, não muda para a facção. ‘Os líderes do PCC foram transferidos’. As posições, se a pessoa não consegue seguir, elas tenderiam a ser ocupadas por outras pessoas. Como [a facção] trabalha com muita autonomia, cada um é cada um e o respeito é avaliado a posteriori por todos, não acho que seja tão relevante para a facção”, explica.