Fugindo do ‘rapa’ e arriscando a saúde, camelôs seguem nas ruas por um medo maior: o da fome

    Bruno Oliveira, que mora em uma ocupação, improvisa luvas com sacolas plásticas para continuar trabalhando

    Bruno Oliveira se protege como pode para continuar a trabalhar nas ruas de SP | Foto: Paulo Eduardo Dias

    Acostumados a fugir do “rapa”, a fiscalização da Prefeitura que costuma apreender os seus produtos, os vendedores ambulantes de São Paulo passaram nos últimos dias a temer outras ameaças: a ameaça da pandemia de coronavírus, para a sua saúde e das pessoas que amam, e a falta de clientes em meio às ruas esvaziadas pela quarentena.

    Mesmo assim, alguns poucos seguem nas ruas, enfrentando os três temores, por causa de um medo maior do que todos esses juntos, que os espera em casa: o da fome.

    Com duas sacolas cobrindo as mãos como se fossem luvas e usando uma máscara que lhe custou mais do que tinha no bolso, Bruno Oliveira, 26 anos, chamava a atenção dos poucos que passavam pela Avenida Jabaquara, na Chácara Inglesa, zona sul da capital paulista, na tarde desta quarta-feira (25/3).

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    “Estou trabalhando para me alimentar. Para se manter mesmo. Nem sempre tem doação”, contou o rapaz, que vive em uma ocupação a poucos metros dali. Com suas balas de goma nas mãos, era a única pessoa a vender algo numa rua cercada de estabelecimentos com as portas fechadas.

    Nesta semana, a Prefeitura de São Paulo, sob gestão de Bruno Covas (PSDB), suspendeu temporariamente o TPU (Termo de Permissão de Uso) que concede a alguns ambulantes o direito de trabalhar regularmente. Não que isso tenha feito diferença para Bruno, que já atuava de maneira informal. Antes como agora, teme a passagem do rapa. “Isso não para, é toda hora”, reclamou Bruno.

    Perguntado sobre os ganhos, Bruno assumiu um tom de desespero. “Num dia normal consigo tirar entre R$ 40 e R$ 60, mas, desde a quarentena, entre R$ 10 e R$ 15. Hoje tenho R$ 8 no bolso”, contou. O montante que havia conseguido, em 5 horas de trabalho sob o sol, era menos do que os R$ 10 que havia desembolsado para comprar, em uma farmácia da região, a máscara que estava usando.

    Bruno explicou que, na ocupação onde vive com mais 27 pessoas, há diversas orientações para se evitar contaminação. “Há álcool na entrada e lavamos as mãos a todo momento, além do uso da máscara. Nós estamos acompanhando o jornal e vendo que não é brincadeira. Só o [presidente Jair] Bolsonaro acha que é brincadeira”.

    ‘O governo deveria nos ajudar’

    A Ponte percorreu cerca de 50 quilômetros ao longo de pontos tradicionais de comércio popular móvel, como toda a extensão das avenidas Jabaquara e Paulista e ruas Domingos de Morais e Vergueiro, além das proximidades dos hospitais São Paulo, Dante Pazzanese, Servidor Público Municipal e Clínicas, mas não encontrou vendedores ali.

    Próximo ao Largo da Batata, em Pinheiros, na zona oeste, a reportagem encontrou Elisângela Souza, 40, que mora em Embu Guaçu (Grande SP). Ela contou que veio para São Paulo há 25 anos, após deixar Sobral, no Ceará, para tentar melhores condições de vida. Para Elisângela, esta é a pior fase desde que chegou à capital paulista. Preferia estar em casa, mas sua condição financeira a fez se arriscar. Em seu bolso, após quatro horas de trabalho, contou ter R$ 10.

    Elisângela Souza queria era estar em casa, mas saiu porque precisa do dinheiro I Foto: Paulo Eduardo Dias

    “A gente tem medo, quem não tem? Mas as contas chegam. Houve uma queda [nas vendas]. Estou vindo mais para receber os fiados. Por mim estava escondida dentro de casa. Está ruim para todo mundo”, disse. E lamentou pelo futuro dos colegas. “Vai morrer muita gente de fome. Como a gente vai viver sem trabalhar? O governo deveria nos ajudar”, completou.

    Conhecido ponto de vendas, o entorno da estação Barra Funda, na zona oeste, estava vazio. Apenas um comerciante se arriscava a vender seus fones de ouvido e equipamentos para celular, além de cigarros. A conversa entre Junior José, 19 anos, e a reportagem foi breve em virtude de uma suposta presença do rapa na região. “Vim para sustentar a família”, foi tudo o que disse.

    No entorno da Estação Barra Funda ambulante ainda vendia fones e cigarros I Foto: Paulo Eduardo Dias

    Procurada, a Prefeitura de São Paulo informou não ter um plano para ajudar financeiramente os ambulantes que estão sem trabalhar em virtude da quarentena.

    Em nota, a Secretaria Municipal das Subprefeituras afirmou que desde sexta-feira (20/3), cerca de 2.000 agentes têm trabalhado na conscientização de ambulantes e comerciantes em manter os estabelecimentos fechados. Até o momento, não houve multas. “A população tem colaborado com a determinação. Os locais que descumprirem o exposto no decreto estão sujeitos a interdição imediata de suas atividades e, em caso de resistência, cassação do alvará de funcionamento ou TPU”, afirma a nota.

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