Funcionárias denunciam racismo em equipamento antirracista da Prefeitura de SP

    Elas contam que foram demitidas após discordarem da gerente, para quem o Dia da Consciência Negra deveria ser o da “consciência humana”

    Centro de Referência da Zona Norte foi inaugurado em março de 2019 no bairro Parque Edu Chaves | Foto: reprodução

    Duas funcionárias negras do Centro de Referência de Promoção da Igualdade Racial da zona norte de São Paulo, localizado no Parque Edu Chaves, foram demitidas depois de discordarem do posicionamento da presidente da ONG Braços Fortes, que venceu o edital da Prefeitura para administrar o local.

    A advogada Karina Lopes, 30 anos, e a assistente social Fabiana Cardoso da Silva, 31, foram demitidas dias depois de participarem de uma roda de conversa em homenagem ao Dia da Consciência Negra. No começo de dezembro, elas chegaram para trabalhar e receberam a notícia de que estavam demitidas.

    Elas contam que, na ocasião, participaram da roda de conversa que foi realizada no dia 29 de novembro. A presidente da ONG que administra o local, Rosângela Crepaldi dos Santos, também participava do debate.

    Rosângela, ao centro, no dia da inauguração do centro de referência | Foto: reprodução/Facebook

    “Ela manifestou a opinião dela, se colocando contrária ao Dia da Consciência Negra. Na visão dela, deveria ter o dia da consciência humana e tudo mais. Ela colocou a opinião dela e em nenhum momento ela foi interrompida, não atravessamos a fala dela, mesmo discordando. Esperamos ela e outras pessoas falarem para voltarmos a falar”, explica Karina à Ponte.

    A advogada conta que ela e Fabiana explicaram os motivos pelos quais elas discordavam das falas contrárias à data. “Começamos a expor as razões sociais, a luta do movimento negro e dados sobre o assunto. Ela ficou muito incomodada, porque a nossa fala foi contrária a fala dela, mas de nenhuma maneira nos dirigimos a ela, estávamos falando de maneira geral sobre o dia”, relata.

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    Imediatamente, Rosângela levantou da roda e foi conversar com as coordenadoras do Centro de Referência. Ela pediu a demissão das duas funcionárias que haviam discordado dela. Como o evento estava acontecendo, as coordenadoras decidiram não fazer a demissão naquele momento. Era uma sexta-feira.

    Quando Karina chegou para trabalhar na segunda-feira seguinte, dia 02 de dezembro, recebeu a notícia de que foi desligada da empresa. “A minha coordenadora disse que tentou reverter, que gostava muito do meu serviço, mas que a ordem teria vindo da ONG”, explica a advogada.

    No dia seguinte foi a vez de Fabiana ser demitida. “Eu fiquei sem ação, sem acreditar no que estava acontecendo. A gente espera sofrer racismo em todos os lugares, menos em um lugar em que eu sou contratada para combater esse tipo de fala. Chorei muito depois”, lamentou a assistente social à Ponte.

    Karina explica que a contratação dela era provisória, já que ela foi admitida para cumprir uma licença maternidade em setembro de 2019. Foi a própria ONG que a contratou. Ficou assustada e chocada com a forma que foi demitida.

    “A gente achou que a demissão foi discriminatória e arbitrária, que teve sim uma questão racial, porque só estávamos defendendo a data. Eu fui contratada para fazer a promoção da igualdade racial e fui demitida por conta disso”, crava a advogada.

    Fabiana contou à reportagem que uma funcionária, a única branca que trabalha no Centro de Referência, tinha inúmeras reclamações de funcionários e de usuários do serviço, mas a ONG sempre foi tolerante com ela. “Eu e a Karina, na primeira vez que eles acreditam em um erro nosso, fomos imediatamente demitidas. Isso prova que não existe tolerância se você é negro e acima de tudo uma mulher preta”, critica a assistente social.

    Diante da demissão, Karina e Fabiana procuraram a Secretaria Municipal de Direitos Humanos e Cidadania. Lá, um processo administrativo foi instaurado para analisar se houve irregularidade por parte da ONG Braços Fortes.

    No dia seguinte da demissão, Karina foi à Decradi (Delegacia de Crimes Raciais e Delitos de Intolerância), onde registrou um boletim de ocorrência contra Rosângela por preconceito de raça ou cor, baseado na lei federal 7716/89, como prática de discriminação racial.

    A Polícia Civil instaurou um inquérito policial para apurar os fatos. Depois de ouvir Karina, Fabiana e mais duas testemunhas, funcionárias do Centro de Referência que confirmaram o que foi dito pelas funcionárias demitidas, em 14 de janeiro, o inquérito foi para o Fórum Criminal da Barra Funda e Rosângela foi ouvida pelo Ministério Público.

    O caso continua sendo investigado pela Decradi e acompanhado pelo MP.

    Outro lado

    A Ponte procurou a ONG Braços Fortes por telefone e por e-mail e não obteve retorno. A reportagem também entrou em contato com a presidente da ONG por telefone, mas recebeu como resposta da secretária de Rosangela que a ONG atenderia a solicitação.

    Questionada, a Secretaria Municipal de Direitos Humanos e Cidadania disse, em nota, que “não tolera crimes de racismo e, por isso, acompanha as denúncias citadas nos boletins de ocorrência e nos eventuais inquéritos policiais”.

    A pasta também informa que “tomará as medidas administrativas cabíveis caso haja comprovação de racismo em decisão judicial”.

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