Policiais disseram que Ademir Santana de Souza os ameaçou com objeto cortante, que depois descobriram ser uma tesoura; colegas e família contestam versão: ‘ele não tinha nenhum histórico de violência’, diz diretor de sindicato
O operador de triagem Ademir Santana de Souza, 49, foi morto por um policial militar na sexta-feira (28/5), no cruzamento da Rua dos Trilhos com a Avenida Alcântara Machado, na região da Mooca, na zona leste da capital paulista, a poucos metros do CTC (Centro de Tratamento de Cartas) dos Correios, onde trabalhava.
De acordo com o boletim de ocorrência, por volta das 22h43, a policial Carine de Castro Gonçalves declarou que foi acionada via rádio após os soldados João Victor Matos dos Santos e Rodrigo Martins de Souza Sá terem solicitado apoio. Ao chegar no local, a dupla lhe disse que um homem, depois identificado como Ademir, “atentou contra a vida dos policiais usando um objeto perfuro contundente, que a princípio não sabiam tratar-se de uma tesoura, pois o local possuía baixa luminosidade”.
Ao site Alma Preta, o irmão do operador, Ailton de Souza, que também trabalha nos Correios, declarou que Ademir nunca teve nenhum tipo de transtorno psicológico e que na ocasião estava indo para o ponto de ônibus para voltar para casa. “Meu irmão tinha problemas nos dois joelhos e na coluna. Não podia levantar peso e tinha limitações físicas para movimentos bruscos. Já operado, ficou um tempo afastado do trabalho. Quando voltou teve que ser transferido para uma seção onde não carregava peso”, declarou.
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À Ponte, o diretor do Sintect-SP (Sindicato dos Trabalhadores da Empresa Brasileira de Correios Telégrafos e Similares de São Paulo, Grande São Paulo e zona postal de Sorocaba) Douglas Melo afirma que Ademir era muito querido pelos colegas e que a entidade está prestando auxílio à família e cobrando apuração do caso às autoridades. “Ele trabalhou normalmente até as 22h30 e nunca teve nenhum histórico de violência. Essa história está muito mal contada”, contesta.
Todo o histórico da ação é relatado no BO por Carine a partir do que os dois policiais disseram à ela, mesmo não tendo participado da ação. Segundo o documento, João e Rodrigo lhe declararam que “a todo o momento” Ademir “gritava que iria ‘matá-los’ e dizia também que iria ‘morrer hoje'”. Em seguida, a dupla teria procurado abrigo entre a viatura e uma mureta, sacaram suas armas e pediram para que Ademir largasse o objeto. Depois de “diversas tentativas de negociação”, alegaram que Ademir foi em direção ao PM João, que deu dois disparos contra ele. O operador de triagem foi atingido no abdômen e na perna direita, caindo no chão.
Segundo o documento, os policiais solicitaram o resgate e Ademir foi encaminhado ao Hospital do Servidor Público Municipal, onde morreu. No cruzamento onde foi baleado, os peritos identificaram uma mancha de sangue, um boné que Ademir usava, uma tesoura e dois estojos de calibre .40, que é de uso exclusivo da PM paulista. A arma do soldado João Victor foi apreendida para perícia e o caso está sendo investigado pelo DHPP (Departamento Estadual de Homicídios e de Proteção à Pessoa), da Polícia Civil.
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A delegada Gabriela de Carvalho, do DHPP, entendeu que o policial atuou em legítima defesa. “Diante de todo o quadro probatório, fático e testemunhal por ora apurado, para fins do recebimento em plantão policial desta ocorrência, não se verifica aparente ilegalidade na conduta do Policial Militar, que provocou a morte de suspeito, porém em aparente legítima defesa, que parece estar secundada no encontro e exibição da tesoura utilizada pelo autor/vítima fatal”, argumentou no BO.
Ademir era divorciado e ingressou nos Correios em 1995. A Ponte apurou que ele atuou primeiro como operador telegráfico, depois assumindo, desde 2002, a função de operação de triagem e transbordo do CTC dos Correios, cuja função era de separação manual de cartas por CEP e o transporte da carga para serem distribuídas posteriormente. Ademir, inclusive, entrou com processo trabalhista em 2012 por ter desenvolvido dores nos ombros por conta de movimentos repetitivos, desenvolvendo dificuldade de movimento dos membros superiores.
Os Correios também lamentaram a morte do funcionário e declararam que estão prestando apoio aos parentes. “Os Correios lamentam a morte do empregado Ademir Santana de Souza, que prestou serviços à empresa por 25 anos. As investigações sobre as circunstâncias do ocorrido estão sendo conduzidas pelos órgãos competentes e a empresa segue prestando as informações, bem como o devido apoio à família”, informou a assessoria.
O que diz a polícia
A Ponte solicitou entrevista com os PMs João Victor e Rodrigo por meio da assessoria de imprensa da secretaria de Segurança Pública, já que o histórico do boletim de ocorrência foi narrado por uma soldado que não atuou na ação, e questionou a pasta sobre as investigações.
Em nota*, a pasta disse que o caso está sendo investigado pela Polícia Civil e que foi aberto um inquérito na PM. “Diligências são realizadas visando à apuração de todas as circunstâncias dos fatos, localização de possíveis testemunhas e câmeras de segurança”, informou.
O ouvidor das Polícias, Elizeu Lopes Soares, disse à reportagem que está acompanhando o caso, tendo se reunido com a direção dos Correios e acionado o Ministério Público e a Corregedoria da PM. “É preciso apurar, mas é um episódio no mínimo controverso.”
*Reportagem atualizada às 10h de 03/06/2021, após recebimento de nota da SSP e dos Correios.
Correções
*Reportagem atualizada às 10h de 03/06/2021, após recebimento de nota da SSP e dos Correios.